GAME OVER PARA MARCO FELICIANO

Um olhar que vale mais do que mil palavras

O caso de acusação de assédio e estupro contra Marco Feliciano segue confuso, mas já há algumas definições.

Primeiro, P. (que até agora não sei se é jornalista ou estudante de jornalismo -- há diferença), que havia gravado dois vídeos desmentindo as próprias acusações que fez ao UOL e ao seu ex-professor, voltou atrás. Disse que foi ameaçada de morte e teve que gravar os vídeos, e na sexta foi à delegacia em SP registrar BO contra Feliciano.

O chefe de gabinete do deputado, Talma Bauer, foi detido, acusado de cárcere privado. Como relata o professor da UnB Hugo Studart, que foi o primeiro, junto com o colunista do UOL Leandro Mazzini (que volto a parabenizar pela coragem e transparência com está cobrindo o caso), a falar sobre o caso:

Interessante isso que Feliciano e seu assessor estavam dispostos a divulgar um "mal menor": adultério, e não tentativa de estupro.

Studart também discorre sobre como a grande mídia vem tratando o caso, no que concordo -- com cautela demais. Os jornalistas tinham que ir atrás e fazer jornalismo investigativo, e não foram nem fizeram. Studart conclui: "Resta comprovado que ela [Patrícia] tem fortes traços de pilantra. Mas não é ela a autoridade política em questão e sim o Feliciano".

Bauer foi dispensado depois. Agora ele está livre e solto no Twitter para responder com mensagens meio ameaçadoras a ativistas que lhe mandam mensagens (como esta ao lado).
Uma testemunha, um amigo de P., afirmou que Bauer deu 20 mil reais a P. para que gravasse o vídeo a favor de Feliciano. Há um vídeo, ainda não divulgado, com essa negociação financeira.

Feliciano divulgou um vídeo ontem em que ele, de mãos dadas com a esposa, que entra muda e sai calada (se bem que seus olhos são bem eloquentes), se diz vítima de uma armação, mas afirma que perdoa a moça, e que confia na justiça dos homens (a gente sabe a quem esse termo genérico se refere) e na justiça divina.

O maior cinismo é jurar que não sabe nada sobre o que seu chefe de gabinete está fazendo e que não tem falado com ele. Isso é ridículo. Até parece que Bauer iria se mexer sem conversar com seu patrão. E Bauer tem se mexido bastante...
Segundo o colunista do UOL, P. registrou no boletim de ocorrência que Feliciano usou uma faca para levá-la à força para o quarto. Ela não diz que foi estuprada (como havia dito no áudio com Bauer, em que declarou que ela e Feliciano fizeram "sexo não consensual"), e sim que se aproveitou de um descuido dele para fugir da cama e gritar. Foi aí que foi salva pela vizinha que tocou a campainha para perguntar se estava tudo bem. P. fez exame de corpo de delito para comprovar a mancha que ainda tem na perna.

Enquanto isso, os sites reaças se encarregam de tentar queimar a reputação de P. 

Um blog religioso já dedicou dois posts a P., um dizendo que ela havia acusado um "youtuber" (reaça) de estupro, e outro agora, em plena defesa de Feliciano. Uma leitora me enviou um email avisando: "Várias personalidades de direita famosinhas na internet não gostam muito da Patrícia, ela é considerada oportunista como a Inverno e até a chamam de 'Sara Inverno sem aborto' (inclusive até essa história começar elas eram super amigas; Sara ainda não se pronunciou)".

Porém, ao contrário de Sara, que sempre foi de direita mas passou por um período "feminista" (ou no Femen, que nunca se disse feminista, mas sextremista ou neofeminista, whatever that means), 

P. sempre foi anti-feminista, reaça e fundamentalista cristã. Por isso é tão esquisito ver outros reaças dizendo que o escândalo é uma armação da esquerda, ou que P. era uma feminista infiltrada no PSC (partido de Feliciano, Pastor Everaldo, Bolsonaro e Sara -- ouvi falar que a psicóloga homofóbica Marisa Lobo migrou pro Solidariedade).

