A VIDA EM BERLIM EM TEMPOS DE COVID-19

Pra quem quer saber como pode piorar, é só ver o que esta acontecendo nos outros países. Por exemplo, foram mil novos casos confirmados na Alemanha de domingo para segunda. É um novo pico para o país.

Ontem a Argentina, que tinha 130 casos confirmados, decretou quarentena total. Só pode sair de casa pra ir ao supermercado, à farmácia, ao hospital ou a um caixa automático perto de onde mora. Quem for pego na rua sem justificativa pode ser preso por um a quinze anos por atentado à saúde pública. Enquanto isso, no Brasil, que já tem 620 casos confirmados (22 só da comitiva que foi com Bolso a Miami), o miliciano segue dizendo que o corona "não é tudo isso" e não fecha nem os cultos religiosos, nem o comércio, porque isso poderia prejudicar a economia. 

Pior que uma pandemia é estar numa pandemia com um presidente tão obscurantista e incompetente como Bolsonaro. Comparem com o pronunciamento que Angela Merkel fez ontem.  

Publico hoje um ótimo texto da Vera Gomes, uma ítalo-brasileira que mora em Berlim desde 1997. Ela foi pra lá estudar e se apaixonou pela cidade.

Berlim em tempo de Coronavírus… Na segunda-feira pela manhã as últimas fronteiras da Alemanha foram fechadas. Ao norte e ao leste, os países vizinhos já haviam tomado essa medida nas semanas anteriores e agora seguimos com as fronteiras para a França, Áustria e Suíça. Somente bens de consumo e pessoas que realmente precisem cruzar as fronteiras terão essa permissão. 

Vôos estão parando e, aos poucos a Alemanha se isola para tentar conter a contaminação pelo novo coronavírus, o Covid-19. Teatros, salas de concerto, óperas, museus, todos já foram sendo fechados aos poucos nas últimas semanas (para o pânico desta que aqui escreve, que respira cultura e tinha uma lista de concertos e exposições marcadas no calendário, ingressos comprados etc, inclusive para a Gal Costa, que eu veria pela primeira vez ao vivo! Mas a vida continua e as medidas são necessárias). 

A maratona foi cancelada, a feira de turismo (ITB) também, e aos poucos fomos percebendo que a vida neste março não seria mais a mesma como a conhecemos. No último final de semana, bares e clubes foram proibidos. Uma ação acertada, sendo que 17 dos primeiros casos registrados em Berlim se deveram ao contato em uma única noite em um clube de jazz chamado “Trompete”. E já se sabe que a disseminação do vírus é exponencial. 

Tirei férias nesta segunda-feira para organizar a casa para a quarentena. Afinal, agora somos 4 pessoas vivendo em um apartamento de 80 m2 por pelo menos 5 semanas. Decidimos não utilizar mais o transporte público desde terça-feira (que em Berlim é extremamente eficiente, por esse motivo não temos carro) e se precisarmos fazer algo mais longe de casa o faremos de bicicleta, já que a cidade é plana e com muitas ciclovias.

Mas a ordem do governo é para sairmos somente para comprar comida ou medicamentos necessários. 

Meu marido trabalha para o Banco de Desenvolvimento da Alemanha (que terá muito trabalho quando essa crise do Covid-19 terminar, já que diversos pequenos empreendedores precisarão de ajuda financeira para superar as perdas durante o tempo em que não puderam trabalhar -- e o governo alemão já prometeu ajuda), e eu trabalho para uma escola de idiomas online. 

Por sorte, nós dois poderemos trabalhar de casa sem problemas por um maior período de tempo. Isso se a internet permitir, claro! Nos últimos dias já ouvimos reclamações de conhecidos sobre a qualidade da internet ter piorado. Em casa ainda está tudo bem. A minha empresa praticamente nos ordenou a trabalhar de casa a partir desta semana. 

Já tivemos um dia de teste, na sexta-feira, 6 de março, quando todos os mais de 600 funcionários tiveram que fazer home office para testar se o sistema funcionaria. Teremos ajuda financeira se precisarmos de uma internet mais veloz e cada funcionário recebeu um vale de 100 euros da Amazon para comprar material de escritório que possa ser necessário durante esse período (na base da confiança, nem precisaremos apresentar notas fiscais). 

Nos últimos dias já tivemos algumas reuniões bem-sucedidas pelo Google Hangouts. O divertido é ver o apartamento e bichinhos de estimação dos colegas. Isso até humaniza mais as pessoas. Sei que alguns grupos organizam cafés virtuais diários e até uma cervejinha virtual no final da tarde. É a criatividade na crise. A escola de meus filhos de 6 e 10 anos fechou as portas na terça-feira dia 17 de março, e agora teremos 5 semanas de “isolamento social”. Sem aula de música ou de capoeira, sem futebol, sem ioga, nadinha presencial. Sem piscina, nem cinema! 

Ouvi de conhecidos que alguns professores de música estariam oferecendo aulas pelo skype. Tem gente se reunindo pra fazer ioga pelo YouTube ao mesmo tempo. Cada um vai definindo o que é importante e se quer continuar fazendo em grupo, mesmo que seja por vídeo. 

Em Berlim deveríamos ter férias de Páscoa de 6 a 19 de abril. O que o governo decidiu foi definir um período até o dia 19 de abril para fechar as escolas e todos os outros serviços não essenciais. Isso não significa que as crianças não deverão aprender durante esse tempo. Os pais têm que apoiar o aprendizado em casa, um tipo de homeschool. 
Existe um plano semanal que recebemos por e-mail. E as viagens escolares previstas para maio já foram canceladas para recuperar um pouco do tempo perdido. Resta torcer para que a epidemia realmente seja contida até o dia 19 de abril e a vida volte a ser o que era antes. 

Eu particularmente não senti a falta de produtos no mercado até agora. Mas vejo diversos memes e postagens de amigos falando sobre a falta de produtos de higiene e de papel higiênico no supermercado. Por que papel higiênico? Boa pergunta, ainda não descobri… 

Os restaurantes e lojas de roupas e bens não essenciais fecharam ontem, quarta-feira. Alguns restaurantes ainda abrem até às 18 hs e têm que deixar o espaço de 1,5 m entre os clientes. 

Resta torcer para que possamos ao menos passear no parque perto da nossa casa para tomarmos um solzinho de primavera e para não enlouquecermos dentro de casa com duas crianças bastante animadas, já que ontem fecharam também parquinhos comunitários para crianças. 

Mas acredito que será um tempo de aprendizado, teremos que nos reinventar. Quem sabe finalmente montaremos aquele quebra-cabeça de mil peças com a imagem do Cristo Redentor que trouxe do Brasil há alguns anos e que permanece fechado na embalagem plástica na estante da sala? Veremos. 

Difícil é fazer home office e ter que ajudar as crianças a estudar, ter que cozinhar mais vezes no dia. Acaba sendo bastante cansativo. Caso Berlim comece a se comunicar pelas janelas e sacadas como vem ocorrendo na Itália, já nos preparamos! Coloquei meu menino para treinar ainda mais a “Sinfonia do novo mundo” no clarinete. E minha menina provavelmente cantará “Let it go”, do filme Frozen, a plenos pulmões. #FiquemEmCasa