sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

POR TRÁS DE UM GRANDE HOMEM

Em 2012, por coincidência, imagino, foram lançados dois filmes sobre um dos maiores diretores de todos os tempos, Alfred Hitchcock: 
Hitchcock, com Anthony Hopkins (que não tem a menor semelhança física com o cineasta), e The Girl, com Toby Jones (que também já interpretou Truman Capote, na mesma época que Philip Seymour Hoffman ganhou o Oscar pelo personagem). Nenhum dos dois filmes é grande coisa, mas ambos reforçam a ideia de que Hitchcock era, digamos, inadequado com as mulheres. 
"Inadequado" é eufemismo pra não dizer que ele era misógino mesmo. É conhecida a lenda de que ele mandou repetir inúmeras tomadas com Tippi Hedren (mãe de Melanie Griffith) sendo torturada por aves enlouquecidas no fantástico Os Pássaros, até que a atriz tivesse que ser hospitalizada. Foram cinco dias de filmagem para uma cena que dura dois minutos, cinco dias jogando aves no rosto de Tippi, e um trauma pra toda a vida.
Os Pássaros, inclusive, é um filme bem machista, em que o herói defende a casa enquanto as três mulheres da sua vida (mãe, irmãzinha e namorada) apenas gritam, choram e entram em pânico. Pra piorar, o ataque nunca explicado das aves parece estar ligado à aparição da moça. (Mas eu sigo amando o filme de paixão).
O desdém com que o diretor tratava Tippi está bem demonstrado em The Girl. Já Hitchcock, o filme, pega leve na misogina de Hitchock, o homem na vida real. Tirando o fato do diretor empunhar a faca na clássica cena de Psicose em que Norman Bates mata seu objeto de desejo, ele é apenas estranho, meio nerd, desajeitado com as mulheres, e obcecado pelas famosas loiras que ele contratava. 
Alma, sua esposa durante mais de meio século, é interpretada por Helen Mirren. A melhor cena do filme, aliás, é um discurso feminista dela. Nesse monólogo, Alma rebate à acusação de que não o apoia o suficiente (minha tradução): 
“Devo te lembrar que eu tenho tido responsabilidade em todos os aspectos do filme até agora, como tenho feito em cada filme que você fez nas últimas três décadas. E na primeira vez que você mostrar o filme, serão minhas anotações que você vai querer. Eu comemoro com você se as críticas são boas e eu choro por você se não são. 
"Eu organizo suas festas e aturo suas fantasias românticas com as atrizes. E quando você estiver promovendo seu filme pelo mundo todo, eu estarei ao seu lado, ou, melhor, ligeiramente atrás de você, sorrindo sem parar para a imprensa mesmo quando estou pronta pra cair de cansaço, sendo graciosa para as pessoas que olham através de mim como se eu fosse invisível porque tudo que elas podem ver é o grande e glorioso Alfred Hitchcock”. 
Sim, é aquele velho clichê do "Por trás de um grande homem há sempre uma grande mulher". Mesmo que esse "grande homem" não tenha sido tão grandioso assim na sua vida pessoal. 

19 comentários:

  1. Lembro que quando criança, vi uma entrevista do Tony Ramos em um programa de TV, acho que era o Faustão. Ele disse que "atrás de um grande homem sempre tem uma grande mulher" e a esposa dele prontamente o corrigiu: AO LADO de um grande homem existe sempre uma grande mulher. Tony acatou na hora.

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  2. Oi lola! As personagens do Alfred são sempre muito freudianas. A fúria dos pássaros no filme é uma manifestação do sentimento da mãe no complexo de édipo. Vale a pena rever sob essa óptica.

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  3. Eu não vi o filme Os Pássaros da mesma forma. Para mim a atriz principal é uma mulher decidida, que vai atrás do que quer, e muitas vezes ela tomou iniciativa, como quando vai ajudar as crianças da escola, por exemplo.

    E não acho que a revolta dos pássaros esteja relacionada a ela, e sim aos periquitos da gaiola.

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  4. Que horror. Parece que a maioria dos artistas homens acaba manifestando misoginia em algum ponto de sua arte. Muito triste e decepcionante...

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  5. Sempre aquela história de que a monstruosidade do homem é desculpável se ele for um gênio/talentoso/influente, enquanto uma mulher, por mais genial que seja será ignorada e terá todo seu trabalho ignorado se não for um exemplo de mãe e esposa.

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  6. Gosto do filme com Helen Mirren porque revela ao grande público a importância de uma mulher em um meio tão machista.
    Não deixa de ser um reconhecimento, ainda que tardio.
    O Hitch dos dois filmes são bem diferentes, são tantas histórias, lendas, mas fico sem saber se o que falava mais alto no cineasta era um perfeccionismo exagerado a ponto de sacrificar pessoas, pressioná-las pra que a cena saísse perfeita ou se era mesmo misoginia.

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  7. Toda vez que eu passo numa praça onde têm muitos pombos, eu lembro do filme. E concordo com a Karina. Muitas vezes a atriz tomou atitudes, uma delas inclusive foi de ir para a cidadizinha.

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  8. Bem, é verdade, ele era misógino. E não só ele, muitos dos cineastas consagrados tinham "comportamento incorreto", vide o Polanski que estuprou uma garota, e até mesmo Woody Allen que molestou sua própria filha.

