No fim de semana recebi o email da Luciana, uma ex-militante de um partido de esquerda, pedindo minha opinião sobre um caso. Um homem, também de esquerda, foi acusado pela ex-esposa de vários tipos de violência.
No final do mês, esse homem compareceu a um protesto em Pernambuco. E foi escrachado pelas manifestantes. Luciana não me pediu para escrever um post sobre isso, mas compartilhou algumas dúvidas sobre escrachos.
No final do mês, esse homem compareceu a um protesto em Pernambuco. E foi escrachado pelas manifestantes. Luciana não me pediu para escrever um post sobre isso, mas compartilhou algumas dúvidas sobre escrachos.
Escracho contra um torturador no país da anistia para os militares |
É complicado. Por um lado, a gente sabe como é difícil pra uma mulher denunciar uma violência, como na maior parte das vezes essa denúncia não dá em nada. Sabemos também da importância e da força da sororidade nessa denúncia coletiva, de como é bacana tomar o controle da situação e fazer essa denúncia com a própria voz. Muitas vezes, esta é a única denúncia possível.
Por outro lado, vira um julgamento coletivo que rapidamente pode levar a um linchamento moral (e algumas vezes num linchamento real, físico; óbvio que ativistas não tiveram nada a ver com a mulher morta no Guarujá). Eu acredito sim que a maioria das mulheres não mente sobre violência doméstica e estupro. Mas isso não impede que alguma possa mentir.
Ou às vezes nem é mentira consciente, e sim uma interpretação dos fatos. Não estou falando em casos de estupro ou violência física, mas de violência psicológica, por exemplo. Às vezes a pessoa se convence que aquilo é verdade, mas é a sua verdade. Tudo tem que ser apurado. Assim como as violências têm potencial para arruinar a vida das vítimas, uma denúncia falsa também pode prejudicar demais alguém.
Ou às vezes nem é mentira consciente, e sim uma interpretação dos fatos. Não estou falando em casos de estupro ou violência física, mas de violência psicológica, por exemplo. Às vezes a pessoa se convence que aquilo é verdade, mas é a sua verdade. Tudo tem que ser apurado. Assim como as violências têm potencial para arruinar a vida das vítimas, uma denúncia falsa também pode prejudicar demais alguém.
Pra quem é ativista, a gente realmente fica num impasse: vamos participar desse escracho público mesmo correndo o risco de estar sendo injusta com alguém?
Tipo: adorei a campanha #meuamigosecreto, da qual participei (e amanhã publicarei um guest post sobre ela). Entendi a hashtag como se fosse um coisa genérica. Eu não estava acusando alguém em particular de ter dito que não acredita que mulher ganha menos que homem, ou que diz que mulher que sai com roupa justa está pedindo pra ser estuprada. São coisas que já ouvi e continuo ouvindo de muitos homens, inclusive de alguns amigos.
Algumas feministas postaram tuítes de homens mais progressistas que não deixam de ser machistas. Outras pessoas passaram a criticar frases que não são de amigos, secretos ou não (Bolsonaro é amigo de alguém?). Muita gente entendeu o #meumelhoramigo como indiretas. Pessoalmente, não vi assim. Porém, lógico, é uma hashtag. Não tem muito controle. As pessoas vão interpretar de várias formas. Como um todo, foi (está sendo, continua) extremamente positivo.
Um desmembramento inusitado foi que surgiu um tumblr ou blog, nem vi direito, que denunciava onze homens de Brasília por manipulação, violência doméstica, e até estupro. Trazia a foto e o nome completo dos caras. As acusações eram muito genéricas, coisa de duas linhas. Pelo que vi, a página só ficou no ar por poucas horas, e alguns acusados já registraram BO e a polícia vai tentar encontrar os autorxs para processar.
Então, esse tipo de ação é necessário? É certo? Não corre risco demais de acusar sem provas gente inocente?
Só pra ilustrar: eu sou ameaçada de morte e difamada diariamente. São inimigos declarados, mascus misóginos, que inventam pra mim os mais diversos crimes -- desvio de verbas na minha universidade, realizar um aborto de aluna em sala de aula, comprar meu diploma, trocar notas por sexo, rasgar e queimar bíblias, sei lá mais o quê. Convenceram um rapaz a fazer um vídeo dizendo que eu abusei dele no banheiro de um congresso escolar.
Esses mesmos caras prometem que acusarão meu marido de pedofilia e estupro de menores; querem que ele seja preso (e morto). E aí?
Esses caras criam essas calúnias absurdas, algum reaça mais conhecido as divulga, e eu e meu marido passamos a ser atacados por um monte de gente que acredita em qualquer coisa. Isso aconteceu na páscoa (quando criaram um tuíte falso pra mim) e agora no início de novembro (com o site fake no meu nome), e nada impede que voltará a acontecer, já que todos esses mascus continuam soltos, cometendo seus crimes impunemente.
Algumas feministas postaram tuítes de homens mais progressistas que não deixam de ser machistas. Outras pessoas passaram a criticar frases que não são de amigos, secretos ou não (Bolsonaro é amigo de alguém?). Muita gente entendeu o #meumelhoramigo como indiretas. Pessoalmente, não vi assim. Porém, lógico, é uma hashtag. Não tem muito controle. As pessoas vão interpretar de várias formas. Como um todo, foi (está sendo, continua) extremamente positivo.
Um desmembramento inusitado foi que surgiu um tumblr ou blog, nem vi direito, que denunciava onze homens de Brasília por manipulação, violência doméstica, e até estupro. Trazia a foto e o nome completo dos caras. As acusações eram muito genéricas, coisa de duas linhas. Pelo que vi, a página só ficou no ar por poucas horas, e alguns acusados já registraram BO e a polícia vai tentar encontrar os autorxs para processar.
