Perdão pela ignorância, mas eu nunca tinha ouvido falar de Roberto Caldas até ontem. Aliás, quando ouvi, pensei que se tratava de um cantor mexicano. Mas não, é um juiz brasileiro. Acusado de agredir a ex-esposa.
A direita está dando grande destaque ao caso porque Caldas seria um juiz e advogado "ligado ao PT". Defensor de causas trabalhistas, sua firma de advocacia foi responsável por ganhar uma ação bilionária contra a empresa Eternit, que indenizou cerca de 10 mil trabalhadores contaminados pela exposição prolongada ao amianto (pra direita, processar empresa é uma enorme sacanagem contra o capitalismo). Além disso, Caldas foi indicado por Dilma para ser integrante da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Foi inclusive sondado para ser ministro do Supremo Tribunal Federal.
Na semana passada, a revista Veja publicou uma reportagem com denúncias de sua ex-mulher, a universitária Michella Marys, que o acusa de tê-la empurrado escada abaixo em outubro do ano passado. Ela e Caldas foram casados durante treze anos. Nos últimos seis, Michella gravou com seu celular dezenas de agressões. Numa delas, feita dentro de um carro, ouve-se um barulho e, em seguida, a voz de Michella, dizendo "Ai! Credo, doeu!"
São gravações terríveis, que mostram o inferno rotineiro vivido por Michella. Ela era chamada por ele de "cachorra", "vagabunda", "safada", "mentirosa", "bandida", "víbora", "idiota", "burra", "vaca", "gorda", "folgada", "filha da p*ta", muitas vezes em frente dos filhos e das empregadas do casal. "Você não vai ver nem cor de filho", ameaça Caldas numa das vezes em que disse que iria se separar. Em outra, ele humilha o filho pequeno por precisar emagrecer e estar comendo macarrão. Xinga e culpa Michella por não instruir as empregadas a não fazer massa. "Se sua mãe quer ser gorda, deixa ela".
Muitas das gravações podem ser ouvidas aqui (o site Metrópoles, que não é de direita, vem fazendo uma excelente cobertura). É de ouvir e se revoltar. Como um cara pode tratar assim sua esposa? Como um homem que usa cotidianamente termos como "vagabunda" e "cachorra" para se dirigir à mulher pode ser juiz da Corte Interamericana de Direitos Humanos? (ele se licenciou do cargo após as denúncias virem à tona).
Metrópoles diz que Caldas tinha duas vidas: numa, a pública, ele atuava como defensor de direitos humanos. Noutra, a doméstica, ele violava todos os direitos humanos possíveis ao ser violento com a esposa. Numa vida, ele era amigo de políticos do PT e de sindicalistas e não ostentava sua riqueza. Noutra, ele vivia numa mansão em Brasília avaliada em 50 milhões de reais (a casa estava anunciada para ser alugada. Valor do aluguel: 100 mil reais por mês, quase um triplex no Guarujá!). E, mesmo tão rico, ele xingava Michella por ter que sustentá-la e pela lâmpada não econômica que ela tinha escolhido para um banheiro.
A situação de Caldas se complica cada vez mais: duas mulheres que trabalharam na casa do casal durante anos como babás o acusam de assédio sexual. Uma delas, Giselle, contou: "O meu patrão forçava a barra tentando me agarrar, ter algo a mais. Sempre fui administrando, porque precisava do trabalho". Uma vez Giselle interferiu quando Caldas tentava arrastar a esposa para fora da casa. "Até então, eu não sabia dessa agressão física, para mim era só nas palavras. Isso me deixou muito chocada, muito abalada. Inclusive por isso, depois de ficar calada por tantos anos, decidi falar", relatou.
Ontem várias mulheres e feministas lançaram no Twitter a tag #elenaotinhaodireito. Isso porque Michella respondeu um questionário (para garantir medidas protetivas na Justiça) em que ela marcou um "x" na pergunta "O autor já obrigou você a fazer sexo ou praticar atos sexuais sem sua vontade?". Ela anotou à mão: "eu dormindo já me acordava com penetração". Ao ser entrevistada pelo Globo, disse que na época não sabia que aquilo era estupro.
O advogado Antonio Carlos de Almeida Castro (apelido Kakay) defendeu o amigo e cliente Caldas com uma declaração desastrosa: "Para mim isso está longe de qualquer definição de estupro. [...] Quem já foi casado razoavelmente sabe que não é estupro. Eu acho que sinceramente é forçar a barra" (depois da repercussão a sua fala e das novas acusações, "Kakay" largou a defesa de Caldas).
