segunda-feira, 8 de janeiro de 2007

A GUERRA CONTRA O NATAL

Esperando pra falar com o diretor da escola, as crianças explicam o que fizeram de errado: "Eu disse a palavra m***a", "Eu dissa a palavra f**k", "Eu disse Natal".

Este é o meu primeiro e provavelmente único Natal nos EUA, então não entendo bem as coisas. Mas parece que a Fox já vem fazendo uma campanha há vários anos para salvar o Natal. Preciso esclarecer uns detalhes. A Fox é representante oficial da direita cristã (e um em cada quatro americanos é o que chamam de “born-again Christian”, os cristãos evangélicos). Pra essa rede de TV, a pior cidade americana é São Francisco, na Califórnia, símbolo de tudo que há de mais terrível nos States, e primeiro lugar a ser castigado pela ira divina quando Jesus voltar à Terra, o que está cada dia mais próximo. Se dependesse da Fox, o Bush já teria mandando bombardear Irã e Venezuela há pelo menos dois anos, além de construir um muro pra conter os mexicanos que querem invadir a terra das oportunidades. A Fox odeia qualquer um do Partido Democrata, que pra ela é tudo esquerdista, e vive posando de neutra, imparcial e objetiva. Mais ou menos como a nossa “Veja”.

Pois bem, já tem tempo que a Fox coleta dados de que liberais, secularistas e ateus querem acabar com o Natal. Começou com gente desejando “Feliz Feriado” (pra não ofender quem não é cristão) ao invés de “Feliz Natal”, o que pra Fox significa um tabefe contra a tradição e um golpe contra a liberdade religiosa. É verdade que colocar presentes embaixo da “árvore do feriado” soa absolutamente ridículo, mas, de acordo com todas as fontes menos a Fox, esse excesso do “politicamente correto” foi limitado. Foram casinhos isolados. No entanto, a emissora deu uma cobertura escandalosa a qualquer repartição ou loja que ousasse omitir a palavra “Natal”. Agora parece que as notícias desse tipo minguaram, o que levou a Fox a dar o seu veredito: a guerra contra o Natal acabou, e nós vencemos. “Nós” é a direita cristã, lógico. Ah, bacana. Não seria lindo se todas as guerras pudessem ser criadas assim do nada e, melhor ainda, terminadas por decreto, sempre com a vitória dos mocinhos? Porque isso de ter que esperar Hollywood lançar “Rambo” e afins mostrando o que realmente aconteceu no Vietnã (vencemos) é tão demorado... Vamos ver se até o próximo Natal a guerra do Iraque já tenha terminado. E, aproveitando, boas festas!


Pior Lugar do Mundo pra se Participar de um Reality Show

Tá certo que os prêmios de um milhão de dólares são ótimos, mas sabe aquilo que a gente ouviu sobre “O Aprendiz” dos EUA ser muito mais anti-ético que o do Brasil? É verdade. Bom, ainda não vi o programa em questão, mas esses dias vi a final de um “Survivor” da vida (que a Globo adaptou para “No Limite”). Quem ganhou foi o participante mais manipulador e mentiroso. E todos diziam: “Parabéns, meu chapa, você jogou muito bem”. Aqui quem não for extremamente competitivo é considerado um frouxo, um loser. O clima na faculdade é diferente ao do Brasil. Posso estar sendo ingênua, mas no meu doutorado na UFSC não me sinto competindo com minhas colegas. Penso que estamos todas no mesmo barco, ninguém passa a perna em ninguém, todo mundo se ajuda. Aqui nos EUA não é assim.

Outro dia conversei com um americano muito querido. Ele tem só 19 anos e faz Administração. Apesar de ser uma ótima pessoa, ele está doutrinado, sem dúvida: acredita que o importante é ser bilionário, não apenas pra poder comprar tudo que quer (inclusive mulheres), mas principalmente pra mostrar que se deu melhor na vida que o vizinho. Ele nem pisca ao repetir tudo que ouviu desde que nasceu. Tentei argumentar com ele que não é necessário ser milionário, que basta calcular quanto se gasta por mês, multiplicar isso por 200, e pronto – com esse valor no banco, dá pra parar de trabalhar e viver de renda até morrer (ou seja, digamos que suas despesas fiquem em torno de mil reais mensais. Multiplique isso por 200, dá 200 mil. Claro que é uma fortuna, mas é menos inatingível do que quando nos falam dos milhões que deveríamos ter). Essa conta não funciona por aqui porque americano não faz conta mensal. Eles calculam seu salário por hora ou por ano, nunca por mês. Meu amigo riu da minha matemática. Disse que mil dólares por mês pra despesas não dá nem pro cheiro (e ele é adolescente), que precisaria no mínimo de 3 mil. Então tá, 3 mil vezes 200 dá 600 mil dólares, ainda bem longe dos milhões. Mas ele insistiu que uma renda de 60 mil dólares por ano é uma miséria. “Isso é o que o meu pai ganha”, falou o rapaz, cheio de desdém. O pai dele tá acima da média, que é de 48 mil dólares por ano por residência nos EUA. Mas aqui estar na média é visto como total falta de ambição. Coisa de loser.

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