sexta-feira, 10 de abril de 2009

CLÁSSICOS: JACKIE BROWN / Black power

Jackie em movimento. Ou quase (leia a primeira parte da análise antes).

Muito de Jackie Brown lida com o poder da protagonista. O bartender a trata com admiração. Ordell supõe que, quando ela vai a um bar, deve precisar usar “nigger repelent” (repelente de homens, talvez negros, mas ele usa a palavra nigger pra qualquer homem). Ela admite que “I do all right”, e ele insiste: “Aposto como você se sai melhor que bem”. Não é coincidência que na sua cena-chave, no shopping, em que ela toma uma decisão, ela está vestindo um terninho que lhe dá poder. Amo essa cena em que tudo gira em volta dela, criando uma grande vertigem.
Várias das cenas do filme são de Jackie em movimento. Ou melhor: a gente sabe que ela está em movimento (dirigindo um carro, andando numa esteira no aeroporto, frenética num shopping), mas não a vê mexer. É o que está em torno dela que gira e se mexe. É como se o filme dialogasse com ela: olha só, as coisas estão acontecendo e você está parada, quando vai agir? No final, a música explica, dizendo “eu fiz o que tinha que fazer”. Jackie cantarola a letra timidamente, com tristeza nos olhos. Sua tristeza é o enigma do filme. Por que ela está triste? Por não ter ninguém? Por não ficar com o único cara que a trata bem? Por imaginar que quatrocentos mil dólares não a levarão tão longe?E eu detesto rir disso, mas a morte da “gatinha de praia”, a Melanie, é divertidíssima. Não seria se a gente a visse sendo atingida pelo Louis, ou mesmo se víssemos o corpo dela estirado depois. Mas não vemos. Quer dizer, em Pulp Fiction vemos o John Travolta atirando sem querer no crânio do pobre estudante dentro do carro. Vemos seu crânio explodindo, os pedacinhos voando pra todo canto. E é hilário, pelo absurdo da situação. Muita gente critica o Taranta por essa cena - não deveria ser nada engraçado fazer rir de um branco atirando num negro. Ou um negro ser tão descartável. Mas ele não é mesmo um personagem importante. Importantes mesmo são o John e o Samuel L. Jackson, e o relacionamento entre eles. É quase um caso de amor. O John até pergunta, brincando, pro Samuel, “Você pode me dar uma massagem nos pés?”. Então, nessa cena do carro, rimos do acidente, da bronca que o Samuel dá no John, do John ficando revoltadinho com a bronca (como se fosse um casal birrento de longa data). No fundo, não estamos rindo do pobre rapaz assassinado. Mas também é verdade que não ligamos a mínima pra ele.Em Jackie, a gente liga pra Melanie. Ela é uma personagem petulante, cheia de vida, encantadora até, do seu jeito. Está quase sempre dopada. Adora fazer sexo (ouvimos isso mais do que vemos). E tem certeza absoluta que todos os homens ao seu redor são estúpidos. É hilário Louis não saber onde fica a saída do shopping, ou onde ele estacionou o carro, e a Melanie gozando dele a todo momento: “Tem certeza que você já assaltou um banco?”. Porque, pô, tá cheio de policiais no lugar, e como o burraldo não sabe onde está o carro? A gente sabe que ele está indignado com a situação, e já vem sendo violento com a Melanie desde antes de chegarem ao shopping. Mas a gente não tem a menor ideia que ele vai sacar uma arma e atirar nela! E essa surpresa é engraçada, inclusive porque ilustra e exagera o fato que homens não sabem lidar com adversidades, e são agressivos ao serem contrariados. Mais tarde Ordell, chateado por ter perdido seu objeto de maior valor, Melanie, reclama com Louis: “Você não podia apenas ter dado um murro na boca dela?”. Que é o modo que Ordell está acostumado a lidar com suas mulheres. Não que isso funcione para domá-las.
Por outro lado, o filme não é apenas feminista. Há todo um subtexto com outra opressão. O personagem do Samuel L. Jackson sabe muito bem em que mundo vive. Ele diz que a principal razão por estar com Melanie é que ela é branca, a sua gatinha da Califórnia. “Ter” uma loira (elas são vistas como objetos) é inacessível a negros pobres, e um símbolo de status para negros ricos, do chefão em Pulp Fiction (que tem a Uma Thurman) aos jogadores de futebol. Quando Ordell vai ao escritório de Robert, vê uma foto na parede dele com um negro que parece um armário. “Quem é ele?”, Ordell pergunta. Robert responde que é o sujeito que trabalha com ele. Mas Ordell insiste: “Ele é seu empregado e você é o chefe, é isso? Aposto como foi ideia sua tirar essa foto”. Robert fica calado, ansioso pra mudar de assunto.Tem também o lado de personagens que não conseguem deixar seus papéis. O funcionário de Robert repete “é o meu trabalho” em vários momentos. Mas o próprio Robert permanece imóvel. Quando Jackie lhe pergunta por que ele não fica com mais dinheiro, além dos 10%, ele insiste: “É a taxa que cobro”. Seu desespero é não ir atrás de Jackie. Bem antes, ele reconhece sua vaidade. Explica pra Jackie que, ao ficar mais velho, perdeu cabelo, e fez algo a respeito (não sabemos o quê). Ele também sabe quanto engordou desde que parou de fumar. Ele fala a sua idade (56 anos), fala de aposentadoria, de como está cansado. É provável que eles nunca mais se vejam. Ela vai pra Espanha e lhe mandará um cartão postal. No final, é só isso que vemos, e que precisamos ver: o rosto desolado de Robert, sabendo que perdeu sua última chance, e o rosto misterioso, talvez arrependido, talvez aliviado, de Jackie, pronta pra começar uma nova vida. Sozinha, como sempre. Porque ela já cansou de ser explorada pelos homens.