Comentaristas
desconfiam dos
prints que reaças
dizem ser de P.

Segundo um post sobre P. no blog cristão, Feliciano nem sabia que ela existia, até que ela passou a dar em cima dele (ha ha, já ouvimos essa história antes). Ela contou a história do seu estupro quando tinha 15 anos, e pediu que Feliciano a colocasse em contato com a psicóloga Marisa. Como se fosse uma adolescente, e não uma moça de 22 anos, também pediu que ele intervisse para que ela se aproximasse de um tal de Tiago, do PSC do Paraná.

Aí P. passou a mandar fotos para Feliciano. Uma com um cachorro, perguntando: "Sou feia pastor?" Ela diz que o deputado é bonito, ele a chama de atrevida. Ela envia fotos dela como noiva. Feliciano, então, homem íntegro e de família que é (vocês não têm como ver meus risos daí), diz que ela está "se equivocando com ele", pede que ela não mande mais fotos, e encerra: "Não quero mais conversa com você". P. fica brava, reclama dos homens do PSC, e sugere que vai mudar de partido, talvez pro PT ou PC do B.

"Sou feia pastor?"

Alguns dias depois, ela quer saber por que Tiago a bloqueou, e Feliciano responde que "a mentira tem perna curta", que Tiago teria dito que ela era obsessiva, "parecendo uma louca". Ela envia outra foto posando de lingerie e uma no banho, com uma mão cobrindo o peito, alegando que "Vocês vão perder isso, ó". Como o homem honrado não responde, P. afirma que dará um jeito de chamar sua atenção, e que ele vai se arrepender. Diz que os vizinhos de Feliciano são do PT e do PCdoB, e que talvez ela fale com eles. Silêncio sepulcral de Feliciano.

Esta, pelo jeito, é a versão do nobre pastor e deputado, e ele tem prints das conversas para provar (que o site cristão expõe). O problema é que muitos desses prints parecem falsos, como apontaram alguns leitores do site. Por exemplo, há dois prints com horários diferentes, o que é impossível. Além disso, quem tirou os prints? E por que P. escreveria seu sobrenome errado, com dois Ls?

Print que Feliciano
sem querer postou no
seu twitter no final de
junho

Há, porém, dois fatos que dão um pouco de credibilidade aos prints. Um é que as fotos de P. vestida de noiva com lingerie existem, não são montagem (eu pensei que fossem). P. fez o book em 2014 com o Grua Estúdios. Outra é que, no dia 28 de junho, ou seja, duas semanas depois da tentativa de estupro, Feliciano, aparentemente sem querer, enviou um tuíte que tinha o nude de P. Assim que ele se deu conta, deletou o tuíte, mas vários de seus seguidores dizem ter visto o tal tuíte. O que levanta a suspeita: seriam P. e Feliciano amantes? Era por isso que ela, treinada por Bauer, iria dizer na delegacia que ela e o deputado tinham um caso?

Aquele print da conversa, no mínimo, não é falso, já que foi visto por outras pessoas antes do escândalo. Mas nada impede que a assessoria de Feliciano tenha inventado os outros prints em torno daquele (aqui uma análise bastante profissional provando que as mensagens são falsas). Afinal, P. alega que Bauer ficou com a senha de suas redes sociais. E a narrativa dos demais prints está certinha demais -- tem a conspiração da esquerda, tem os vizinhos de Feliciano que podem testemunhar agora em favor de P.

Óbvio que os reaças não dão um pio sobre os outros prints, esses divulgados por P. Como aquele que Feliciano lhe diz que o que sente mais saudade é "te agarrar e ficar olhando sua carinha linda de choro gritando 'não'" e "e quem vai acreditar em você?". Esses prints mostram uma narrativa totalmente diferente daquela do "pobre pastor honesto assediado por uma falsa cristã safada feminista infiltrada".

