sábado, 5 de julho de 2008

QUANDO OS AMERICANOS COMEMORAM SUA INDEPENDÊNCIA

Ontem foi 4 de julho, uma das datas mais celebradas nos EUA, já que é o dia em que os americanos cortaram os laços com a Coroa Britânica e declararam sua independência. É bom lembrar que os principais fundadores dos EUA eram descendentes de puritanos que vieram ao Novo Mundo para fugir da perseguição religiosa e, em 1776, doze anos antes da Revolução Francesa, exigiram sua independência. Essas eram pessoas extremamente religiosas – que, no entanto, optaram por separar Igreja e Estado, para não haver risco de uma nova perseguição.

Essas origens ajudam a entender porque hoje, enquanto a Europa se seculariza cada vez mais, os EUA permanecem um país muito religioso. Uma pesquisa recente indica que 92% dos americanos acreditam em Deus. E é esquisito: mesmo entre os que se dizem ateus, 21% crêem na existência de Deus ou de um espírito universal. 78,4% da população americana adulta é cristã. Dentro dessa maioria, 51% é protestante, 24% é católica, 1,7% é Mórmon, e 0,7% é Testemunha de Jeová. As outras fés, que não a cristã, representam menos de 5%. E 16% não tem religião, o que inclui ateus e agnósticos. Enfim, para 56% dos adultos americanos, a religião é muito importante em suas vidas – uma alta porcentagem, não encontrada em nenhum outro país desenvolvido. A pesquisa mostra também que a religião afeta a ideologia política. Mórmons e membros de igrejas evangélicas tendem a ser mais conservadores, enquanto judeus, budistas, hindus e ateus são mais liberais. Em questões como aborto e homossexualidade (que a direita cristã chama de “assassinato de bebês e perversão sexual”), isso fica ainda mais evidente. Entre as pessoas que vão à igreja regularmente, seis em cada dez acham que aborto deveria ser ilegal na maioria ou em todos os casos. Entre pessoas que não frequentam a igreja com regularidade, esse número cai para três em dez.

A pesquisa me deu uma pontinha de esperança, pois mostra que a imensa maioria dos americanos acredita que há mais de um caminho para a salvação. Eles não acham que só a religião deles contém A Verdade, e isso pra mim é sinal de tolerância. Mas então, por que tantos seguem falando como se só a Bíblia fosse a luz, usam o livro sagrado para justificar seu racismo e homofobia, e agora concentram toda sua artilharia na destruição de Barack Obama? Numa carta com o título “Exponha Obama”, a direita cita um discurso que Obama deu em maio: “Não podemos dirigir nossas caminhonetes [SUVs], comer o quanto quisermos, manter nossas casas aquecidas o tempo todo, e esperar que os outros países concordem”. Pra direita, uma declaração dessas equivale a ser anti-americano e a dizer que os EUA não são mais uma grande nação e que não merecem dominar o mundo e usá-lo como sua bomba de combustível. A questão do merecimento é essencial, já que tem raízes religiosas. Quando nós, brazucas, falamos que Deus é brasileiro, estamos brincando. Mas muitos americanos realmente acreditam ser o povo eleito. Só que americano não diz que Deus é americano. Os lemas deles são outros: “In God we trust” (“Em Deus confiamos”, estampada inclusive nos dólares) e “God bless America” (Deus abençoe a América). A confiança em Deus é pra que Ele siga “abençoando” a América. Quando acontece um furacão Katrina, a direita cristã prega que Deus está punindo o país por estar se afastando de sua religiosidade. Muitos evagélicos crêem que o Katrina serviu pra impedir que uma parada de orgulho gay se realizasse lá. E como boa parte da direita cristã é racista, veio a calhar que 80% de Nova Orleans fosse negra. Não eram só os gays que deviam ter pecados pra pagar.

A direita fica possessa com essa declaração do Obama e lembra que, na década de 70, com a crise do petróleo, outro democrata, o Jimmy Carter, pediu pra população usar menos o carro e manter as casas menos aquecidas. Isso é ultrajante para um povo que sempre fez o que quer e pensa que essa é a vontade de Deus. Eles chamam carros pequenos de “armadilhas de morte”. É incrível: se você não tem uma pick-up, você está correndo risco de vida ao dirigir um carro menor. Como se os carros se mexessem sozinhos, sem um motorista por trás. E como se fosse possível ter um mundo auto-sustentável com um país em que apenas 1% dos produtos comprados ainda é usado após seis meses de vida. Muitos americanos associam a cultura do desperdício ao American way of life.

