São experiências assim que fazem o trabalhão de manter um blog feminista durante uma década valer a pena! Esses dias recebi um email da L.:
"Obrigada por manter o seu blog tão maravilhoso! Depois de muito ler o seu blog e me inspirar com a sua história feminista e de luta (e de muitas e muitas mulheres), mandei a carta abaixo a minha mãe (com a qual eu não falava há anos!). Depois de ler essa carta, retomamos nosso contato de mãe e filha, mas, mais ainda, nosso contato e relacionamento entre mulheres independentes e destemidas.
Graças ao seu blog, consegui me colocar no lugar da minha mãe, sem julgar, e tentar entender tudo que ela passou (em 20 anos de relacionamento abusivo com meu pai) e o que a levou a tomar as atitudes que tomou. Enfim, sinto que você é uma pessoa muito importante na minha vida sem mesmo te conhecer. E escrevo apenas para te dizer: obrigada!"
Esta foi a carta que L. mandou para sua mãe:
Mãe,
Que saudade de te chamar de mãe. Saudade de você. Do seu carinho e amor de mãe. Saudade da nossa convivência. Das nossas conversas, risadas e até das discussões. Saudade dos seus conselhos, ensinamentos e de tudo que você me passou por palavras ou por exemplos.
Eu tenho muito de você. Sou muito, muito grata a tudo que você me deu. Não só a vida, claro, mas tudo. Cada ação, cada decisão que tomei e tomo na vida são embasadas por ti. Pela autonomia, pelo senso de responsabilidade, pela autoconfiança, pelo bom senso e pelos valores que você me passou. Tenho muito orgulho da mulher adulta que sou hoje e devo tudo a ti.
Daqui a exatamente uma semana, eu vou defender meu Doutorado em Ciências. Cinco anos e meio de graduação em Química e mais cinco anos e meio de Doutorado. Uma jornada que se finaliza em uma semana. E por isso eu gostaria de te contar. E também te agradecer. Agradecer pelo apoio durante a escola, as Olimpíadas, as aulas de inglês... Meu Deus, se eu tivesse maturidade suficiente para entender na época o quanto você se desdobrava por mim (por nós, na verdade), eu te agradeceria imensamente todos os dias. Eu te ajudaria mais. Eu teria sido mais amável. Mais grata. Eu não conseguia (e até hoje não consigo) entender de onde vinha tanto amor. Obrigada.
Eu converso com minhas amigas mais próximas e elas invejam a mãe que você foi e o nosso relacionamento mãe/ filha. Obrigada por nunca ter me dito “não” sem explicação. Por nunca ter me dito para casar virgem ou para não fazer sexo. Por nunca ter me feito odiar o meu corpo. Por ter tratado de menstruação, beijos, sexo, vagina, pênis... com muita naturalidade. Por nunca me reprimir. Por nunca me calar.
Hoje, como mulher adulta e feminista, percebo o quanto você garantiu que eu mantivesse a minha autonomia, autoestima e me meu valor como mulher, com total poder sobre minhas decisões e escolhas, mesmo que nem sempre sejam as melhores... Mas você sempre me permitiu errar e falhar também. Muito, muito obrigada. Eu vejo tantas mulheres adultas que odeiam a si mesmas, ou que se metem em péssimos relacionamentos, ou infelizes, mal informadas, cheias de culpas, medos e tabus. Mas você me criou para ser independente, destemida, responsável e feliz. E por isso eu sou muito grata a você.
Eu tenho muita admiração por você. Sua coragem de ter terminado um relacionamento tão ruim, quando todos te diziam para você seguir nele. Sua coragem em não se calar. Em recomeçar. Em estudar e trabalhar. Sua coragem é a maior que já vi e me causa muita admiração, e me inspira. Eu espero que você esteja feliz no seu trabalho, na sua vida pessoal, com suas amigas, com você. Nem espero que você esteja em um relacionamento amoroso, porque do jeito que os homens são uns inúteis, eu te desejo é tranquilidade (risos). Eu desejo que você esteja feliz com sua vida e decisões.
Eu e os mais chegados da família te amamos muito e sentimos muito a sua falta. Eu gostaria muito que você retomasse o nosso contato. Te mando essa carta (e também por e-mail e Facebook) como uma tentativa de reaproximação. Até hoje não consigo entender perfeitamente o que nos levou a essa situação. Mas proponho que tentemos resolver. Por favor, responda essa carta. Eu gostaria muito de ouvir de você sobre essa situação nossa e também de saber como você está.
Torço para que você esteja bem e feliz. Torço também para que um dia possamos nos ver e nos amar outra vez.
Para finalizar, um poema que me remete a você (e que está na epígrafe da minha tese):
O que levarei na mala
Senão a minha nudez
A esperança de encontrar-te
Ao menos uma vez
Para dizer-te: vou a marte
Amar-te foi o mais belo
Que podia acontecer-me.” Líria Porto
Muita saudade. Te amo. L.