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  9. Eu fã de Hitchcock me confesso.
    Lola eu penso que Hitchcock era extremamente perfeccionista, então exigia demais das pessoas com quem trabalhava. Uma vez James Stewart disse que "Hitchcock se preocupava mais com a câmera do que com os atores", era a mais pura verdade.
    Também desconsidero biografias que visam desmoralizar pessoas que já morreram e não podem mais se defender. Grace Kelly e Ingrid Bergman nunca reclamaram de Hitchcock, pelo contrário sempre o elogiaram muito. Penso o mesmo sobre a biografia "Mamãezinha Querida" de Joan Crawford.

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  10. Lola eu não acho Os Pássaros um filme machista, muitas vezes é a mocinha quem toma uma atitude.
    Hitchcock era mestre em retratar e expor loucuras e desejos do ser humano.Eu recomendo uma discussão sobre filmes e grandes diretores.
    Vertigo, Crepúsculo dos Deuses, Janela Indiscreta e outros.

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  11. ''Eu não vi o filme Os Pássaros da mesma forma. Para mim a atriz principal é uma mulher decidida, que vai atrás do que quer, e muitas vezes ela tomou iniciativa, como quando vai ajudar as crianças da escola, por exemplo.''

    concordo. Achei o filme hiper chato, mas não achei um cara salvando a mocinha. Se bem me lembro ela ajuda as crianças na escola, a filha dele, etc. Ela tbm toma a iniciativa no relacionamento. Pela minha vaga lembrança o machismo talvez estivesse com a mãe dele q não gostava q ela não fosse certinha

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  12. Boa tarde sou o anônimo das 22:53 e 13:02, entender os personagens dos filmes de Hitchcock não é tarefa simples, são complexos e extremamente humanos. O Vertigo por exemplo é um filme muito atual, conta a história de um homem obcecado por uma fantasia, ele tenta transformar a namorada na mulher que ele idealizava. A Kim Novak está maravilhosa nesse clássico.
    Hitchcock era um gênio, ele conseguia retratar as loucuras e desejos do ser humano, aqueles personagens somos nós mesmos Lola. Janela Indiscreta também é muito atual, uma lição sobre voyerismo, nesses tempos de A Fazenda e BBB em que a privacidade parece algo distante.

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  13. Já vi vários filmes do Hitchcock e gosto muito dele como diretor. Na verdade, sei muito pouco sobre os bastidores e nada sobre sua vida pessoal. Não estou negando que ele seja misógino, afinal não é uma característica que me surpreenda ainda que em pessoas que admiro. É só uma pergunta mesmo sobre como você encara o fato desse cineasta também ter um lado transgressor em relação às personagens femininas. Por exemplo, em "Psicose" e "Disque M pra matar", as mulheres têm amantes, roubam, matam (em legítima defesa) e ainda sim são consideradas as "mocinhas", isto é, não são julgadas por sua sexualidade e demais comportamentos subversivos. Em "Janela indiscreta", a Grace Kelly se mostra bastante corajosa e ousada, fugindo do esteriótipo de típica mocinha de família.

    Parece que nesses aspectos, ele foi bastante grato com as mulheres. Ou eu estou me iludindo?

    Grata, beijos!

    Ruama

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  14. Boa Noite sou o anônimo dos comentários anteriores, fã de Hitchcock.
    Moça eu penso que nos filmes de Hitchcock não existem mocinhos nem vilões, são personagens complexos e extremamente humanos que devem ser analisados. A personagem da Kim Novak em Vertigo pode ser considerada uma mocinha?
    O personagem do James Stewart em Festim Diabólico é realmente um mocinho?
    Não penso que Hitchcock era misógino, era extremamente perfeccionista, capaz de sacrificar a equipe inteira para que o filme ficasse perfeito.
    Claro que Alma foi muito importante na carreira e na vida pessoal de Hitchcock, ele mesmo reconheceu isso quando recebeu o Oscar Honorário, porém desconsidero certas biografias que visam o lucro através da exploração de questões pessoais, muitas vezes as pessoas retratadas não podem mais se defender, O caso da Joan Crawford foi terrível.

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    1. Concordo com você de que o Hitch não seguia o sistema binário mocinho-vilão. Quando me referi a "mocinhas", quis dizer da relação entre o público e as personagens. Acredito que elas foram construídas para ganhar nossa empatia e torcida, embora tivessem comportamento subversivo do ponto de vista da aceitação social.

      Ruama

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  15. Lembrando que o Stanley Kubrick utilizou a mesma ténica com a Shelley Duvall, repetindo trocentas vezes a cena em que ela usa um taco de beisebol contra o marido em "O Iluminado" e deixando-a ter um ataque de nervos pra cena ser convincente (também dizem que ele não gostava dela).

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  16. Anon. 5 de janeiro de 2015 08:23, Kubrick era terrível as vezes!O personagem Alex DeLarge só tinha a cobra de estimação porque Kubrick sabia que Malcolm McDowell tinha medo de cobras.
    Hitchcock não me parece misógino, já que ele era daquele jeito com toda a equipe...

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  17. Ta-chan, sou a anônima que falou do Kubrick. Obrigada pelas informações, eu não sabia disso da cobra de "Laranja Mecânica" (filme que eu amo).

    Não conheço muito nenhum ds dois diretores, mas pelo que eu já li do Hitchcock, ele era mais escrotão misógeno, e o Kubrick era meio escrotão no geral.

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  18. Adorei sua crítica, também porque a Alma me interessou muito. TKS.

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