Bauer em 3 de agosto: missão
cumprida com o "profeta"

E os reaças não tocam no tema do áudio gravado entre P. e Bauer (agora saiu um vídeo de 5 segundos comprovando o encontro). Pra mim, esta é a prova definitiva de que algo muito sério aconteceu, algo que o chefe de gabinete de Feliciano está doido pra acobertar. Um outro áudio entre os dois, gravado na manhã de sexta, também foi divulgado. Nele, P. diz que foi ameaçada pelo presidente nacional do PSC, pastor Everaldo. Bauer diz que não pode ser, que era alguém se passando pelo pastor. Ou será que Feliciano tentará queimar Bauer sozinho, dizendo que não teve nada a ver com o que seu chefe de gabinete fez?

Ganhar almas para Jesus é
o que importa, e não acu-
sações de estupro e assédio

Muita água ainda vai rolar, mas tenho fé de que tudo isso represente um game over para Feliciano. O script tradicional de desacreditar a vítima, chamando-a de louca e mentirosa, nós já conhecemos bem. A versão de que "tudo isso é uma armação da esquerda contra um santo homem", também. A ironia da vez é que, pelo jeito, a única solidariedade que uma anti-feminista encontrará vem das feministas.
UPDATE: P. escreveu em seu FB: "PSC sempre soube!" E diz que vão aparecer outras mulheres acusando Feliciano.

O JornalistasLivres teve acesso ao BO. que indica toda uma bancada evangélica unida na tentativa de calar uma vítima de estupro (e, vale lembrar, uma moça que, até meados de julho, estava totalmente ao lado deles). 
E sabe quando a gente perguntava "No carro de quem P. está?", na ocasião que ela gravou o primeiro vídeo negando as denúncias? Pois bem, saiu a foto. Era no carro de Bauer mesmo, assessor, chefe de gabinete de Feliciano, ex-policial. 
Hoje P. fez boletim de ocorrência na Delegacia da Mulher em Brasília. Não só contra Marco Feliciano, mas também contra dois homens que a convenceram a ir para SP. 
UPDATE 7/8: Sara Winter finalmente se pronunciou sobre o caso e, pra variar, já chegou mentindo. Disse que P. "não se filiou ao partido PSC devido a uma pendência no título de eleitor, nem tão pouco [sic] tinha alguma cargo remunerado no partido, apenas participou de um evento como convidada". Esta imagem do Instagram da própria Sara a desmente.
Sara também disse que não era amiga de P. (antes havia feito vídeo com ela jurando que eram grandes amigas), e que, no seu convívio com ela, percebeu "algumas mentiras às vezes bobas e desnecessárias" (tipo dizer que uma pessoa não é filiada a um partido quando foto no Instagram demonstra o contrário?), "pensei na possibilidade de ser algum tipo de distúrbio psicológico" (Sara está falando de P., não dela mesma). "Quanto ao pastor e Deputado Marco Feliciano, o acho um bom homem e ótimo parlamentar", completou Sara, deixando claro que sua fidelidade está ao lado de quem paga suas contas. 

UPDATE 8/8: Deputadas do PT entraram com representação contra Feliciano. Elas enviarão as denúncias ao procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pois Feliciano conta com foro privilegiado. 

Relato de pastor (clique para ampliar)

Os advogados de P. estão pedindo vídeos do prédio em que Feliciano mora em Brasília para provar que a moça esteve no apartamento em 15/6. Exigem também vídeos do Congresso para mostrar que P. se encontrou com o pastor Everaldo em dois momentos. O pastor negou esses encontros.
Um outro pastor, sem ligação com o PSC, relatou que este não é o primeiro caso de assédio atribuído a Feliciano. 

A polícia de SP descartou a denúncia de que Talma Bauer, chefe de gabinete de Feliciano, manteve P. em cárcere privado. No entanto, foi ele que pagou as diárias de P. (por quê?). Ainda há outra incógnita: um amigo de P., também hospedado no hotel, entregou à polícia R$ 20 mil, que seriam usados por Bauer para pagar P. pelos vídeos em que negava as denúncias. Nem Bauer nem P. reconhecem o dinheiro.
Em áudio, P. pediu desculpas às feministas e agradeceu por sermos as únicas que a apoiam no momento (ver texto ao lado): "Continuo com meus pensamentos conservadores, mas hoje, quem faz barulho na internet e na mídia para o meu caso não ser esquecido é o grupo feminista". Ela deu coletiva no Senado hoje à tarde.