Que lindo texto. Deve ser muito emocionante receber emails de agradecimento de pessoas que melhoraram em algum aspecto graças ao seu blog. Tenho certeza que existem muitas e muitas pessoas (na maior parte mulheres) que foram ajudadas por você e pelo seu trabalho incansável, Lola.
ResponderExcluirEu sou uma que me sinto imensamente grata a você. Graças ao seu blog conheci o feminismo, e comecei a entender de maneira diferente varias coisas da minha vida. Me perdoei por alguns episódios tristes pelos quais passei, entendi melhor certas atitudes dos meus pais, passando a enxergá-los também como vítimas do machismo e não algozes, rompi com um casamento que não me fazia feliz (mas que eu sentia uma enorme culpa em querer largar porque "ele era um bom marido", só nao ajudava em casa pq homem é assim mesmo), mudei muitos pontos de vista.
Hoje sou uma mulher muito mais forte, muito mais consciente, muito mais realizada. Tenho um relacionamento fantástico com um marido que me trata como igual, e me valoriza não como mulher, mas como pessoa. Sei meu valor e não admito que ninguém me trate de forma diferente do que eu mereço.
Graças a você.
Obrigada. <3
Mais uma filha de um homem opressor, malvado, assassino e estuprador.
ResponderExcluirPobre vítima.
Lindo post! *-*
ResponderExcluir"A destruição do tecido social é antes de tudo a destruição da relação mãe-filha, sendo esse o sustendo de toda a urdidura humana, e compreender isso é compreender que essa má relação mãe-filha é a interiorização básica, e mais profundamente arraigada dentro do sistema..." Casilda Rodrigañez Bustos
ResponderExcluirQue lindo o teu gesto, humilde, corajoso, sensível, altruísta, sensato. Já tive muitos problemas com minha mãe, e muito embora eu não tenha sido tão explícita quanto você, também aprendi a ter mais empatia por ela, isso me trouxe uma grande paz, tenho certeza que trará pra você tb
ResponderExcluirFabi
O Amor tem o poder da Transmutação!
ResponderExcluirA própria Lola cria posts para movimentar o blog.
ResponderExcluirLola: você muda vidas, para muito melhor!!! Tomara consiga levar o blog adiante por muitas décadas! (vou ajudar mais, contribuindo com $)
ResponderExcluirTema do post: há um filme muito forte que trata de uma experiência terrível, mais uma vez fruto de crimes praticados por homens de quem se espera cuidado (pai/padrasto) e muito bom, como obra cinematográfica, que é "Volver" (2006, direção Pedro Almodóvar).
Kasturba: as aspas não seriam até o "assim mesmo", no trecho "(mas que eu sentia uma enorme culpa em querer largar porque "ele era um bom marido, só nao ajudava em casa pq homem é assim mesmo")? -- já alterando. Porque esse discurso patriarcal de que seria natural homens não fazerem a SUA parte (dele) nos cuidados com a casa de que ele usufrui, as roupas que ele usa etc.. e a expressão "ajuda", aplicada a quando realiza uma parte de sua obrigação (dele) é muito comum, não? E, imagino, fez parte dos desrespeitos que o agora ex deve ter exercitado...
Sim, verdade. A segunda parte também está incluída nas aspas.
ExcluirAspas essas que significam o que eu mesma pensava, e o que ouvia de muita gente, principalmente da minha mãe.
Em outro post do blog, uma vez comentei sobre esse meu ex marido, e alguém comentou que mulher sempre é vista como vítima e tem o apoio de todo mundo quando passa por um divórcio... No meu caso não foi assim. A princípio eu não tinha um "motivo real" pra separar (segundo muita gente, incluindo ele, a família dele, e minha mãe), pois ele era um cara muito gente boa, trabalhador, não me batia, não me traía (pelo menos não que eu saiba)...
O fato de eu me sentir sobrecarregada com todas as obrigações domésticas além do meu emprego (que era, veja bem, exatamente o mesmo que o dele), de me sentir incompreendida por tentar explicar isso pra ele de infinitas formas e ele ignorar (ele realmente não ouvia o que eu falava!) e não mudar seu comportamento, de ele sempre achar que minhas reclamações eram "frescura e exagero de mulher" e de como isso realmente me deixava triste e não realizada com a relação, não eram motivos suficientes para eu querer me separar de um homem tão bom (segundo essas pessoas).
Quando eu me convenci que era isso mesmo que eu queria (me separar), ainda passei um ano casada (dormindo juntos mas sem intimidade, depois em quartos separados, fui um tempo pra casa de umas amigas), tentando tomar coragem. Minha mãe sempre que podia me dizia como eu estava sendo egoísta e uma mulher horrível, fazendo um homem tão bom sofrer. Como eu era uma megera, e que ele não merecia isso. Fazendo mil discursos religiosos e chantagens emocionais...
