Reproduzo aqui o texto muito pertinente que a analista de Relações Internacionais Cacau publicou no seu blog, Tudo em Simas.
Defendido pelos eleitores e pela base de apoio do atual governo como uma “exceção técnica” num rol de indicações pra lá de duvidosas, o ministro Paulo Guedes acabou se revelando a velha e boa farinha do mesmo saco ao declarar, no último dia 12, que “doméstica ia para Disney com dólar barato, ‘uma festa danada’” e, por isso, era conveniente ter a moeda brasileira tão desvalorizada frente ao dólar americano. Técnico ou não, com essas exatas palavras, ele acaba confessando que o governo vai sim lançar mão de ferramentas liberais a qualquer preço. O que parece cada vez mais claro é que manter a gritante desigualdade social brasileira não parece mais ser uma mera casualidade, um custo a ser pago pela recuperação econômica. Trata-se de um claro objetivo.
Na esteira do impeachment, nosso congresso aprovou as reformas que enormes e grandes e médios e pequenos empresários tanto pediam. Tudo com a chancela da imprensa corporativa (olha, mais empresários!) que vivia a repetir que sem tais reformas o país emperrava. Concessões foram feitas à boa e velha base aliada, e os mais humildes se viram esmagados pelo rigor de regras liberais com zero piedade ou tampouco regras razoáveis de transição.
Bom, tem gente aí muito mais capacitada para falar sobre isso do eu. O que eu quero dizer é que o governo representa muito bem seus eleitores. São muitos os que pensam exatamente assim: que o pobre esqueceu o seu lugar. Usando como exemplo o tema “viagens” escolhido pelo Ministro, eu mesma cresci achando que viajar não era pra mim. Criada na Baixada Fluminense, na base da bolsa de estudos da escola particular, formada na faculdade também com bolsa porque a empresa onde eu trabalhava cobria 75% do valor das mensalidades, cheguei à vida adulta e profissional achando que nunca teria grana suficiente para viajar, a despeito de ver colegas próximos viajando todo ano nas férias.
Só fui descobrir que podia viajar ao exterior aos 40 anos, quando uma amiga -– que ocupava o mesmo cargo que eu –- planejou uma viagem para Nova Iorque e me mostrou os números dos parcelamentos de passagens e hospedagem e como daria para usar o abono de férias para comprar os dólares que usaríamos por lá. No ano seguinte, usando a mesma tática dos parcelamentos prévios, fiz minha primeira viagem para a Europa. O ponto é: até então, e mesmo ganhando bem, eu acreditava piamente que viajar não era para mim.
Só fui descobrir que podia viajar ao exterior aos 40 anos, quando uma amiga -– que ocupava o mesmo cargo que eu –- planejou uma viagem para Nova Iorque e me mostrou os números dos parcelamentos de passagens e hospedagem e como daria para usar o abono de férias para comprar os dólares que usaríamos por lá. No ano seguinte, usando a mesma tática dos parcelamentos prévios, fiz minha primeira viagem para a Europa. O ponto é: até então, e mesmo ganhando bem, eu acreditava piamente que viajar não era para mim.
O ator Paulo Vieira relatou numa thread no twitter que teve uma baita crise de culpa por estar consumindo itens da Apple em Nova Iorque e que seu lugar não era lá. Bateu a bad que o que ele gastaria podia pagar vários meses de aluguel e que tinham parentes próximos passando necessidades, em situação de trabalho escravo enquanto ele passeava no Central Park. Mesmo tendo trabalhado para receber cada centavo, ele tampouco acreditava que podia estar ali.
E é aí que quero chegar. Essa seria uma bela semana para levantarmos aquela velha e batida hashtag #SomosTodosDomésticas porque é isso que somos. Somos todos as domésticas do Guedes, de seus amigos e seguidores. Eles querem se sentir únicos, especiais e não querem a classe média emergida nos governos anteriores dividindo seus privilégios. Eles têm horror a isso! Quem lembra da Danuza reclamando que ricos já haviam perdido o Carnaval, o Maracanã e os fogos na Praia de Copa para os populares e que agora, por R$ 50 mensais, os porteiros também podiam ir para Paris ou Nova Iorque? “Que graça tem?” perguntava a colunista.
Ou alguém já esqueceu da professora da PUC que legendou uma foto em seu feed com “Aeroporto ou rodoviária” referindo-se a uma suposta queda no glamour e no nível social dos frequentadores do aeroporto. Sua indignação foi alvo da empatia de outros professores e até mesmo do reitor da UniRio, mostrando que nem da docência podemos esperar sempre a decência de respeitar o próximo. Dia desses, um jovem senhor comemorava no Facebook que o novo governo estava colocando as “coisas” no lugar pois ele havia conseguido empregados (garçons e copeiros) para a sua festa de réveillon sem que eles ousassem pedir um preço exorbitante (diga-se decente) para servi-lo e a seus convidados.
