sábado, 17 de maio de 2008

CENÁRIO INSUPORTÁVEL

Ando lendo o excelente livro da Susan Bordo, Unbearable Weight: Feminism, Western Culture, and the Body (Peso Insuportável: Feminismo, Cultura Ociental e o Corpo). Ela diz que, em suas palestras, consegue distinguir facilmente quem tem que idade. O pessoal de uma geração mais antiga inclui homens que afirmam preferir mulheres “com um pouco de carne”, e gente que não consegue acreditar na persuasão da mídia: “todo mundo sabe que são apenas imagens, não sabe?” ou “dá pra simplesmente desligar a TV e não ser afetada”. Ela conta que, nessas palestras, sempre que alguém mais velho profere essas ingenuidades, uma pessoa de vinte anos expressa cinismo no olhar. Esse(a) jovem sabe perfeitamente bem que vive numa cultura em que “beleza interior” virou gozação.

No mundo deles, existe um tamanho zero [size zero], e isso é um símbolo de status. As dietas começam quando a criança tem 8 ou 9 anos. 'Epidemias de distúrbios alimentares' é coisa antiga, e ninguém mais quer ouvir falar nisso. O mundo deles é um em que anoréxicas trocam dicas de dieta na internet, participam em jejuns coletivos, dão conselhos sobre como esconder sua 'ana' dos membros da família, e compartilham fotos inspiracionais de modelos ultra-magras. Mas anorexia total não é a norma entre meninas adolescentes; a epidemia real está entre as adolescentes com hábitos alimentares aparentemente saudáveis, que vomitam de vez em quando ou fazem ginástica obsessivamente como manutenção anti-gordura. Essas meninas não apenas aparentam ser 'normais' como se consideram 'normais'. O novo critério que circula entra meninas é: se você se livrar da gordura através de exercício ao invés de vomitando ou tomando laxantes, você não tem um problema. O mundo deles é um mundo em que grupos de meninas vão vorazmente compartilhar uma pizza, mastigando e cuspindo cada pedaço, numa espécie de ritual coletivo. Elas têm um distúrbio alimentar? Claro que não – é só ver, elas comem pizza” (xxvii, minha tradução).

As feministas estão meio cansadas de dizer que, hoje em dia, toda mulher tem um distúrbio alimentar. Vivemos contando calorias, nos pesando, pensando em nossos corpos e em comida o tempo inteiro, sintomas típicos de anoréxicas e bulímicas. As meninas mais jovens não vêem nada de errado neste cenário: pra elas, sempre foi assim. É natural. Pra mim não é. Na década de 80, quando eu era adolescente, seria impensável professores de educação física instruírem suas alunas de quinta e sexta série a contar calorias e se exercitar até quando estão sentadas. Isso está acontecendo hoje nos EUA, e duvido que no Brasil seja diferente.

Sei que não é adequado comparar preconceitos, mas vi um vídeo interessante em que um pesquisador apresenta duas bonecas, uma negra e uma branca, para várias crianças americanas negras, e pergunta: “Qual a boneca feia? Qual a boneca chata?”. As crianças negras apontam pra boneca negra. Porque o racismo está tão impregnado numa sociedade em que o padrão de beleza é sempre loiro /olhos claros / cabelo liso, que é difícil uma criança escapar. O triste é que isso não muda com a idade. Neste caso, não nos tornamos mais sábias. Se tanto, internalizamos esses preconceitos e os transmitimos pros nossos filhos.

E, como hoje beleza é tudo, feiúra, principalmente gordura (viraram sinônimos), está associada com falta de cárater. A mensagem da mídia é que há toneladas de técnicas à venda para se fazer bonita e para emagrecer. Se você não conseguiu, é porque não tem tentado/consumido o bastante, ou porque falhou moralmente. Ou seja, além de gorda, sou ignorante e preguiçosa. Se existissem bonecas gordas e os pesquisadores quisessem testar crianças gordas pra saber quais bonecas elas acham mais feias, chatas, e burras, o resultado não seria igual ao da pesquisa com crianças negras?

17 comentários:

  1. Engraçado isso, porque conheço muitos homens de 50 e lá vai fumaça que não são tão assim "tarados por carne". Ficam até impressionados quando eu admiro uma mulher roliça. Meu pai era um deles. Acho que depende muito...

    Deve ser ótimo esse livro.

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  2. Então Lola, é insuportável mesmo isso tudo. e está tão na ordem do dia que eu fico impressionada. Tenho uma sobrinha que tem pavor de engordar desde os 5 anos. Não é exagero, se ela ouvisse alguém dizer que tal coisa engordava, nada fazia a pobrezinha comer aquilo. Até hoje, mesmo depois de muito trabalho, ela com 8 anos ainda tem horror de engordar, é uma coisa quase patológica, sabe? E me deixa muito triste. E outra coisa, não sei como é ai, mas aqui, todos os dias, em todos os círculos que eu freqüento, sai o papo de peso/engordar/emagrecer, é uma coisa irritante. Depois que comecei a pensar nessas questões e atentei pra isso fico impressionada como é comum esse papo.