Então, esse tipo de ação é necessário? É certo? Não corre risco demais de acusar sem provas gente inocente?
Só pra ilustrar: eu sou ameaçada de morte e difamada diariamente. São inimigos declarados, mascus misóginos, que inventam pra mim os mais diversos crimes -- desvio de verbas na minha universidade, realizar um aborto de aluna em sala de aula, comprar meu diploma, trocar notas por sexo, rasgar e queimar bíblias, sei lá mais o quê. Convenceram um rapaz a fazer um vídeo dizendo que eu abusei dele no banheiro de um congresso escolar.
Esses mesmos caras prometem que acusarão meu marido de pedofilia e estupro de menores; querem que ele seja preso (e morto). E aí?
Esses caras criam essas calúnias absurdas, algum reaça mais conhecido as divulga, e eu e meu marido passamos a ser atacados por um monte de gente que acredita em qualquer coisa. Isso aconteceu na páscoa (quando criaram um tuíte falso pra mim) e agora no início de novembro (com o site fake no meu nome), e nada impede que voltará a acontecer, já que todos esses mascus continuam soltos, cometendo seus crimes impunemente.
Claro que não estou comparando mulheres vítimas de violência que fazem escracho público com mascus, criminosos que se orgulham de seus crimes. Só estou dizendo que é fácil acusar alguém anonimamente na internet, e que essas "armas" são usadas para destruir reputações (em 99% das vezes usadas contra ativistas sociais, não por ativistas sociais).
No meu blog, já publiquei e continuo publicando centenas de relatos de sobreviventes de estupro, violência doméstica, assédio sexual etc. São mais de 700 guest posts, e muitos deles são sobre isso. Vários são sobre crimes cometidos anos atrás, que já prescreveram, mas só de contar já faz a vítima se sentir melhor. Eu nunca publico o nome dos acusados, e, óbvio, respeito o anonimato da autora (se ela pede pra publicar com seu nome, eu publico).
São textos que têm muito mais a ver com denunciar uma situação recorrente que um caso específico. Eu faço isso de não publicar os nomes dos acusados pra me resguardar (em quase 8 anos de blog, ainda não fui processada, ufa), e também porque não é meu papel denunciar alguém no meu blog. Não sou juíza, não sou polícia, não sou investigadora. As raríssimas acusações que fiz aqui dando o nome aos bois foram da minha parte (ou seja, não partiram de uma anônima, mas de mim) contra quem eu tinha e tenho certeza que estava cometendo crimes (Marcelo e Emerson em 2011 e hoje).
São textos que têm muito mais a ver com denunciar uma situação recorrente que um caso específico. Eu faço isso de não publicar os nomes dos acusados pra me resguardar (em quase 8 anos de blog, ainda não fui processada, ufa), e também porque não é meu papel denunciar alguém no meu blog. Não sou juíza, não sou polícia, não sou investigadora. As raríssimas acusações que fiz aqui dando o nome aos bois foram da minha parte (ou seja, não partiram de uma anônima, mas de mim) contra quem eu tinha e tenho certeza que estava cometendo crimes (Marcelo e Emerson em 2011 e hoje).
Hoje, por ex, estamos escrachando um "movi- mento" que pede fim de direitos para pessoas com deficiência |
Uma das muitas ameaças que o sujeito enviou a uma menor de idade que stalkeou |
Agora, você acha que eu pensaria duas vezes antes de escrachar um cara desses, que tem um histórico comprovado de anos de perseguição às mulheres? Mas não mesmo! Aliás, muitas ativistas daqui já o escracharam in loco (não na internet), já fizeram ato contra ele na praça que ele frequenta, acho que já protestaram em frente à casa dele. Este é um exemplo de como denunciar pra polícia não adianta em inúmeros casos e como o escracho pode ser uma arma eficaz (às vezes, a única arma).
Mesmo assim, aconselho ir à polícia. É um registro formal que a vítima tem.
Denunciando em público, pode-se passar de vítima a "algoz" (mesmo que sua denúncia esteja coberta de razão). Não me lembro os detalhes, mas teve um coletivo no Rio que denunciou, num post no FB, um cara de estupro. Não era uma denúncia genérica, como foi aquilo feito esta semana com os onze sujeitos de Brasília. Esta do Rio dizia quem, quando, onde. Mas não havia provas. O acusado está processando o coletivo. E há vários outros casos de mulheres que individualmente acusam um agressor e são processadas.
Como eu disse, é complicado. Creio que a vítima sempre que possível deve ir à uma delegacia. Mas sabemos que na maior parte das vezes a polícia não faz absolutamente nada. Agora mesmo acabei de receber um email de uma mulher desesperada porque está sendo stalkeada pelo ex. O que fazer? A polícia não faz nada, sequer considera isso um problema. De repente juntar um grupo de ativistas e ir na frente da casa dele exigir que ele pare de perseguir a ex resolve?
Recomendo que a vítima seja organizada e guarde as provas -- prints de ameaças, vídeos, gravações, emails, o que tiver. Em grande parte das ocasiões o agressor não comete o crime contra uma única vítima, mas contra várias. Se possível, a vítima deve tentar se comunicar com as outras vítimas. E a partir daí se organizar. Um escracho nessas horas pode ser uma saída, mas é preciso que as vítimas se exponham um pouco, é preciso mostrar provas.
Recomendo que a vítima seja organizada e guarde as provas -- prints de ameaças, vídeos, gravações, emails, o que tiver. Em grande parte das ocasiões o agressor não comete o crime contra uma única vítima, mas contra várias. Se possível, a vítima deve tentar se comunicar com as outras vítimas. E a partir daí se organizar. Um escracho nessas horas pode ser uma saída, mas é preciso que as vítimas se exponham um pouco, é preciso mostrar provas.