Um personagem de destaque

A coluna do UOL publicou um texto cheio de detalhes sobre todo o escândalo. Fala sobre como foram os bastidores para conversar com P. pela primeira vez, em Brasília, e sobre como foi fundamental a entrada da mãe de P. no caso. Há detalhes saborosos sobre tentar vender a história pro SBT, por R$ 10 mil, e ainda há confusão sobre o tal cárcere privado. 

Fica claro, no entanto, que um dos personagens-chave é Emerson Biazon, que o jornalista Leandro Mazzini identificou como "gestor da crise -- não se sabe para que lado" (antes ele havia sido identificado como assessor de Celso Russomano; no seu perfil no Twitter, trancado, ele diz fazer "integração de empresas com o meio evangélico"). Foi Emerson que entregou os R$ 20 mil para a polícia, dinheiro que continua na delegacia, "sem dono". Foi ele quem tentou vender a história pro SBT. E foi ele quem aparentemente "passou" P. para Bauer (o hotel em SP estava pago para 11 dias). O BO que P. fez em SP o inclui. Vamos aguardar os próximos emocionantes capítulos. 
Bolsonaro disse que não tem nada a dizer sobre seu colega de partido: "Eu cuido da minha vida, se isso aí é fora da Câmara, não tenho nada a falar". Pelo jeito, crimes só interessam a Bolso se acontecerem dentro do Congresso. Fora, pode tudo. E que jeito solidário de tratar militantes do seu partido...
UPDATE 10/8: PSC decidiu manter Feliciano na liderança do partido na Câmara e disse que irá processar P. "para defender a imagem do partido".
A nota do PSC diz que P. " foi recebida coletivamente por membros da Executiva Nacional que, pacientemente, ouviram seu relato e recomendaram que procurasse a Justiça, uma vez que a Executiva é uma instância política". Esta é claramente uma mudança de versão do PSC, que a princípio negou ter se encontrado com P. Agora que advogados da moça pediram vídeos para provar que P. esteve no gabinete do pastor Everaldo, o PSC mudou o discurso. 
O delegado responsável pelo caso em SP (não em Brasília, onde P. diz ter sofrido assédio e tentativa de estupro por parte de Feliciano) disse ter provas de que ela não sofreu cárcere privado ou sequestro qualificado. Agora ela está sendo investigada, para apurar se ela pediu ou aceitou dinheiro para gravar os vídeos. O chefe de gabinete de Feliciano continua sendo investigado, para ver se ele pagou para que P. gravasse os vídeos. 

Segundo inquérito policial, houve negociação entre Bauer e P. para que ela ficasse em silêncio. Seriam seis parcelas de R$ 50 mil cada uma. Os R$ 20 mil que o "amigo" Emerson entregou à polícia são prova disso. O delegado diz ter o vídeo desta negociação. Por que o assessor de P. tentaria comprar seu silêncio, se não houve crime em Brasília, como alega o PSC? (Aguardem: a cúpula do PSC vai repetir que Feliciano não teve nada a ver com o que seu assessor fez -- vão tentar queimar Bauer sozinho).

Feministas protestam

No vídeo que a polícia tem da negociação, P. não aparece, mas sua voz é ouvida no saguão do hotel San Raphael, em SP. Bauer diz a P. que teria passado R$ 50 mil para um misterioso Arthur, que seria um intermediador, e que teria se apresentado como agente da Abin. P. pede a Bauer que ele faça "alguma coisa" com Arthur, "depois de pegá-lo". Bauer responde: "Eu não vou matar ele, mas alguma coisa eu faço". 
Agora à noite, um grupo feminista protestou em frente à sede do PSC em SP: não à cultura do estupro.
UPDATE 11/8: O SBT divulgou trechos de vídeos em que P. e Bauer aparecem conversando. 

Já o professor Hugo Studart repetiu no seu FB que a imprensa está devendo investigações sobre o caso. Não foi o primeiro caso de Feliciano.
LEIA MAIS: As muitas mentiras do caso Feliciano.