16 comentários:

  1. Precisava por uma seta branca no negao da foto, Lola???
    kkkkkkkkkkk
    Sobre o fato de loira ser simbolo de status para homens negros ricos, é uma verdade. Jogadores de futebol quem o diga. Em filme porno interracial isso é bem comum... Além disso, é muito difícil ver um homem branco transando com uma mulher negra. Na maioria das vezes, e quando tem uma negra num filme porno, ela transa com outro negro.
    Tb morri de rir com a morte do negro em Pulp Fiction. E eu faria massagem nos pezinhos do John Travolta. Tô nem aí.

    Ah, eu queria que vc comentasse tanto de Cabarét e Evita. Bjos!

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  2. Asnalfa, a seta branca na foto não é minha. Eu só peguei a foto na internet. Dificílimo encontrar alguma foto dele!

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  3. Lolinha,

    Off topic: vc leu a crônica do Veríssimo do último domingo, no "O Globo"? Se não...
    Leia, Lola, leia! é sensacional!

    A propósito, eu não tenho preconceito contra homossexual, mas não consigo evitar minha ojeriza a gente burra, se é que vc me entende!
    (espero que minha sutileza tenha funcionado, he he he!)

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  4. A primeira vez que vi o filme foi no Supercine, num sábado a noite e amei. Eu tinha uns 13, 14 anos. Lógico que naquela época eu não enxerguei tudo isso no filme. Na segunda vez, quando eu comprei o dvd, e já tinha mais de 20, eu percebi que o filme na globo foi cortado, e passei a ver outros subcontextos dos filmes, mas é sempre bom ver sua percepção, que é diferente da minha.

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  5. Essa Nylana, sou eu Vitor! Ela é minha prima/afilhada e tava logado como ela aqui no pc.

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  6. O que eu fiz Masegui? O burro a quem vc se refere sou eu?

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  7. Legal, Lola, adorei. Só uma observação: a transa da Melanie com o personagem do De Niro é uma das piores que já vi no cinema. Pra ele, parece um trabalho cansativo e pra ela, um tédio. A gente pensa, ui, ainda bem que foi rápido.

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  8. Nao li nao, Mario. Mas cadê o link? Aí talvez eu leia.
    Calma que a gente tem fé que ele vai se tornar uma pessoa inteligente.


    Vitor, ah é, o filme passa cortado na Globo? Quais cenas, as de droga? Felizmente comprei o filme em dvd e, portanto, nunca o vi na TV. Lembro que na minha primeira parte da análise vc comentou que odiava o personagem do De Niro por ele matar a Melanie. Vc não riu nessa cena?

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  9. Asnalfa, é, dessa vez eu nem acho que vc fez algo errado.


    Tina, pois é, nunca entendi aquela cena da transa entre o personagem do De Niro e a Melanie. Realmente é uma transa ridícula. Do ponto de vista dele, ficou a impressão que ele não transava faz tempo (havia acabado de sair da prisão e tal). Mas, e ela?

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  10. Lola: você só decepciona.

    Eu vi no seu post anterior o comentário que o Serge fez, com tanto tato, sobre uma bobagem que a tal de Jac falou sobre o filme Corra Lola Corra e essa idiota o atacou com grossura e você, em vez de defendê-lo ficou do lado da ignorante? Ainda o comparou a mim ou ao Asnalfa? Não há comparação. Eu e o Asnalfa estamos aqui para por a casa em ordem.
    O Serge não: esse é um dos comentaristas, com opinião, mais educados que freqüentam seu blog bocó. O que ele falou do filme esta correto. Ali, no filme, não há compulsão, há urgência. Inclusive, Jac, ele, o Serge, foi inteligente e delicado e fez uma brincadeira com você, que você não entendeu e retrucou com falta de educação. Você e a Lola são ignorantes e estúpidas!

    Neste blog realmente não vale a pena ser bonzinho.

    Serge; é por isso que isso que eu mando brasa nestas bestas

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  11. Asnalfa:

    Esse Masegui é um retardado!

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  12. Lola:

    O que o Robert fez a respeito da calvície foi um implante de cabelo. Isso fica claro no filme pelo olhar do personagem em questão.

    A sua burrice vai se espalhar pelos comentários de filmes também?

    Assim não vai sobrar nada!

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  13. I'm singing in the rain...

    I'm a retarded man
    I'm a retarded man
    I'm a retarded man

    Mary had a little lamb...

    "cantando" e andando procê...

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  14. Santiago:

    Com essa sua defesa a Lola vai ficar totalmente conta mim.

    De qualquer forma, obrigado!

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  15. Meu comentário será quite obnoxious, mas eu não ligo.

    Cara, Jackie B é mtoooooooooooooooo gata!


    Pronto, disse.

    Bjos

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  16. Não lembro quais cenas cortaram. Quando eu revi em dvd eu percebi que o filme era bem mais longo do que havia passado na tv. Não ri não, Lola. Fiquei chocado por ele ter atirado, pelo exagero do ato. Matou a moça como quem mata mosquito que tá incomodando. Eu achei ela tão carismática que dava vida ao filme quando aparecia. E eu adoro a Bridget, que é filha do Peter, neta do Henry, sobrinha da Jane, e sumiu de cena, já faz uns anos, depois que casou com o Danny Elfman.

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