sexta-feira, 5 de junho de 2015

"MINHA JORNADA: TUDO É PROBLEMÁTICO"

Luan viu um artigo polêmico e interessante de Aurora Dagny (um pseudônimo) e decidiu traduzi-lo. Super obrigada, Luan! Como o texto é longo (mas vale a leitura!), vou publicá-lo em duas partes. A primeira é esta, e a segunda está aqui.

Sou uma ativista queer desde os dezessete anos. Cresci em uma cidade conservadora do interior onde as pessoas gritavam insultos homofóbicos para mim da janela de suas picapes. Minhas experiências com o ódio homofóbico intimidaram-me, mas também acenderam uma chama em mim. Em meu último ano do ensino médio, resolvi fazer o possível para promover uma mudança antes de concluir os estudos e ir embora da cidade para sempre. 
Sentia ter o dever de ajudar outras crianças queer que estivessem muito assustadas para sair do armário ou que tivessem internalizado ódio por si próprias. Fiz um discurso apaixonado sobre tolerância em uma assembleia escolar, distribuí folhetos em todos os corredores e salas de aula, e fundei um grupo para estudantes LGBTQ e aliados.
Não muito tempo depois, fui exposta às ideias de Judith Butler, um audacioso e penetrante amálgama de feminismo de terceira onda e teoria queer. Vi a verdade na perspectiva radical de Butler sobre gênero e foi libertador. Meu desconforto ao longo da vida com o rótulo — uma categoria binária de gênero — foi legitimado. Foi quando minha paixão pelo feminismo começou de fato. 
Colei um adesivo em meu carro que dizia “mulheres bem comportadas raramente fazem história”. Assinei a revista Bitch. Quando chegou a hora de sair do colégio e entrar na Universidade McGill, matriculei-me em uma matéria sobre teoria feminista e em outra sobre estudos de diversidade sexual, o tema em que eu faria posteriormente uma especialização secundária.
Meu mundo só se expandiu a partir daí. Em Montreal, tive contato com uma diversidade maior do que nunca de pessoas e perspectivas. O mesmo tipo de transformação que tinha ocorrido em minha mente com gênero aconteceu com raça e deficiência. Aprendi sobre classismo e capitalismo. Durante o Rad Frosh [evento estudantil da Universidade McGill], um seminário com o notório ativista Jaggi Singh introduziu-me oficialmente ao anarquismo. Meu primeiro ano na McGill foi um turbilhão de novas pessoas e revelações.
Em meu segundo ano, eu mergulhei. Envolvi-me intensamente com uma variedade de grupos e organizações queer, feministas, antiopressivas em geral e de esquerda radical, em todas as combinações possíveis (Mob Squad é um exemplo de muitos). Li livros como Why are faggots so afraid of faggots? (em tradução livre: “Por que as bichas têm tanto medo umas das outras?”) e A insurreição que vem
Bradei a plenos pulmões em protestos. Tantos protestos. Marchar pela rua carregando um cartaz que dizia “Fuck Capitalism” tornou-se minha principal forma de exercício. Aquele foi o ano dos protestos contra o aumento da anuidade das universidades. Havia muito entusiasmo no ar. Pensei que talvez fosse acontecer uma revolução. Uma garota pode sonhar.
2012 foi o ano em que atingi o ápice do radicalismo. As coisas que fiz naquele ano incluíram ocupar um prédio da universidade (pela segunda vez), obstruir fisicamente um segurança, ser empurrada por um policial em uma motocicleta em baixa velocidade, participar de uma assembleia geral inteira da sociedade estudantil da McGill e fugir de granadas de luz e som lançadas pela polícia. (Eu não era nem de longe tão hardcore quanto as pessoas que eu conhecia. “Eu amo como o spray de pimenta desobstrui os seios da face”, disse um. Alguns participavam de black blocs. Em algum momento, uns poucos passaram a noite na cadeia.)
Desde então, minha visão de mundo política tem evoluído constantemente e se refinado. Eu já não anseio pela revolução. Não odeio o capitalismo ou o Estado como se esses fossem os nomes das pessoas que mataram meu cachorro. Minha orientação política ainda tende para a esquerda, só não tão longe à esquerda, e agora eu enxergo sistemas políticos e econômicos com os olhos de um engenheiro, em vez de enxergá-los nas cores berrantes da indignação moral. 
Continuo tão apaixonada pelo ativismo queer e pelo feminismo quanto antes e tenciono ser uma aliada para outros movimentos antiopressivos tanto quanto sempre fiz. Sinto que tenho uma compreensão mais rica e apurada da política antiopressão e da ética do que antes. Retive todas as lições que aprendi e sou grata às muitas pessoas que dividiram comigo sua visão.
Em breve estarei formada e estive pensando em meus anos em Montreal com nostalgia e pesar. Algo me tem atormentado há um bom tempo. Há algo que preciso dizer em voz alta a todo mundo antes de ir embora. É algo que há muito venho querendo dizer, mas que tenho tido dificuldade em expressar com palavras. Preciso contar às pessoas o que estava errado com o ativismo que eu praticava e por que eu escapei. Tenho muitas boas recordações daquele tempo, mas, em síntese, foi o capítulo mais sombrio da minha vida.
