terça-feira, 9 de janeiro de 2007

O PONTO G

A cada dia que passa meu coraçãozinho perde mais fé na humanidade. Antes fiquei chocada ao saber que alguns negros não só não querem se juntar na defesa dos direitos de outras minorias, como odeiam mulheres e gays. Agora vi que vários homossexuais não dão a mínima pra outros grupos. Na “The Advocate”, revista-bíblia da comunidade gay, um leitor gay escreveu que não tá nem aí com os direitos dos transsexuais. Ou seja, se nem os membros da comunidade GLBT se apóiam entre si, esperar qualquer empatia entre qualquer minoria parece utópico.

Não é um caso isolado. Outra pancada que acompanhei esta semana vem do meu colunista sexual preferido, Dan Savage, que é gay. Ele deu um conselho horrososo a um leitor que não sente mais desejo pela esposa, recebeu trocentos emails, e, em troca, passou a atacar as mulheres gordas. Equivale a um membro de uma minoria bater numa outra minoria. Não sei se gordas se encaixam numa minoria, e se podem ser comparadas a outras minorias, já que, ao contrário de negros e gays, que nascem negros e gays (sim, gays também, este é o consenso mais recente), gordas optam por ser gordas. Puxa, é mesmo? Se fosse uma opção assim tão fácil, duvido que as gordas continuassem gordas, sabendo do estigma social que isso carrega. Isso inclui os homens gordos também, claro, mas acho muito mais difícil ser gorda que gordo nessa sociedade que, em pleno século 21, ainda espera que as mulheres sejam acima de tudo belas. Há um monte de gordas que comem pouco e fazem exercícios e não conseguem emagrecer. Mas é simples ser magra a vida toda podendo comer de tudo e sem se incomodar em frequentar a academia de ginástica: basta escolher pai e mãe magros. De preferência, opte por avós e bisas magros também, só pra garantir.

Eu fui uma criança magra. Assim que chegou a puberdade, minha magreza foi embora. Já tentei mil e uma dietas. A única vez que mantive meu peso ideal na vida adulta foi antes dos 30, durante sete anos, quando tomei anfetaminas que me faziam passar o dia sem comer nada. Ao parar com essa medicação, que todos dizem ser perigosa, o peso voltou. Sou saudável, tenho colesterol sob controle, mas é lindo ir ao médico pra tratar do ouvido e a primeira coisa que o sujeito me pergunta é: “Você já pensou em perder peso?”. Meu impulso é responder: “Não, hoje ainda não”. Quantos anos de vida uma mulher daria pra ser magra sem sacrifícios? Numa pesquisa com um grupo de obesas que tinham conseguido emagrecer, indagaram o que elas prefeririam, ser cegas ou gordas. 90% preferiu a cegueira. Por quê? Porque a sociedade costuma ajudar os cegos, enquanto despreza os gordos.

No começo do ano, em Floripa, um simpático vendedor de Herbalife olhou pra mim e afirmou que, se eu não emagrecesse, iria “vestir um paletó de madeira” rapidinho. Eu devolvi com um discurso: “Você se deu conta que preconceito contra gordos é o único preconceito socialmente aceito hoje em dia? Pega mal ser racista ou homofóbico, mas tudo bem afirmar que quem é gordo é pavoroso, imoral, doente, e vai morrer amanhã. E você tem o aval da ciência pra falar isso! Mas se esquece que, faz pouco tempo, a ciência também validava preconceitos 'provando' que negros e gays eram inferiores e doentes”. Não sei se aquele senhor mudou sua estratégia de vendas.

É verdade, odiar gordos tá liberado. Muita gente acha que esse ódio é inclusive um dever, porque se os gordos não forem maltratados, eles não vão se tocar e continuarão sendo gordos. Uma colunista americana que dá conselhos pessoais num jornal escreveu que recebe centenas de emails ultrajados do tipo “Por que você se incomoda com essa gente?!” sempre que sugere que qualquer um dos seguintes grupos é humano e pode ter sentimentos: muçulmanos (!), fumantes e gordos. Isso num país em que mais de um terço da população é obesa. Mas pelo menos os americanos têm termos menos pejorativos pras gordas – eufemismos como “full-figured” –, e movimentos de “aceitação das gordas” como o Big Beautiful Woman. O Brasil tem o quê? Tem no máximo o termo “fofinha” pra quem quer descrever uma moça sem usar o pior insulto que há hoje em dia, aquela palavrinha feia que começa com G.

6 comentários:

  1. tava vendo uns textos aqui e reparei que curiosamente esse não tem um comentário sequer. já vi alguns com até 98, creio que tenha posts com mais comentários até.me soou até irônico, não sei por quê.

    eu nunca fui magra, nem um por um período da minha vida. também nunca fui acinturada, quadris largos, seios fartos. tenho um corpo comum, meio barrigudinha é verdade, mas não chamo atenção pela gordura.

    meus pais nunca me fizeram achar que não fosse bonita, nem as pessoas ao redor. mas eu seria mais bonita se fosse magra. isso eu sempre ouvi.

    lembro quando tinha uns 11 anos e minha mãe inventou de me controlar numa dieta horrorosa. eu tomava sopa creme de ervilha no almoço enquanto minha irmã, mais magra que eu, comia macarrão e coisas gostosas.

    eu me sentia triste. de verdade. eu tinha apetite pra macarrão, feijão, arroz, carne e tinha que comer sopa. pão integral. iogurte natural. acabou que nem emagreci muito e voltei a me alimentar normalmente.