Porque, segundo ela (e outras pessoas) se o marido está "cumprindo com suas obrigações" - que são basicamente ganhar dinheiro, não bater e não trair (ou pelo menos ser discreto ao trair) - então a mulher tem que estar mais do que satisfeita de ter conseguido essa "sorte grande".
Que texto lindo. Vi muito da minha mãe nele. Minha mãe me fez ser uma mulher que se ama, que sempre confiou em mim, mas deu limites. Nunca me proibiu de namorar, transar ,viver.
ResponderExcluirAcho que nunca tinha me dado conta de maneira tão clara que o que sou, o que tenhi, é graça a minha mae.
Obrigada, mae
Yara
É isso aí mesmo, tem coisas que a gente só entende depois que abre os olhos pra algumas verdades da vida, inclusive o quanto somos esmagadas e agredidas pelo sistema apenas por sermos mulheres. Que bom que a L. teve uma mãe maravilhosa e pôde enfim entender tudo pelo que a mãe passou e como isso se refletiu na relação delas. Também compreendi melhor os meus pais quando conheci o feminismo, quando vi como o machismo moldou os dois e a relação deles conosco, quando vi o quanto eles também foram vítimas. Aproveite a nova relação com sua mãe, L., vocês merecem. Com tanta gente botando filho no mundo apenas pra ganhar troféu Joinha da sociedade, prêmio de Procriador Mega Platinum ou Parideira de Ouro e depois largando na frente da TV ou no colo de uma babá explorada, é ótimo ver histórias de quem está realmente disposto a dar o seu melhor pelo filho/filha.
ResponderExcluirVc diz que dá um trabalhão, mas veja o número de comentários e considere se vale a pena. Ninguém liga.
ResponderExcluirFecha o blog vai. Já é teimosia sua isso.
Lola, esse blog é muito parcial: Só apóia as idéias radfems, enquanto nós, as verdadeiras feministas, somos mal tratadas aqui e ignoradas. Vc deveria fazer algo a respeito, ao invés de se comportar como uma radfem.
ResponderExcluirUma boa notícia:
ResponderExcluirhttps://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/cidades/2018/05/10/interna_cidadesdf,679704/brasiliense-que-planejou-ataque-a-festa-da-unb-volta-a-ser-preso.shtml
Lola, olha isso.
ResponderExcluirhttps://g1.globo.com/pr/parana/noticia/pf-faz-operacao-contra-crimes-de-racismo-ameaca-e-incitacao-e-terrorismo-praticados-na-internet.ghtml
O marmelo foi preso de novo.
Quem tem medo das feministas radicais é misógino.
ResponderExcluirPonto final.
Marmelo foi em cana? UHUHUUUUUU!
ResponderExcluir*Joga confetes e faz dancinha da vitória*
Bem feito. Já tá indo tarde.
Agora vou só sentar e me regozijar com os choros e mimimis dos outros bostinhas que estão se borrando todos de medo, esperando a vez deles de ir em cana.
*Pega pipoca*
A Lola não mantém o Escreva, Lola, Escreva somente por causa dos comentários, troll, se enxerga! Ela vai continuar com o blog enquanto ela quiser, não é um comentarista idiota quem vai dizer quando ela tem que parar. Não tá gostando? Se manca e cai fora! Quem você tá achando que é? Para de visitar o blog se te incomoda tanto, prometo que sua ausência não vai fazer falta nenhuma.
ResponderExcluirFiquei muito tocada com esse texto. Realmente, o feminismo expande nossos horizontes, nos faz olhar para as outras mulheres (e pro mundo em geral, mas em especial mulheres) com mais empatia e compaixão. Antes de ser de esquerda e vegana, fui feminista (e, claro, sou até hoje), e acredito que esse movimento me levou a desejar justiça social para todos, a reconhecer privilégios e opressões e a querer lutar para que tais opressões acabem. Você, Lola, teve um papel muito importante na minha vida também, acredito que muito do que me orgulho de ser hoje devo a você, que com seu blog me abriu a mente e me levou a buscar sempre ser uma pessoa melhor. Você é uma pessoa maravilhosa. Obrigada!
ResponderExcluirE, para a autora do texto, parabéns pela coragem de tomar a iniciativa da reaproximação, imagino que não deva ter sido fácil todo o caminho trilhado pra chegar até esse momento. Que você e sua mãe sejam muito felizes! Beijos!
para te agradecer a inclusão de um poema meu na tua tese! gracias! grande abraço! a guidi vieira me falou a respeito, vim ver! agora vou ler o que escreveste! besos!
ResponderExcluirPoxa são lindos, queria muito encontrar um assim mais com uma mãe e 4 filhas, mais não encontrei.
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