sábado, 5 de outubro de 2019

GUEST POST: GARANTIA DE DIREITOS NÃO É CARIDADE

Nesta segunda publiquei um alerta sobre o perigo dos conselhos tutelares ficarem nas mãos dos evangélicos. Hoje deixo aqui o texto de Adriana Rodrigues, pedagoga e entrevistadora social.
Amanhã é a eleição, e todos que tiverem título de eleitor podem votar. Descubra uma candidata ou candidato que tenha experiência com direitos das crianças e adolescentes e que não represente uma igreja (acredite: elas já estão muito bem representadas). Escreva "CMDCA" e o nome da sua cidade, que deve aparecer os nomes dos candidatos. Peça sugestões nas suas redes sociais, e tente descobrir um pouco do histórico de cada pessoa. Consulte aqui o seu local de votação (no Ceará) ou disque 148 e, amanhã, dedique alguns minutos do seu dia para ir votar.

Amanhã (domingo) acontece em todo o Brasil a escolha dos membros para o CMDCA (Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente). É um processo extremamente importante porque são os conselheiros que possuem a responsabilidade de garantir os direitos das crianças e dos adolescentes.
Na última eleição em 2016, participei como candidata, passei em segundo lugar no geral. Minha dificuldade foi na eleição direta. 
Não tive como concorrer com a pressão das igrejas evangélicas. Como concorrer com a esposa do pastor e outros membros da cúpula das igrejas fundamentalistas? Os candidatos foram nomeados pelos próprios pastores, assim ouvia durante os treinamentos para atuar na função.
Minha carreira na Assistência Social e Educação Infantil é vasta. Possuo quase 25 anos de trabalho na AMAC (Associação Municipal de Apoio Comunitário), uma associação responsável há décadas por toda a área social do município de Juiz de Fora, MG, com ações de garantia de direitos reconhecidas até fora do país. Trabalhei com crianças por 10 anos na Educação Infantil, fui lotada por 6 anos em Casa de Acolhimento Infanto Juvenil e hoje exerço a função de entrevistadora social (cadastrante do Bolsa Família) em um CRAS (Centro de Referência da Assistência Social). 
Conheço profundamente as vulnerabilidades da minha cidade, mas mesmo com tanta experiência e empatia com o outro, no final da eleição para Conselheiro Municipal, o que conta mesmo é a votação. Acredito que no meio dos candidatos do meu grupo não havia ninguém com mais preparo do que eu. Dos que estavam concorrendo, todos eram de igrejas exceto eu e uma educadora social desempregada naquele momento. Um grupo, se não me engano, de 15 pessoas.
Porém, todos os outros durante a entrevista e dinâmica não diziam outra coisa a não ser: "A mão de Deus tocou em mim”, “Deus está no comando”, “O pastor me disse que eu sou quem o Senhor escolheu”. Aquelas palavras me assustavam. Pensei que dali poucos se salvariam e a eleição seria com menos candidatos, talvez não atingiria o mínimo exigido em lei.   
Quando meus filhos e marido me perguntaram como foi, eu respondi: "Acredito que não vai dar para os outros não! Em nenhum momento falavam sobre garantia de direitos, usaram apenas frases bíblicas. Teve momentos que achei que estava em um culto".
Nos dias que se sucederam, qual minha surpresa quando vi a lista dos aprovados -- todos passaram. E então veio a eleição. Fiquei em sétimo lugar numa lista de 15. Não foi ruim para quem não pôde fazer campanha (a direção da associação não me liberou). Fiquei indignada. Era óbvio que as igrejas iriam anunciar seus candidatos no púlpito, afinal, quem iria denunciar? Os próprios fiéis? Claro que não! Não foi uma eleição justa. Amigos me disseram que as igrejas ao lado do local de votação estavam lotadas de fiéis para os cultos de domingo, que saíam do culto e iam direto votar. Uma luta desigual.
A meu ver uma das falhas na seleção de candidatos é aceitar que as experiências em projetos das Paróquias e Evangelização sejam consideradas como um trabalho que garanta direitos das crianças e adolescentes. Sabemos que não são. Uma conselheira que é esposa do pastor de uma igreja fundamentalista provavelmente não conseguirá entender situações de adolescentes e crianças com uma orientação sexual diferente, de uma adolescente com vida sexual ativa e casos como de estupro e exploração. Para a garantia de direitos fundamentais é preciso ter um pensamento laico. No caso dos Conselhos Tutelares deveria existir uma Lei específica como a LDB (lei de diretrizes e bases) que afirma que as escolas públicas devem possuir laicidade.
No Capítulo II do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), art. 16. Dos Direitos à Liberdade, o parágrafo II afirma o direito à opinião e expressão, assim como no parágrafo III que garante o direito à crença ou qualquer religião, ou seja, a criança não é obrigada a ir aos cultos, missas, ou qualquer tipo de ato religioso que a família exija. Mas os Conselheiros “religiosos” conseguirão manter essa garantia sem achar que o adolescente que queira seguir outra linha ou mesmo nenhuma tem que obedecer regiamente papais e mamães? 
Fica difícil garantir a Lei quando o Conselheiro acredita que só Jesus salva, e quando a Ministra (não) defensora dos direitos humanos diz que menino usa azul e menina usa rosa!
Por isso, é tão importante que os Conselhos Tutelares não fiquem com as igrejas. Amanhã, exerça sua cidadania e vote!

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