Eu costumava defender uma categoria particular de política que é prevalente na McGill e em Montreal de forma mais geral. Trata-se de uma fusão entre certo tipo de política antiopressiva e certo tipo de política esquerdista radical. Esta categoria particular de política começa com boas intenções e causas nobres, mas produz metástases que se transformam em um pesadelo. 
Em geral, os ativistas envolvidos são as pessoas mais agradáveis e íntegras que se pode esperar conhecer. 
Mas, em algum momento, eles tomaram um rumo errado e sua devoção à justiça social levou-os a um caminho obscuro. Como estive dentro e fora desta realidade, acho que posso trazer à tona algumas verdades dolorosas, mas necessárias.
Esclarecimento importante: eu apoio ardentemente a política antiopressiva em geral e tenho somente boas coisas a dizer sobre ela. Minha visão de mundo política atual está contida na designação genérica de esquerdismo, embora não esquerdismo radical. Sou basicamente uma social-democrata que gosta de cooperativas e acredita em renda básica universal, o chamado “caminho capitalista para o comunismo”. 
Concordo com muito do que a esquerda radical tem a dizer, mas também discordo em muitos aspectos. Sou profundamente contrária ao marxismo-leninismo e ao anarquismo social, mas tenho simpatia pelo socialismo de mercado e pela democracia direta. Não faço críticas ao esquerdismo radical em geral, ao menos não aqui, não hoje. O que me sinto compelida a criticar é somente um fenômeno político muito específico, uma encarnação particular da política esquerdista radical antiopressiva.
Há algo sombrio e vagamente sectário nesta categoria particular de política. Eu pensei muito sobre o que exatamente é isso e identifiquei quatro elementos centrais que tornam a coisa tão perturbadora: o dogmatismo, o pensamento de grupo, uma mentalidade de cruzada e o anti-intelectualismo. Entrarei em detalhes sobre cada um destes. O que escrevo a seguir é tanto uma confissão quanto uma admoestação. Não mencionarei um único pecado pelo qual eu não tenha sido completa e terrivelmente culpada em minha época.
Autora do texto, favor parar de fazer
alusões a maltratar cachorrinhos
Em primeiro lugar, o dogmatismo. Uma maneira de diferenciar entre uma crença convencional e uma crença sagrada é que as pessoas que têm crenças sagradas acreditam que é moralmente errado que alguém as questione. Se alguém questiona essas crenças, a pessoa não está sendo apenas estúpida ou mesmo depravada, ela está ativamente praticando violência. É como se estivesse chutando um cachorrinho. 
Quando as pessoas possuem crenças sagradas, não há discordância sem animosidade. Nesta mentalidade, as pessoas que discordavam das minhas visões não estavam simplesmente erradas, elas eram pessoas horríveis. Eu observava o que as pessoas diziam atentamente, à procura de qualquer conteúdo reprovável. Qualquer infração repercutia negativamente em seu caráter e, se houvesse muitas, as pessoas poderiam acabar em minha lista negra. Chamá-las de “crenças sagradas” é um eufemismo. O que quero dizer é que são dogmas.
Pensar desta forma rapidamente divide o mundo entre um grupo interno e um grupo externo — crentes e pagãos, justos e ímpios. “Eu odeio conviver com pessoas não radicais”, um amigo disse-me via mensagem de texto certa vez, irritado com seus colegas de quarto liberais. Membros do grupo interno estão sujeitos às mesmas normas rigorosas. Cada mínima heresia afasta gradualmente o indivíduo do grupo. As pessoas relutam em dizer que algo é radical demais por receio de serem vistas como excessivamente não radicais. 
Em contrapartida, demonstrar devoção à causa granjeia respeito. O pensamento de grupo torna-se o modus operandi. Quando eu era parte de grupos assim, todos pensavam exatamente da mesma forma sobre uma variedade estranhamente grande de assuntos. A discordância interna era rara. A comunidade insular servia como uma incubadora de visões extremas e irracionais.
Cheios de si, os ativistas nestes círculos de organização acabam desenvolvendo uma mentalidade de cruzada: uma presunção extrema baseada na convicção de que estão fazendo o equivalente secular da obra de Deus. Não se trata de ego ou enaltecimento pessoal. Na verdade, eu e os ativistas que eu conhecia tendíamos a depreciar-nos mais do que qualquer coisa. Não era sobre nós, era sobre o trabalho desesperadamente necessário que estávamos fazendo, era sobre as pessoas que estávamos tentando ajudar. O perigo da mentalidade de cruzada é que ela transforma o mundo em uma batalha entre o bem e o mal. Ações que de outra forma pareceriam extremas e insanas tornam-se naturais e esperadas. Eu não pensava duas vezes antes de fazer uma série de coisas que eu nunca faria atualmente.
Há muito que admirar nos ativistas de quem eu me tornei amiga. Eles têm as melhores intenções, são altruístas e dedicados a fazer o que acham que é certo, mesmo a um grande sacrifício pessoal. Infelizmente, neste caso, sua consciência os traiu. Minha consciência me traiu. Somente quando me deixei ser egoísta, após meses e meses de dedicação intensa apesar de estar esgotada, é que eu finalmente alcancei a distância crítica para repensar minhas crenças políticas.
[Segunda parte aqui].