Recebo vários emails de leitoras casadas com quem os maridos "transam" enquanto elas estão dormindo. Elas perguntam sempre: "Foi estupro?" E eu respondo que sim. Muita gente ainda pensa que a mulher, ao casar, consente que o marido faça sexo com ela a qualquer hora e lugar e de qualquer jeito. Não é verdade! Infelizmente, estupro marital só é crime em 52 dos 193 países no mundo (no Brasil, é). Só foi reconhecido como violação de direitos humanos pela ONU em 1993. Nas últimas décadas, felizmente, mudou o conceito de estupro. Antes era visto como um crime contra a honra -- não a honra da mulher, mas a do" dono" da mulher, o marido. Era um dano a sua propriedade. Só no século 20 estupro veio a ser visto como uma violação ao corpo da mulher.
Ou seja... toda sororidade a Michella! Fico feliz que ela conseguiu sair do relacionamento extremamente abusivo com Caldas. E espero de coração que Caldas seja punido.
Como a direita está reagindo a esse escândalo? Fazendo um carnaval, lógico, cobrando, só pra variar, "Cadê as feministas?! "Eles não estão nem aí com Michella.
O que importa é que Caldas foi indicado à Corte Interamericana de Direitos Humanos por Dilma. Ele tem uma foto com Maria do Rosário, que foi ministra da Secretaria de DH (e que já se posicionou a favor de Michella), então isso basta para associá-lo ao mal. Sem falar que reaças odeiam direitos humanos. Atacar a Corte Interamericana (eles veem isso como parte de uma conspiração globalista) é um sonho pra eles.
Já a esquerda... Eu vi uma manchete um tanto dúbia do DCM ("Ele dizia que eu despertava conduta agressiva nele", diz ex-mulher de juiz Roberto Caldas). Mas o pior foi Luis Nassif, que viu "indecência" não no tratamento de Caldas a Michella, mas na "divulgação de brigas de casal". Tratar violência doméstica como "briga de casal" já é um problemão. Assumir que gravar as agressões foi um recurso de Michella para "chantagear o marido para obter um bom acordo de separação" é outro. Dizer que "não se trata de machismo ou feminismo" mostra que Nassif não aprendeu muito desde que publicou guest post de um leitor que chamava feministas de feminazis.
As gravações de Michella não mostram manipulação. Elas provam como as agressões que sofria eram frequentes, não casos isolados. Se mesmo com essas gravações já vem gente dizer "não é bem assim" e duvidar dela, imagina sem! Mas é o de sempre, né? Sempre duvidam das mulheres, sempre nos condenam! Se não denunciamos, estamos erradas. Se denunciamos, estamos lavando roupa suja em público e expondo as crianças (os filhos do casal).
Caldas ganhando prêmio |
Quando algumas moças denunciaram um professor, postando prints, duvidaram dos prints. Advogadxs as criticaram e disseram que elas deveriam ter processado o cara, em vez de escrachá-lo. Aí ele as processou e ganhou. Agora ele processa também uma das blogueiras (euzinha) que deu voz às vítimas (mesmo que eu não tenha citado o nome do professor, ele pede 300 mil de indenização).
Escolham melhor o lado que apoiam, ô blogueiros de esquerda! Quanto aos reaças, vocês já assinaram e carimbaram atestado de misóginos faz tempo.
Querida Lola,só soube recentemente das denuncias desse juiz. Realmente asqueroso!E achava Kakay um bom advogado,mas depois dessa ele desceu no meu conceito. Como alguém pode consentir algo se está dormindo? O fato de um advogado achar que isso não é estupro dá raiva. Realmente, a cultura do estupro continua forte nas mentes :( E espero que você no final não tenha que pagar nada para esse professor canalha,pois ele não é vitima nessa história! Ele continua rico,professor respeitado,mesmo depois das denuncias. Abraços querida e boa semana ♥♥♥
ResponderExcluirNo patriarcado é muito mais fácil para os homens receberem simpatia por cometerem crimes -- especialmente crimes contra mulheres -- do que as mulheres por terem sido vítimas de crimes dos homens.
ResponderExcluirÉ muito triste ver que alguns só veem o fato narrado como delituoso por ele ser uma pessoa ligada a esquerda, e por outro pessoas que se dizem de esquerda o apoiarem por essa mesma identidade.