Mas, felizmente, para cada membro da direita cristã que escreve que “Deus nunca disse que a escravidão de negros era errada”, e “Homossexualismo é como cuspir nos olhos de Deus”, existe algum americano mais liberal que vem com uma sacada dessas: “Eu acredito em Deus; é o fã-clube dele que me assusta”. Sem dúvida, trata-se de um país dividido, que nem o 4 de julho consegue unir.

Às vezes me parece difícil crer que os EUA, tão dependentes do petróleo e de um consumismo exagerado, ainda tenham alguma independência pra comemorar.O operário diz ao elefante, símbolo do Partido Republicano: “Não sou o cara mais liberal do mundo, mas é óbvio que vocês estão usando o casamento gay como uma manobra política barata”. O elefante responde: “Manobra política barata?! Você tá de gozação? Você não viu as faturas dos nossos consultores de campanha, viu?”

9 comentários:

  1. Concordo com vc ..Lola os americanos tem muito pouco a comemorar nesse "Dia da Independência" a começar pela investida nessa "guerra pelo ouro negro"...que parece que nunca vai acabar.(bom pelo menos se o próximo presidente assim o quiser)

    ResponderExcluir
  2. Olá lola...As vezes vem à tona aqueles casos das comunidades religiosas isoladas em que acabamos por saber que 23 meninas são filhas do mesmo lider religioso. Essas comunidades são da direita Cristã ou dos Evangelicos? Quem é Robert Muller?

    ResponderExcluir
  3. Olha, o problema do fã clube de Deus não é só ai não...

    Eles estão em todos os lugares e no Brasil o número cresce muito! Sabe como o brasileiro é néh?!?!? Adora copiar esse povo!

    Só fico muito triste de saber que a ignorância do povo é a maior arma dessas pessoas, colocando o povo contra ele mesmo!

    ResponderExcluir
  4. Lu, americano precisa, mais do que qualquer outro povo no mundo, encontrar rapidamente uma alternativa pro petróeleo. E precisa investir em transporte público e convencer o pessoal a deixar mais o carro em casa, porque senão fica difícil (mesmo com combustível alternativo).


    É verdade, Bobby, o problema do fã clube não é só nos EUA. Mas é que aqui eles são muitos (25% da população é born-again Christian), e muito mobilizados. Eles se envolvem muito mais com política do que os evangélicos no Brasil (que já se envolvem demais).
    E muitas dessas pessoas não têm só a "ignorância" como arma, não! Elas também têm armas de verdade. Adoram armas e acham que portá-las é um direito divino dado por Deus. Sério!

    ResponderExcluir
  5. Cavaca, entendo a sua dúvida. Pra mim, a direita cristã e os evangélicos são a mesma coisa. Escrevi um post sobre isso, pra esclarecer a nomenclatura, aqui, O que é a direita cristã?
    Tem os mórmons também, que não são evangélicos mas são parte da direita cristã. Tem um estado, Utah, que é praticamente todo mórmon. E lá eles já excluíram evolução e darwinismo do currículo escolar faz tempo... Mas sabe, outro dia vi uma provocação interessante de alguém da direita cristã, que disse que "nós", liberais, somos a favor do casamento entre gays, mas contra a poligamia. Não seria uma contradição? Achei interessante.
    Não sei quem é Robert Muller, Cavaca. Deve haver várias pessoas com esse nome. Tem um que é conhecido como "filósofo das Nações Unidas". Não acho que seja da direita cristã.

    ResponderExcluir
  6. Cada post seu sobre esse assunto parece um conto de terror.

    Já viu este teste?
    http://veja.abril.com.br/idade/testes/politicometro/politicometro.html

    ResponderExcluir
  7. Julio, seu link inteiro não coube aqui. Dá pra separá-lo em duas linhas, por favor?

    ResponderExcluir
  8. http://veja.abril.com.br/idade/
    testes/politicometro/politicometro.html

    ResponderExcluir
  9. Oi, Julio. Acabei de fazer. Bom teste, apesar de ser da Veja. Aborda a maioria das questões que define se uma pessoa é de direita ou esquerda.
    Pra mim deu o óbvio: "Você está no extremo do liberalismo de esquerda. Crê no estado como senhor absoluto nas questões de mercado, mas não admite interferência do governo nas liberdades individuais". Pra mim, bateu. E vc, deu o quê?

    ResponderExcluir