quinta-feira, 7 de julho de 2011

GUEST POST: PIOR QUE A TORNEIRA SECA É A FALTA DE SEDE

Marcela é advogada em Uberaba, MG, e não se conforma que existam mulheres machistas. Como ela me disse por email: “Não apenas as mais velhas ou as que tiveram menos acesso aos estudos, mas as minhas colegas juristas, as jovens que estudaram em boas escolas, mas continuam reproduzindo o machismo. Sei que somos doutrinadas pelo machismo desde criança, mas eu não consigo entender o motivo pelo qual tantas mulheres olham para as outras como as 'putas', as que 'merecem apanha', as 'golpistas'. Outra coisa muito desgastante para mim são as mulheres que têm vergonha do feminismo, que acham que é coisa de 'mulher-macho', de mulher não-feminina. Por isso escrevi esse texto. Não para culpar as mulhers pela violência doméstica, mas para tentar fazer com que elas vejam que não existem 'categorias' de mulheres, que estamos todas no mesmo barco e que precisamos nos apoiar, precisamos nos apropriar de nossos desejos e de nossa individualidade. Precisamos reagir.” Dá pra discordar dela? Fiquem com seu guest post panfletário.

Temos Lei Maria da Penha, temos Constituição Cidadã, temos Delegacia de Mulheres, temos a Lei do Divórcio, temos o direito ao grito, mas, como já disse Drummond: "As leis não bastam. Os lírios não nascem das leis." E é por isso que, infelizmente, ainda temos que lidar com a avassaladora realidade da violência doméstica: ainda silenciosa, ainda abafada, ainda cruel, ainda absurda, ainda escandalosamente real.
Mas, o que vou dizer agora, gostaria de não precisar dizer: "Mulheres, se vocês continuarem alimentando o machismo, se continuarem culpando as vítimas e desculpando os agressores, a violência doméstica nunca vai ter fim. Nunca!"
A violência contra a mulher RESISTE e insiste em continuar existindo, ainda que nos garantam que "homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações nos termos desta Constituição". E é por isso que o feminismo ainda é necessário.
O agressor é sempre covarde: só perde a voz quando as mulheres se cansam de alimentar ilusões e viram a mesa.
Então, mulheres, por favor: Virem a mesa!
Neste momento, em algum lugar do mundo, uma menina é adestrada (sutilmente ou com brutalidade) para renegar seus direitos, sua sexualidade, seus desejos, seus sonhos e sua individualidade. É ensinada a se sentir inferior. Aprende a olhar para as outras mulheres como concorrentes, inimigas perigosas que querem tomar seu homem e que aguardam a primeira oportunidade para, Evas ardilosas que são, darem o golpe da maçã, o golpe da barriga, o golpe do baú, o golpe.... E a menina, em algum lugar do mundo, neste exato momento, aprende a não confiar em mulheres. Aprende a não confiar em si mesma.
Neste momento, em algum lugar do mundo, uma mulher reproduz e alimenta ideias machistas, na ânsia de ser valorizada pelos "senhores" e de ser considerada especial, "mulher honesta", "moça de família", "mulher para casar", mulher que não precisa apanhar. Mas não tem como uma mulher odiar as "outras" mulheres sem se odiar também... Não tem como uma "pura" crucificar as "impuras" e achar que algumas até merecem apanhar, sem correr o risco de, um dia, ser a "puta da vez".
E, não se enganem: agressor nenhum precisa de motivo para bater, humilhar, estuprar, matar...
E, não se iludam: qualquer uma pode ser a "puta da vez".
Tem até um poema do José Paulo Paes que se encaixa nisso:

A torneira seca.
Mas, pior: a falta de sede.

A luz apagada.
Mas, pior: o gosto do escuro.

A porta fechada.
Mas, pior: a chave por dentro.