ResponderExcluirCanhoto militante profissional que passa a vida simulando virtude? Nada de novo sob o Sol.
ResponderExcluirForça para Michella e para as moças, e para os filhos que com certeza sofreram na mão de um pai tão violento e babaca. Só pra provar que é exatamente como eu disse antes: na hora em que um agressor/estuprador/feminicida é enquadrado não existe esquerda nem direita, cristianismo nem islamismo (e nem outras religiões), comunismo nem capitalismo, conservadorismo ou progressismo, todos viram os maiores parças. A prioridade é proteger o abusador desmascarado pra não ser o próximo.
ResponderExcluirMachos de direita e machos de esquerda deviam dar as mãos logo e irem juntos arder no quinto dos infernos!!!
ResponderExcluirPois é, disse isso quando a ex do Marcelo Freixo denunciou ele: o feminismo não tem nada que apoiar Partido ou moimento de esquerda, eles são "progressistas" com as mulheres quando serve aos seu interesses, se os seus interesses não se alinham é o movimento pra cá e as mulheres que se fodam.
ResponderExcluirQue horror! Todo o apoio para essa mulher tão corajosa.
ResponderExcluira Corte Interamericana não é da ONU, é da OEA
ResponderExcluirObrigada, anon das 21h. Foi mal, já corrigi.
ResponderExcluir...com esta situação a gente percebe que a violência contra a mulher pode abater todas as classes sociais. No caso do esposo não basta defender direitos humanos é preciso praticar, unir discurso com ação, num discurso-ação.
ResponderExcluirA vida dele não vai mudar muito, primeiro que ele é branco, tem dinheiro, daqui a pouco será esquecido e pronto, continuará vivendo bem com outra mulher, essa é a realidade, triste, mas é.
ResponderExcluirNassif e o DCM são assim. Uma parcela da esquerda é muito ingênua. A outra é muito esperta e se interessa apenas por seus interesses mais mesquinhos.
ResponderExcluir"Quando algumas moças denunciaram um professor, postando prints, duvidaram dos prints. Advogadxs as criticaram e disseram que elas deveriam ter processado o cara, em vez de escrachá-lo. Aí ele as processou e ganhou. Agora ele processa também uma das blogueiras (euzinha) que deu voz às vítimas (mesmo que eu não tenha citado o nome do professor, ele pede 300 mil de indenização). "
ResponderExcluirDeixa eu explicar como funciona a vida ideal:
1. alguém lhe causa um grande mal e esse grande mal é um crime descrito em lei (por isso que é crime, só é crime o que a lei diz que é)
2. você comunica o fato à autoridade policial (B.O) e arruma um advogado para acompanhar o caso
3. dependendo da natureza do mal, é você quem tem que dar início a um processo ou autorizar que esse processo aconteça, porque ele não vai ser movido sozinho
4. o processo ocorre e tramita até o final, seja final-final ou acordo entre as partes
Mas como as pessoas fazem na vida real?
1. alguém supostamente lhe causa um grande mal, que pode ou não ser crime
2. a pessoa não faz nada ou, se faz, é apenas um ou mais B.Os sem dar qualquer seguimento judicial
3. se a coisa foi um crime, existe um prazo, dado pela lei, para que o ofendido tome as providências judiciais. Pode ser um prazo de meses ou de anos mas é um prazo bem definido e um dia depois ADEUS, perdeu o direito de tomar essa providência
4. se a coisa não foi um crime, o suposto ofendido nada faz porque nada há para ser feito
5. o tempo passa e essa pessoa, sem amparo legal nenhum, decide "expor" o suposto agressor
6. como ela não tem amparo legal seja porque o fato não é crime ou porque ela perdeu o prazo de dar início às providências judiciais, quem passa a cometer um crime é ela (geralmente difamação, injúria ou calúnia, nessa ordem)
7. o suposto agressor, que agora é um agredido, imediatamente procura um advogado e recebe a orientação de processar esse alguém
8. a pessoa, amparada legalmente, orientada juridicamente e dentro do prazo, processa e ganha.
Por conta do que as pessoas fazem na vida real é que tem estuprador recebendo indenização de danos morais de estuprada, tem agressor recebendo danos morais de agredida, tem vítima pagando indenização para seu algoz.