    Outra coisa, isso de ser defeito de caráter é batata mesmo. Não sei se vc já leu, mas esse post da fal é maravilhoso e fala sobre isso, eu até postei ele no meu blog, e pelo menos comigo isso acontece bastante. Foi um post que me ajudou muito:
    http://nalu.in/392

    Não consegui o link direto pra esse post no blog dela, mas de todo modo é do dropsdafal.blogbrasil.com

    Beijos.

    Achei pedaços deste livro que vc fala no google books. e o que eu li da Susan Bordo até agora eu gostei muito. Vou ler os trechos e depois se for o caso eu compro o livro.

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  3. Errei o endereço do post, desculpa. É http://nalu.in/335

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  4. Gi, é verdade, não dá pra generalizar, mas após décadas de lavagem cerebral da mídia, hoje deve ser mais fácil encontrar um homem mais velho que goste de mulheres gordas do que um jovem.

    Nalu, é horrível isso! Ter horror de engordar aos 5 anos... É assim que o mundo tá. E não somos mais só a gente, mulheres adultas, que só falamos de dietas. Esse começa a ser o papo-padrão pras meninas também! A Naomi Wolf diz que é através dessa linha de conversa que conseguimos nos unir como mulheres. Só falando de dieta! Os homens têm outros tipos de "bonding", de amizade e identificação masculina, mas o que nos une como mulheres é falar de como odiamos nossos corpos!
    Obrigada pelo post, Nalu. Realmente: excelente. Fico feliz que haja blogueiras brasileiras tratando desse tema, porque é importante. Mais ou menos na mesma época que vc colocou o post da Fal no seu blog, eu publiquei este artigo:
    http://escrevalolaescreva.blogspot.
    com/2008/01/living-la-vida-lola-o
    -ponto-g.html
    (tem que por tudo junto numa linha).
    Já tem coisa que eu discorde no meu próprio artigo, mas ainda assim relato uma experiência pessoal de discriminação contra os gordos.

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  5. Lola, eu fui chamado de gordinho e baixinho pela Luiza..Vc quer algo pior que issoooo??hauhauahuahau

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  6. Oi Lola,
    antes de mais nada quero dizer que já participei da polêmica no blog do Leo. Desculpa se demorei pra responder seu chamado, mas eu estava incomunicável num hotel no Campeche, na Conferência Estadual GLBTT.

    Bom, sobre esse tema eu penso que há que se fazer um resgate de outros tipos de beleza não representados pelo mídia. Eu fico muito feliz quando vejo um filme onde a protagonista não segue o modelo de beleza típico e ainda assim consegue ser retratada como alguém sensual e bela. Nos filmes que eu acompanho isso é um pouco mais comum, embora não seja regra, às vezes eles pecam também.
    Tem um filme super pouco conhecido que se chama Robin's Hood, onde uma mulher negra bem acima do peso se relaciona com uma butch loira bem masculina. A história é meio fraquinha, mas achei o máximo que as duas conseguiram ser retratadas de forma sexy, instigante e sensual, enfim, possuidoras de beleza, cada uma à sua maneira.
    Acho que temos que criar um movimento em direção à essa desconstrução da beleza convencional. Temos que aprender que charme e sensualidade não tem nada a ver com os estereótipos perpretados pela mídia. Meu amigo gay até agora não entendeu direito o que eu acho bonito em uma mulher, ele me pergunta sobre esse ou outro símbolo de beleza e na maioria das vezes eu digo que não, que a acho bonita. Isto porque o ideal de beleza é muito pasteurizado, tudo igual, e exclusivamente voltado para um público hétero masculino, ou seja, não me contempla. Se eu pegar qualquer revista de moda ou algo do gênero, pra mim, é como se estivesse vendo paisagens... porque nada ali me estimula. Até acho que pode ter a ver com individualidade, elas não se destacam umas das outras, são todas parecidas...

    Um abraço,
    Renata.
    www.oraculodelesbos.blogspot.com

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  7. Pois eh, tive um momento triste com a minha nova turma ontem. Como eles vao ter que analisar comerciais, dediquei metade da aula para analisarmos juntos as imagens femininas em comerciais. Os homens da turma insistiram que "as mulheres nao se enganam que podem ou deviam parecer com as modelos da propaganda" e o pior, as mulheres da turma discutiram comigo que os comerciais de produtos de limpeza soh tem mulheres porque essa eh a realidade, que sao mesmo as mulheres que limpam. E quando fomos discutir os comerciais de cremes anti-rugas, ninguem se importou com o fato de que as atrizes todas era novas e perfeitas. Nao sei se eh soh a geracao antiga que se engana nao, viu.. como diz a citacao que voce traduziu, pra eles, isso tudo eh "normal"...

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  8. Anônimo, vc é o Sandro? Se for, eu nao te acho nem baixinho nem gordinho. Só sem absolutamente nenhum caráter mesmo! (vc sabe que eu te adoro, Sandrix).