Neste momento, em algum lugar do mundo, uma mulher agredida se cala e se curva e se ajoelha e aceita e se submete e se culpa, porque acreditou na ilusão de que, na ausência de um homem, ela nem é GENTE.
Mas, neste momento, em algum lugar do mundo, uma mulher agredida ACORDA e simplesmente se vê: é um ser humano! E está viva, e é livre, e é plena. E ela deixa de se submeter e reage e pede ajuda e exerce o seu direito ao grito e grita e acha pouco o afago mínimo que recebe quando se curva e, então, se levanta e luta e exige direitos iguais e exige homens que respeitem os direitos iguais e só quer estar com homens que saibam que ela é tão PESSOA quanto eles e descobre a felicidade de viver sem amarras e sem ser vítima e sem ser escrava e quer dividir essa alegria interminável e deseja que todas as mulheres do mundo saibam que são GENTE e...
E esta é a beleza do feminismo: ser a semente da ideia subversiva de que somos pessoas inteiras, somos senhoras de nós mesmas. Solteiras, casadas, médicas, costureiras, advogadas, empregadas domésticas, professoras, donas de casa, doutoras, estudantes, analfabetas, negras, pardas, brancas, amarelas, gordas, magras, idosas, jovens, heterossexuais, lésbicas, putas ou freiras -- nós TODAS somos donas dos nossos corpos e dos nossos destinos.
As conquistas são lentas, a semente demoraaaaaaaaaaaaa para germinar, mas quando ela brota... ah, quando ela brota! Nunca mais a gente para de florescer.

33 comentários:

Vanessa Peres disse...

Lindo!

Sheyla disse...

Fiquei sem palavras. Excelente post!

rizk disse...

Muito obrigada, Lola e Marcela, pelas palavras inspiradoras.
É frequente a gente perder de vista que, a qualquer momento, pode ser a nossa vez de ser a "Geni".

Lar Ternura disse...

Belíssimo, inspirador e acima de tudo sensível e forte texto, parabéns Lola!

Daní Montper disse...

Parabéns, Marcela e Lola, pelo excelente texto!

Também fico mais indignada quando uma mulher é machista - ainda mais se for 'bem educada' - do que um homem, pois é impossível uma mulher não sentir na pele todo o mal que o machismo causa a nós.

E ainda dão voz ao machismo quando este deturpa a beleza do feminismo.

Mas nós vamos brotar!!

Escarlate disse...

Eu já tinha lido esse texto incrível da Marcela, mas que bom que ele pode se espalhar pra mais pessoas.

Feminismo é vida, é luz, é força. Nunca matou ninguém, ao contrário do machismo, que mata todos os dias.

Noh Gomes disse...

OLha são não chorei lendo o texto pq to no meu trabalho, mas meu coração ta cheio, cheio de alegria, por estar no meio de gente tão esclarecida e que compartilha suas palavras.

Obrigada Lola, obrigada mesmo.

Noh

Luciana disse...

Muito bonito o texto. Parabéns.
Vou ajudar a espalhar também.

Niemi Hyyrynen disse...

O que dizer sobre esse texto?

Simplesmente perfeito!

Sério, fiquei muito emocionada mesmo!

Anônimo disse...

Eu ia dizer a mesma coisa que a Noh Gomes! O texto é muito lindo, quase chorei.

Vou enviar agora por e-mail para todas as minhas amigas. :)

Lord Anderson disse...

Oq posso dizer?

repassando o texto para todo mundo que conheço.

A unica coisa que doi é saber que mesmo assim alguns não vão se importar.

aiaiai disse...

Puta post lindo Marcela! Esse eu vou gravar no computador, mandar o link para todo mundo e ainda imprimir!!!
obrigada!

Gre disse...

Compartilho com a galera dos comentários. Vou divulgar, embora conheça várias mulheres que não chegarão nem na metade do texto. Não por não concordar ou desacreditar, mas porque a realidade dói e pior do que ela a acomodação para uma vida regrada de reclamações sem iniciativas.
Adoro passar por aqui e sempre ver novidades...valeu.

Sara disse...

Este texto emociona, acho difícil ser mulher e não se identificar, com essas palavras, parece até absurdo que uma mulher não se comova com esse texto, é difícil também imaginar os mecanismos que levam uma mulher não ter empatia com outra, já que somos todas, umas mais outras menos submetidas ao machismo, tão injusto tão truculento e violento.
Machuca saber que existem mulheres que apóiam os homens que as humilham, queria poder compreender, mas só consigo sentir pena.

Priscila Boltão disse...