    há uns dois anos, minha irmã decidiu emagrecer, entrou pra academia e virou o exemplo que eu devia seguir. me senti meio envergonhada, por que pra minha mãe era falta de vontade minha. mas poxa, se eu não curto academia?

    ano passado acabei entrando em uma. malhei uns meses, mas detestando o ambiente, as pessoas. não fiz amigos, não encontrei pessoas interessantes. e quando trabalho e faculdade pesaram, eu saí.

    eu me sinto bonita, as pessoas me acham bonita também, mas eu sinto que podia ser mais se fosse mais magra. eu entendo que meu biotipo não me permite perder muito peso de uma forma saudável, o máximo que vou conseguir é perder a barriguinha e firmar a musculatura.

    mas nem isso tenho vontade de fazer e me sinto cobrada, por mim e pelos outros. queria achar que estou bem como sou e como estou, e acho que esse é o grande problema da minha auto-aceitação.

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  2. meu deus, outro post sobre gordos que quase ninguém comenta! falei disso no post sobre a paula do BBB, mas esse aqui é ainda pior! um ÚNICO comentário e ainda por cima de uma pessoa 'gordinha'

    eu tb já vesti 44 e fui perseguida, mas vendo minhas fotos, acho honestamente que não tinha nada demais em mim. sim, eu era um pouco mais gordinha, mas era linda, tinha um corpo bonito, com gordurinhas, barriga, mas e daí?

    precisei chegar ao meu tamanho atual pra ver isso. e hoje me sinto feia, mesmo sabendo q isso n devia importar tanto

    mas como, se importa pra todo o resto da sociedade? quer dizer, quando os seus leitores, que tem um nível super alto, são informados e inconformados com as injustiças, NÃO SE IMPORTAM com o preconceito contra os gordos, é sinal do fim dos tempos mesmo... pelo menos pra mim, que sou gorda (sim, privilegiada. classe média baixa, mas instruída. gorda, mas com 2 braços, 2 pernas, olhos e ouvidos perfeitos)

    mas, ainda assim, gorda.

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  3. Calma, anônima e Laíza! Ninguém comentou este post porque ele foi publicado apenas no arquivo. É que ele é de 2007, e o blog só começou em janeiro de 2008. Eu pus um monte de textos meus pré-2008 no blog, mas quase nenhum tem comentários. Se vcs clicarem na tag “Aceitação do corpo” vcs encontrarão mais uns 30 posts como esse, e com vários comentários. Por exemplo, deem uma olhada neste, sobre a mulher do Pierce Brosnan, neste, sobre uma peça de teatro sobre uma gorda, e este, sobre o famigerado rodeio de gordas. Vcs verão bastante empatia pelas gordas.

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  4. Sou mais uma que sofre com peso, tanto que minha mãe me convenceu a ir na nutricionista "por causa da saúde".
    E tem isso mesmo que você falou, xingar uma pessoa de gorda não é tão ofensivo em comparação a xingar uma pessoa de bicha ou negra. Acho que nunca pensei num argumento como esse dessa forma - na situação em que você esteve com o vendedor.

    Eu acho foda tudo isso, você precisar sacrificar a comida gostosa pra se sentir aceita socialmente. Já fui mais magra quando criança, acho que comecei a engordar com uns 6, 7 anos pra cima. Com 10 ou 11 anos eu já era visivelmente gorda, e sofri muito por causa disso na escola. E hoje tento controlar o que como, tento fazer um mínimo de exercícios andando de bicicleta, mas ainda assim tem aquela dificuldade de emagrecer (e qual não foi a minha surpresa de quando eu fiquei com o peso igual da minha irmã, poucos centímetros mais alta do que eu, mas que tem um corpo consideravelmente mais magro?), tem a compulsão, essas coisas.

    Bem, eu só queria desabafar mesmo, e dizer que estou adorando os seus textos, são muito claros e com fundo de verdade. Parabéns Lola!

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  5. É muito triste ouvir comentários a respeito da sua saúde da própria família. Morei 4 anos e meio longe de casa e toda vez que vinha visitar era aquela conversa chata da minha mãe, que disfarçava o papo de emagrecer falando de saúde mas no fundo era só por causa da aparência. Porque quando era mais magra era mais bonita.

    Sei que não sou um exemplo de saúde, por ser sedentária. Mas meus exames estão todos normais - colesterol, diabetes, pressão, tudo ok. E sei que seria bom fazer um exercício. Mas acho que pra ficar com o corpo que todo mundo "aprova" teria que ser muito mais que a caminhada recomendada pelo médico. E aí? Tenho certeza que ainda ia ouvir críticas ao meu peso se fizesse a tal da caminhada.

    Muito triste ser julgada pela aparência...

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  6. Pra começo de história, já fui magra, engordei, emagreci, engordei de novo e muito mais. Hoje sofro, junto com uma colega da minha sala, todo dia vendo e sentindo na pele como as pessoas julgam o gordo, mesmo saudável, como doente. Não sei como isso, deve ter ma placa dizendo que tanto de tecido adiposo significa CERTAMENTE que a pessoa tem colesterol alto, é sedentária e etc. Fora os casos de gente que só porque é mais alta que você, com o peso igual, ainda aparenta mais saúde. Hoje em dia gordo é como a praga debaixo do tapete da casa. Ninguém quer ter em casa, fazem de tudo pra esconder. Porque é simplesmente inadmissível a sujeira, mesmo sendo um ambiente, mesmo tendo pessoas residindo e mesmo sendo perfeitamente normal...

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