18 comentários:

  1. Extremos. Extremos são bem complicados! Sair pelas ruas protestando, ok... Você tem seus direitos e sua liberdade de expressão. Exigir "revolução", já acho exagero.

    Enfim, não consigo fazer um comentário consistente, pq fiquei ansiosa querendo saber o "final" do texto haha!

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  2. Uauu! Esse texto é daqueles que te abre os olhos e te faz repensar sua vida como um todo. Como levamos dogmas pela vida e não nos damos conta disso! Essas nossas ideiasinhas inquestionáveis que fazem com que todo mundo que discorde seja um monstro nazista/fascista/machista. Muito fácil de acontecer quando você participa de um grupo e se sente pertencente a um lugar.. Incrível! Aguardando a continuação :)

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  3. Autora do texto: seja mais objetiva. Dava pra cortar uns 10 parágrafos do começo até chegar no que interessa.

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  4. /\ Antes que critiquem, não sou analfabeta funcional e vi que o texto foi traduzido, só comentei como a Lola comentou sobre agredir cachorrinhos.

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  5. É exatamente isso que grande parte das feministas fazem, discordou de mim é lixo, é machista, é homem, é homofóbico...

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  6. [OFF] Estou pesquisando e lendo pra entender mais sobre o feminismo radical, sem cair na visão simplista "são transfóbicas porque dizem que só é mulher quem tem vagina". Mas é óbvio que um movimento com argumentos estúpidos assim nunca se sustentaria, elas tem argumentos "coerentes" também, e acho que toda feminista deveria procurar se informar sobre eles pra sair da ignorância, parar de propagar senso-comum e até mesmo criar seus próprios contra-argumentos pra refutar o feminismo radical. Recomendo muito o seguinte artigo, é simples e objetivo, tá me ajudando a entender bastante essa questão feminismo radical x transfeminismo:

    http://www.academia.edu/5509904/SANTIAGO_Haline_-_Feminismo_Trans_x_Feminismo_Radical_-_Desconstrução_e_Performance_em_conflito_na_geração_Pós_Gênero_Desfazendo_Gênero_2013_

    (que o debate não seja desviado do assunto do post, foi só uma recomendação de texto pra quem quiser se aprofundar na questão através de um texto imparcial, porque texto parcial demonizando a outra parte é o que mais tem por aí)

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  7. Pq só na semana que vem, Lola?... :'(

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  8. https://www.youtube.com/watch?v=pPDl0dszoUw "Alunas do Ensino Médio colocam Bolsonaro contra a parede"

    Odeio admitir mas ele tem um pouquinho de razão sim... precisamos de mais mulheres votando em mulheres

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  9. Anõnimo das 13:19, muito interessante esse texto que você indicou!

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  10. Seria o dia 05 de junho de 2015 a prova de que mascus também tem vida social? Nenhuma trollagem no feriado?

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  11. @Anom das 13h17
    Do mesmo jeito que para o coxinha, quem discorda dele é comunista bolivariano, para o tucano quem discorda é petista, para o mascu quem discorda é vadia ou mangina...

    O feminismo é um movimento grande e plural, então é claro que teriam algumas pessoas que carregam alguns dogmas. E isso é normal. Todos os movimentos políticos tem isso, seja ele de direita ou esquerda.

