AS PROVAS DO GOLPE E DA TOTAL PARCIALIDADE DO JUIZ

Ontem à noite o portal de notícias independente The Intercept Br publicou quatro reportagens bombásticas em que mostrava trocas de mensagens entre juízes e procuradores nos últimos anos, em especial entre Sérgio Moro e Deltan Dallagnol (aquele que ficou famoso pelo ridículo powerpoint com a palavra "Lula" no meio). 

Recomendo muito que vocês leiam os quatro longos artigos, se ainda não leram, antes que a justiça nada isenta deste país mande tirá-los do ar ou ordene a prisão do fundador do Intercept, o jornalista americano vencedor do Pulitzer Glenn Greenwald (observem como hoje a direita brasileira voltou a atacar David Miranda, deputado federal do Psol, seu marido. Reaças acham homofobia um meio legítimo para tentar deslegitimar alguém). 

Ah, pra quem acha exagerado insinuar que jornalistas podem ser presos, lembrem-se que vivemos num estado de exceção desde o golpe de 2016. 

Pois é. Agora, mais do que nunca, fica difícil negar que houve um golpe das elites para derrubar um governo democraticamente eleito. As conversas vazadas provam o que o mundo todo já sabia: que foi golpe sim, com o Supremo, com tudo; que Lula foi posto na cadeia para que não voltasse ao poder, já que era amplo favorito (logo, Lula é o maior preso político da atualidade), e que não há nenhum juiz imparcial e muito menos heroico nessa história toda.

Preciso dizer que Bolsonaro não era o candidato dos sonhos da elite? Não era mesmo. Até uma das elites mais provincianas e atrasadas do planeta sabia da mediocridade e incompetência do fascista corrupto. Mas, entre o PT e o pior presidente da história do país, quiçá do mundo, a elite nem piscou em apoiar o segundo. Aí deu no que deu. Aliás, no que está dando -- esse desastre previsível que todo mundo tá vendo. 

O vazamento das mensagens de agora, feito por algum hacker e entregue ao Intercept, e apelidado ontem por uma hashtag como #VazaJato, vem sendo noticiado exaustivamente pela mídia internacional. É um escândalo. Imaginem um procurador trocar detalhes sobre a acusação com o juiz do caso, que deveria ser imparcial. Alertamos para isso faz anos, mas agora há provas. E depois de toda a lambança, esse juiz vira ministro, com promessa para entrar no STF.

Não sei pra vocês, mas pra mim fica claro que a denúncia semana passada de que o celular de Moro havia sido hackeado foi uma tentativa de desacreditar o vazamento das conversas criminosas entre ele e Dallagnol. De algum modo, eles já sabiam o que estava por vir. E o Intercept promete que até agora só vazou uma fração do que recebeu. 

E agora? Num país sério, um escândalo desses derrubaria o governo. Não derrubaria apenas Moro, que se fosse minimamente honesto renunciaria imediatamente e desistiria da ambição de tornar-se ministro do STF. Não derrubaria apenas Bolso, o maior beneficiário da prisão de Lula. Em qualquer país sério, seria questão de cassar a chapa que venceu as eleições das formas mais fraudulentas possíveis: primeiro, impedindo que o principal adversário concorresse, numa tramoia planejada anos atrás (vocês devem lembrar que a comissão de Direitos Humanos da ONU já tinha decidido em 2018 que o Brasil deveria libertar Lula e permitir que ele concorresse às eleições); segundo, através das mais sórdidas fake news, que nunca foram enfrentadas pelo cúmplice STF. 

E agora? Fernando Henrique Cardoso vê o vazamento como "tempestade em copo d'água". Para bolsominions, não muda nada: Lula é um comuna barbudo e perigoso desde que despontou na política brasileira como sindicalista, ainda na década de 70, e Moro é um enviado dos céus para finalmente jogá-lo onde ele merece estar (na cadeia). Os fins justificam os meios, ora. Pra essa gentinha sem ética, Moro é mais super-homem ainda por fazer conluios para criminalizar o PT. Agora sim é que os patos votariam no marreco para presidente! 

Já os procuradores, alarmados com o vazamento, estão gritando "árvore dos frutos envenenados". Ou seja, como as conversas foram hackeadas, seriam provas ilícitas que não podem ser usadas para condenar alguém (no caso, eles mesmos uns juizecos). Acho fascinante como essa teoria dos frutos envenenados serve para mensagens vazadas, mas não para delações premiadas, em que corruptos denunciam gente a rodo para não serem presos. 

Também acho bacana como a perspectiva das coisas muda. Alguns vazamentos são lícitos, outros não. 

Por exemplo, em março de 2016, Moro vazou telefonemas entre Lula e Dilma que ele havia mandado grampear. Aquilo foi considerado meio inconstitucional, e Moro pediu desculpas uma semana depois (pro juiz de Curitiba, pedir desculpas é suficiente pra se livrar de um crime, como ele falou do Caixa 2 do ministro da Casa Civil Onyx Lorenzoni). O estrago já estava feito. Mas agora, olhem só, o cara considera ultrajante que mensagens dele tenham sido divulgadas!

Vamos fazer um pequeno exercício. Vamos imaginar que o mesmo juiz tivesse trocado todas essas mensagens amistosas, feito acordos, dado dicas, não com o lado da acusação, mas com o lado da defesa. Imaginem se Sérgio Moro tivesse feito com os advogados de Lula tudo isso que fez com Dallagnol, e finalmente julgado sem provas, mas com convicção, pela sua absolvição. Não seria um escândalo? 

Agora vamos imaginar, só por um minuto, que tudo isso vinha sido orquestrado há anos para tirar um partido de esquerda do poder e fazer com que a direita voltasse.

Vamos imaginar que juízes e procuradores iriam às últimas consequências para impedir que um ex-presidente fosse candidato nas eleições e que ele falasse. Vamos imaginar que logo depois que a direita voltasse ao poder, o novo presidente anunciasse que iria recompensar com uma nomeação de super ministro o juiz que proibiu o favorito de concorrer. Vamos imaginar também que, poucos meses depois, o presidente revelasse que tinha um "compromisso" com o juiz, agora ministro, para que a próxima vaga do STF fosse preenchida por ele. Não seria um escândalo?

Mas talvez não seja nada de mais mesmo, talvez seja só eu que me escandalizo à toda. É que sou da época em que um juiz não podia ajudar um dos lados. Pelo jeito, sou um dinossauro.

Bom, independente do que acontecer, a semana começou fervendo e promete ser maravilhosa. Começa com o vazamento de conversas comprometedoras e vai terminar com uma mega baita super duper greve geral na sexta, dia 14. Espero que o desgoverno Bolso não sobreviva. Mas, neste Brasil, qualquer coisa pode acontecer -- como, por exemplo, nada. Seria só mais um escândalo ignorado numa longa lista de inúmeros escândalos que acabam em pizza.