Gente, fiquei emocionada. Que texto lindo! Parabéns, Marcela.

Kássia Cruz disse...

Texto maravilhoso! Quão bom é conhecer gente esclarecida...

Jessica Machado disse...

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E uma imensa salva de palmas para este texto inspirador, sensível, avassalador, belíssimo!!!!!!!

Liana hc disse...

Lindo o texto. Essa é razão clamando apoio para que se torne ação. Quando vejo mulheres repetindo discursos machistas penso que aquela ali é alguém que chegou no fundo do poço. Se distanciou tanto da sua condição feminina que já não se enxerga mulher. Só o que sobrou é um subproduto feito para agradar homens que também estão partidos, incapazes de admirar inteireza nos outros(as). Acho que fazem isso por senso de auto preservação. Preconceitos estão em todo lugar, chega uma hora que a pessoa está tão calejada que não se sustenta mais sobre as próprias pernas, então ela tomba sob o peso de tamanha opressão. Ou ela cede ou enlouquece. Não sou dura no julgamento, enquanto grupo é preciso perseverar mas individualmente só quem pode avaliar os sacrifícios de não ceder só a pessoa mesma é que pode dizer. O melhor remédio para isso é a união.
Vejo o machismo, e tantos outros ismos, como um sintoma de uma sociedade que ainda não aprendeu a se responsabilizar por seus atos, que ainda não se vê como protagonista da própria felicidade, sempre esperando um salvador, um líder, aquele alguém que vai tomar nossas dores. Procuram alguém para tiranizar, assim não pensam nas suas limitações.
Penso que poucas coisas são mais importantes do que estimular a auto-estima e a solidariedade em crianças, isso por si só já mina sentimentos vulgares, prevenindo suas tristes aplicações e consequências. Belíssimo.

Liana hc disse...

Pois é.. Nada mais útil à leviandade do que a cegueira auto imposta. Torna tudo mais palatável.

Leila Silva disse...

Como concordo com você! Parabéns.

Experiência Diluída disse...

Lindo texto, é nesse sentido que temos que analisar a vida. Perceber que quando desconfiamos da outra ou julgamos o tempo todo, estamos afundando a nós mesmas, o melhor exemplo é quando ocorre alguma traição no relacionamento, e a culpa é de quem? Da 'puta' que forçou o homem a se entregar... fala sério né? Este é apenas um exemplo de tantas situações que agimos da mesma forma. É preciso refletir e mudar de postura urgentemente.

www.inalisilva.blogspot.com

Lisavietra disse...

Você disse TUDO; pronto! Mil ´vivas!´

disse...

Isso da falta de sede, me é tão familiar!
As duas mulheres que me são mais queridas, minha mãe e irmã, acham que feministmo é palavrão. "Credo! Esse livro é feminista."
É triste ver come essas duas mulheres relativamente inteligentes, se deixaram infiltrar a tal ponto pelo machismo e patriarcado, que não conseguem envisionar um mundo possível, ou sequer, querido, se ouver a presença da ideologia, ou mesma da simples palavra "feminismo."

Hamanndah disse...

Fasht falou, ou melhor, rosnou, ou relinchou, não sei ao certo:

"os homens não atacam do nada e mesmo se atacassem ainda assim a culpa seria da mulher"

Que beleza, Flasht, quer dizer que o homem não sabe porque está batendo, mas a mulher sabe porque esta apanhando?

É por causa de homens como vocês que existem ainda muitas mulheres agredidas.

Parece que você não lê direito

Quem, neste blog, está sugerindo que os homens sejam agredidos e as mulheres não.

Seu imbecil,

Aprenda

Agressão verbal não é motivo plausível para se agredir ninguém, homem ou mulher

Queremos punição tanto para homens que agridam fisicamente mulheres quanto para mulheres que agridam fisiicamente os homens.

Entendeu, seu machista idiota, ou quer que eu desenhe?

BURRO!

Fer Tiberio disse...

Belamente escrito.
Dá até pra ouvir sua voz quando a gente lê esse texto. Ele realmente deve ser lido em voz alta!
Parabéns!

Chanda disse...

Lola ,Lola...eu te amo cara !!!

Lillian disse...