São pessoas que acreditam que contratar é fazer favor e por isso a precificação tem que ser unilateral. Se você quiser exemplos que se atualizam diariamente, pode passar nojinho vendo a timeline do perfil @VagasVNTC no twitter onde praticamente existem provas cabais de que estamos a um passo da volta da escravidão.
Em 2017, João Amoedo escreveu com todas as letras que era a favor do combate à pobreza porém contra a distribuição de renda, seja lá o que isso quer dizer.
Eis aí a nossa elite descarada, sem máscaras. A mesma elite que hoje tenta imputar um tom professoral ao discurso do ministro para tentar justificar o constrangimento inicial. De nada adiantou: o dólar disparou e -– para desespero dos liberais e asseclas acéfalos do governo -– foram necessárias algumas subsequentes intervenções do Banco Central no câmbio para acalmar o Mercado.
Eis aí a nossa elite descarada, sem máscaras. A mesma elite que hoje tenta imputar um tom professoral ao discurso do ministro para tentar justificar o constrangimento inicial. De nada adiantou: o dólar disparou e -– para desespero dos liberais e asseclas acéfalos do governo -– foram necessárias algumas subsequentes intervenções do Banco Central no câmbio para acalmar o Mercado.
Nessa semana, por coincidência ou não, Que Horas Ela Volta estava passando na TV. E rever o filme após todo esse imbróglio do ministro fez com que ele ganhasse todo um novo significado aos meus olhos. Ele deixou de ser apenas sutil e poético para ser visceral na mensagem. Acho que eu não o entendi completamente quando o assisti pela primeira vez. Mas agora vejo porque ele incomodou tanto, demais. A polifonia dos diálogos entre Val e Jéssica -– mãe e filha, empregada e vestibulanda, submissa e enfrentadora -– sobre como cada um descobre o seu lugar, essa noção quase que sobrenatural que nasce com o pobre, segundo a mãe, e quem diz que lugar é esse, onde está escrito, questiona a filha, é uma pérola de Anna Muylaert.
E Dona Bárbara? Essa é o próprio Guedes na tela, com direito à mesma expressão de nojinho de pobre.
E Dona Bárbara? Essa é o próprio Guedes na tela, com direito à mesma expressão de nojinho de pobre.
Que horas a gente volta? Quem a gente pensa que é para querer voltar?
Não conheço nenhuma empregada doméstica que tenha viajado para os EUA ou Europa! Uma vez o escritor Moacir Scliar embarcava para o Rio no aeroporto Salgado Filho, quando uma funcionária da limpeza lhe disse:" Que maravilha você vai para o Rio, como eu gostaria de ir também, mas eu já ficaria feliz se pudesse ir a Floripa!" Quem ganha um salário mínimo só viaja ao exterior, se morar em cidade na fronteira!!
ResponderExcluirE essa ideia de que viagem é uma atividade de luxo é uma estultícia herdada do tempo que as viagens eram de navio.As passagens eram caríssimas. Mas com o avião, os preços caíram progressivamente. Hoje com 1500 dólares dá para ficar um mês na Europa! Na América Latina onde o custo de vida é bem menor se consegue ficar até 4 ou 5 meses. Basta ficar hospedado(a) na casa dos outros pelo Couchsurfing ou Pasporta Servo, que só se gasta com a passagem aérea ou rodoviária e se gasta pouquíssimo em alimentação comprando em supermercado, como fazemos quando estamos em nosso país e nossa casa. Com 1500 dólares ninguém compra um automóvel, mesmo usado!! Já fiz a Europa duas vezes por esse método e também já recebi vários(as) hóspedes em casa. Em 2018 um bilhão e 400 milhões de pessoas viajaram ao exterior.10% desses viajantes eram chineses, o país que mais está fazendo redistribuição de renda no mundo. Os brasileiros são apenas 0,5% do total de viajantes ao exterior. O brasil é o país continental menos visitado no mundo, recebe menos turistas que micropaíses como Cingapura. E com as políticas de austeridade e privatização ultraliberais do Bozo vai diminuir ainda mais o número de brasileiros indo ao exterior e o de estrangeiros vindo ao Brasil.
Essa empregada doméstica aqui viajou para a disney, agora se ela está mentindo e se é fake news, eu já não sei.
ResponderExcluirhttps://paisefilhos.uol.com.br/familia/empregada-domestica-conta-quantia-que-conseguiu-juntar-para-realizar-o-sonho-da-filha-de-conhecer-a-disney/
Eu não sou empregada doméstica e nunca fiz viagem internacional, até hoje só viajei de avião 2x na vida e para apenas 2 cidades do Brasil.