    Rê, obrigada, já respondi lá tb. Eu já li em vários lugares que entre as lésbicas o padrão de beleza é bem mais esticado, menos padronizado, mais flexível. Mas tb li que isso tem mudado. Mas imagino que vcs ainda sejam menos obcecadas por "beleza" que muitos homens gays, ou não? Porque imagino que mesmo as mulheres lésbicas não escapem imunes à ditadura da mídia. Isso deve afetar vcs de alguma forma, não só como vcs aceitam o próprio corpo, mas tb em moldar o que fica sendo feio e bonito. Imagina pros homens heteros o que décadas de só ver mulheres magras, com pernas compridas, sem barriga e com tudo durinho faz? Este fica sendo o padrão único, e tudo que tá fora, tá fora. É como eu li num blog escrito por homem, óbvio (nem lembro qual), acerca de uma miss de 16 anos gordinha que ganhou um concurso na Inglaterra: "Vc come, mas não vai poder contar pros amigos que comeu uma miss". Ok, imagino que vc não sairia com um carinha que fala/escreve essas coisas nem se vc fosse hetero...

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  9. Andie, que triste. Eu odeio esse tipo de mentalidade, "É assim que as coisas são, sempre foram, sempre serão". Porque as pessoas que acreditam nisso crêem que 1) a gente nasceu assim, a sociedade nasceu assim, ninguém construiu nada, tudo veio provavelmente de Deus ou de um disco voador; e 2) que não dá pra mudar. E, se não dá pra mudar, pra que tentar? Por que espernear? Parece que os jovens perderam seu idealismo, não parece?

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  10. Essa história de comer demais e comer de menos já me deu muita dor de cabeça, e vai me dar pelo resto da vida. Meu ponto fraco sempre foi o estômgo.
    Esse ano, fiquei uns tempos com o apetite ruim por conta de uma gastrite e minha família já cai matando em cima falando que eu não como mais, que eu vou voltar a ficar anoréxica...
    Não vou dizer que não ligo se eu engordar, ligo e muito até, mas eu tenho senso do que pode acontecer se eu simplesmente parar de comer. Pelo menos eu acho...

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  11. Liris, querida, não quero te alarmar, mas acho que se você parar de comer, você morre. Então coma direito, por favor. Melhor ter uns quilinhos a mais que estar morta, não? Não tenha neura de engordar!

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  12. eu lembro bem quando eu entrei no colégio técnico e na primeira aula de ed. física a professora ia fazer aquela avaliação em que se mede a altura e se pesa a pessoa sabe? e TODAS as meninas da sala estavam desesperadas porque não queriam que ela falasse o peso em voz alta e eu pensei comigo mesma: meu Deus, elas são todas tão magras, por que tanto desespero?
    é assustador o que a mídia fez com as mulheres e mais assustador ainda que a grande maioria de nós estamos tão conformadas a ponto de nem perceber mais.

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  13. Sem que essas "saradas de academia" são bem cheinhas já reparou. Eu acho que que não há regra, não e pelo que vejo no Rio de Janeiro, ao menos, eles gostam de "carne". A única "exigência" (ai, que horror!) é o tal "corpo malhado". Nem gosto. Mulher precisa ser feminina. Mas esse assunto é tão vasto que feminilidade nem tem a ver com isso, né? ;-))

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  14. Corrigindo: "se bem que" saiu um "sem". ;-0

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  15. É verdade, Nita, e acho que vc faz a pergunta-chave: Pra que tanto desespero? E se as meninas não estivessem esqueléticas e fossem mais rechonchudas? Seria motivo pra tanta histeria coletiva?

    Gi, é tudo parecido. A obsessão pelo corpo é a mesma. Algumas mulheres passam fome pra tentar emagrecer, outras passam o dia na academia pra ter o corpo sarado. Mas essas do corpo sarado também tem horror à gordura. Elas querem substituir toda a gordura do corpo (natural no corpo feminino) por músculos.

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  16. Não se deve esquecer que o problema é o excesso ou a falta em tudo nessa vida. Obesidade, magreza em excesso ou "vaidade musculosa" em demasia são doenças. As três.

    Eu tenho até um texto/análise sobre esse tipo de mulher/nova sexualidade; nunca publiquei no meu antigo blog.

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  17. Ola Lola,

    Rs... tenho 23 anos e ajo exatamente como uma "velha"... dou muito menos aten'cao a aparencia e adoro pessoas (homens e mulherers) rechonchudas...

    Mas 'e triste mesmo, ver como as pessoas ficaram obcecadas com a magreza... uma vez vi uma menina de dez anos dizendo que precisava emagrecer... e ela nao 'e gorda, ela 'e normal. Eu lhe disse: vc esta em forma'cao ainda, nao fa'ca dieta sem antes consultar um medico com sua mae e ver se realmente precisa...

    E ela: ah, mas eu quero me manter mais magra porque 'e mais saudavel mesmo...

    O problema 'e esse, colocam saude numa magreza excessiva, quando a magreza excessiva causa paranoia e doen'cas tambem podem aparecer. E colocam a gordura como vila e detentora de todas as doen'cas, desde cancer ate problemas coronarios...

    Leio sei blog ha algum tempo, mas nao pude deixar de comentar nessa postagem.

    Abra'cos!

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