Marcelinha!!!!!
To muito feliz em ler um texto sobre o feminismo que não seja o 'machismo' as avessas. Descoberto da revolta vingativa, da disputa destrutiva e do imperativo desejo fálico de Ter.
Nunca fui a favor nem de machismo, nem de feminismo por isso. Mas também não havia conseguido vislumbrar um feminismo tão humano e feminino.
Fico feliz em ter oportunidade de entrar em contato com esse conhecimento, com você!
Bjsssss

Letícia disse...

duro é que a maioria que vem parar aqui entende isso (tirando os trolls, que não querem entender... mas aí já é caso de cegueira, ou burrice, crônica). o problema é que eu não sei como explicar isso a uma mulher que está confortável demais no seu mundinho patriarcal, sabe? às vezes temo que ela só aprenda qdo acontecer o pior.

Letícia disse...

Lillian: mas o feminismo é isso, puramente isso! se vc não gostava antes, é pq não tinha conhecido o feminismo de verdade. não dê ouvidos às vozes que deturpam o feminismo e o confundem com esse "machismo às avessas". ninguém aqui quer ter direito de pisar em homens, bater em homens, exterminar os homens da face da Terra. nunca vi uma mulher verdadeiramente feminista defendendo essas besteiras!

Daní Montper disse...

Verdade, Laetitia. O feminismo sempre foi este descrito pela Marcela, nós queremos a igualdade e o respeito entre os gêneros e não a soberania de um sobre o outro.
Mas muitos deturpam esse conceito para invalidar o feminismo.
Ainda bem que existem mulheres como Lola e Marcela que destroem as baboseiras machistas e masculinistas sobre o feminismo.


OBS:
Eu sugiro a não responderem aos trolls, mesmo que vocês tenham muita vontade, pois eles não vêm aqui para debater, escutar e argumentar, aliás, nem sabem o que essas coisas significam, eles vêm apenas para ficar alfinetando as mulheres com sua misoginia nada disfarçada. Ignorem a existência deles para não poluirmos nosso debate e para que eles se recolham a insignificância deles. =)

mhag disse...

Estou sem palavras. Que texto brilhante, Marcela! Enviarei por e-mail para meus contatos para divulgá-lo. Tenho orgulho de conhecer pessoalmente a Marcela e de ser sua amiga. Não poderia esperar outra coisa dela: sensibilidade e força!
Parabéns à Marcela e ao blog.
"Nós vamos brotar!"

Unknown disse...

Esse texto me lembra um história que minha mãe me contou, quando ainda morávamos em uma "cabeça de porco".
Eu era pequeno e não lembro, mas uma vizinha nossa apanhava do marido, mas em silêncio. Quando minha mãe soube, disse pra ela, que quando ele viesse para cima dela, que ela gritasse, mas gritasse muito alto e começasse a jogar tudo o que tivesse por perto nele.
Ela fez, e depois disso, ele nunca mais tentou bater nela. Porque o machista é covarde, ele tinha medo que os vizinhos soubessem.
E realmente, o machismo é covarde, enquanto nenhuma voz gritar, ele continuara existindo.

Hamanndah disse...

Você, Flasht, é que disse, com todas as letras que "homem não sabe que está batendo, mas mas a mulher sabe porque está apanhando"

Eu sei ler muito bem e li, sim, no seu perfil que você costuma, ou gostaria, sei lá, "arrombar o c... das mulheres". Sexo anal pode ser muito bom para homens e mulheres, se feito com CONSENTIMENTO MÚTUO e CARINHO e não com "arrombamentos". Só um homem idiota como você pode colocar, juntos, sexo e agressividade


Então, somo nós, aqui no blog, que incentivamos violência contra os homens? Só você, que é muito burro e analfabeto, para dizer uma insanidade destas.

Eu, Hamanndah, sou a favor de dimunuir o tempo de trabalho dos homens de 35 para 30 anos

Eu, Hamanndah, sou a favor que o homem também seja protegido contra a violência praticada pela mulher, inclusive violência sexual e patrimonial.

E eu, sim, Hamanndah, já fui muito apaixonada por um homem cujas condições financeiras não são tão boas quanto as minhas.

Quer que eu desenhe?