Então, por favor, comecem a fazer diferente se quiserem estar do lado amparado pela lei. Jogar tudo no "tribunal da internet" só é bom para o estuprador não denunciado a tempo, para o algoz não denunciado a tempo, para o agressor não denunciado a tempo. Ou seja, pra todo mundo, menos para a vítima original que, sem razão, passa a cometer um crime também e se processada, tem 100% de chance de perder o processo.
E nessa hora que você começa a se questionar qual, afinal, o interesse na vítima em ficar se revitimizando. Desleixo ou caso pensado? Jamais saberemos mas para a justiça, tanto faz.
Eu gosto de omeletes no café da manhã.
ResponderExcluirEsquerdo macho típico. A verdade é que o feminismo precisou 'arrancar' com pé de cabra o espaço para questões de gênero na esquerda (coisa que ainda não fizemos na direita), mas adesão discursiva nunca assegurou comprometimento de prática.
ResponderExcluirCasos como esse, com esse nível escabroso de violência doméstica, infelizmente não são únicos na esquerda. Fecho com o pensamento radical feminista: ser homem é também uma posição de poder e dominação, 'só' depende do sujeito querer ser violento, e ele o será por tempo suficiente para humilhar, agredir, estuprar ou matar qualquer mulher que esteja próxima o suficiente.
E ainda tem o papinho: mas os homens da esquerda são diferentes dos homens da direita. É, realmente, para questões de classe são. Para dominação de gênero, para ser agente de violência contra a mulher, ambos ocupam a mesma posição de poder.
Anônimo das 07:19 deixa eu te contar uma coisa da vida real: O sistema judicial foi construído sem a participação das mulheres. Nossas dores, a defesa dos nossos direitos, nunca forma considerados como relevantes para às regras fundantes da justiça.
ResponderExcluirQualquer agressor tem mais chances de processar a vítima e vencer, do que qualquer vítima mulher tem de processar seu agressor.
E tome passada de pano para o estuprador nojento que é o professor pinto, tá de parabéns o seu argumento, especialmente a parte que diz que toda vítima deve se 'conformar' quando a justiça não dá prosseguimento na investigação de uma denúncia, especialmente no Brasil, onde 90% das denúncias de violência sexual jamais são investigadas até o fim. E louvar a injustiça, se for para defender um maldito estuprador, como justiça serve muito para machista. Para mim, não serve.
São dois casos emblemáticos, muitos que vi silenciando ou apoiando estiveram do mesmo lado nos dois casos, no primeiro diziam que não tinham provas ou elas eram frágeis, agora reclamam da esposa ter feito colheita de provas, qual é a atitude não do agressor, mas quem defende? Esta do meu lado vale até teve uma pérola de um pós em direitos humanos que ele era contra a burguesia então a atitude deveria ser vista desse angulo; agora que é apenas uma briga de casal.
ResponderExcluirAs defesas mais demonstram a verdadeira agenda de parte da sociedade, não são as bandeiras já que são pisadas facilmente no apoio a um igual, e fico me perguntando o quanto a sociedade mudou em termos de mentalidade nos últimos 20 anos até pela frase do KaKay.
Lola,você está sendo processada por aquele post sobre o professor assediador da UFF?
ResponderExcluirA maioria dos homens de esquerda é liberal da boca pra fora e super machista da porta pra dentro. Inimigos na trincheira, a decepção que mais dói. E Nassif foi um dos mais ferrenhos opositores da Dilma, um misógino total.
ResponderExcluirNão, anon das 21:43. É por um caso de 2014. Outro professor, outra universidade.
ResponderExcluirO site Metrópoloes é fascistíssimo. Talvez você tenha dado apenas uma espiadinha e gostou de algo que leu. Há um ou outro colunista progressista. Mas quem é de Brasília e confere todos os dias percebe bem o alinhamento do portal. O dono é Luis Estévão, preso atualmente na Papuda.
ResponderExcluir"Machos de direita e machos de esquerda deviam dar as mãos logo e irem juntos arder no quinto dos infernos!!!"
ResponderExcluirBem, tirando o "machos" (porque esses caras não machos nem na Venezuela, são é uns bichos violentos sem moral), ficou perfeito.
Mascu é uma raça sem moral nem pudor, seja em qualquer ideologia (Maduro e os malucos do DOPS que o digam). Não são dignos de serem chamados de homem.
São machos sim, "Gintoki Sakata".
ResponderExcluirSerem "bichos violentos sem moral" não exclui muito menos nega o fato deles serem machos. Todos são homens, quer você queira admitir isso ou não ("Não são dignos de serem chamados de homem").