    Aliás, existe um extrato da sociedade que é particularmente famoso por defender seus dogmas e impô-los sobre a sociedade sob a forma de leis e normas sociais. Esse extrato se chama religião.

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  12. /\ continua sendo fracassado. Não deve nem sentir cheiro de buceta a anos e por isso fica aí odiando mulher...

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  13. Não disse? Não come buceta e daí tem todo esse ódio de "vagabundas". Se vcs realmente não se importassem com bucetas não ficariam dando chilique e simplesmente ignorariam a existência de mulheres.

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  14. Comer buceta é tão gostoso. Mascus tem ódio de mulher não porque não comem buceta, já que isso qualquer 100zinho resolve, quer queira quer não. Mascus tem ódio de mulher porque se acham muito superiores a elas e com isso acham que elas deveriam correr atrás deles, o que não ocorre, inclusive a própria sociedade machista doutrina as mulheres a nunca correrem atrás de homens.

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  15. Acho interessante essa observação do dogmatismo e imersão ideológica sem crítica. Claro que essa é uma conversa "de esquerda para esquerda", pois conservadores não conseguiriam outra coisa senão "viu como vocês estão errados e eu estou certo!". Como eu já devo ter dito aqui, eu vejo a esquerda como um contraponto ao status quo atual, que apresenta uma utopia a ser perseguida - cuja implantação seria o melhor dos mundos no que idealiza sobre respeito mútuo, aceitalção, empatia, etc, mas que não apresenta soluções praticáveis justamente por existir o impecilho da própria natureza humana. Então AINDA não temos à vista uma solução economica e social que supere o atual capitalismo.
    E como contraponto, acho pertinente e até necessário a existência de questionadores e atores sociais mais radicais, pois quebra a entropia que levaria a movimentos e ideais mais "suaves" a se influenciar e amansar demasiadamente pelo sistema vigente; ocasionalmente, teriamos apenas pontos de vista ligeiramente divergentes sobre uma mesma situação, mas nenhuma força motriz para realmente romper com o senso comum em direção a um pensamento ou atuação diferentes.
    Então vejo como pertinente esse questionamento interno a estes grupos, mas vejo como também extremamente pertinentes os questionamentos que eles levam ao público que ainda não teve contato com essa perspectiva de mundo. Como pessoas indiferentes a estas questões iriam deixar de pensar no funcionamento do mundo como algo "natural" que "sempre foi assim e sempre vai ser assim" se não fossem esses grupos menos influenciáveis pela pressão social de adequar-se à "ordem normal das coisas"? Acho improvável.


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  16. "Um homem tem mais massa muscular que a mulher, se eu quiser, eu quebro o pescoço de uma vagabunda."

    - porque não tenta quebrar um homem? conheço teu tipo, machão com mulher, mas toma uma cotovelada na cara e perde o rumo de casa...

    "quanto tempo daria até que as vadias fossem estupradas e mortas por homens? Elas não conseguiriam se defender sozinha, nem com armas."

    1. - sociedade esquerdista? crente fazendo um fiasco com comercial de perfume é sociedade esquerdista?

    2. - não há estupro agora então?

    3. - é teu sonho de vida isso? ver mulher sendo morta na rua? tipo fogueiras medievais?

    "temos ódio quando pegam uma vadia desta, estúpida, ignorante, fútil, e equiparam a um homem honrado, digno e estudioso."

    "homem honrado" teu cu, mongoloide. vocês conseguem ser mais fúteis e idiotas que a maioria. só o fato de tu dedicar tua "vida" a dar chilique por causa de nojinho de mulher é mais ignorante e fútil que qualquer coisa...

    "Isto nos enche de ódio."

    - ui.

    ser "honrado" é ser um bunda mole, burro e com nojinho de mulher? putz...

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  17. Texto poderoso, que faz pensar. Por muito tempo eu me recusei a me intitular como feminista, porque tenho repulsa de movimentos organizados, acabam sendo alienantes. Isso, claro, até eu me informar mais sobre o feminismo e ver que não há dogmas, apesar dos termos "radfem" e "libfem" que eu não conheço tão bem, mas que parecem coisa de facção. É como o Clube da Luta, em que o protagonista troca uma alienação por outra.

    Dan

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  18. Lucas,
    considere traduzir engenheira no feminino aqui:

    Minha orientação política ainda tende para a esquerda, só não tão longe à esquerda, e agora eu enxergo sistemas políticos e econômicos com os olhos de um engenheiro, em vez de enxergá-los nas cores berrantes da indignação moral.

    Belo trabalho!

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