terça-feira, 11 de dezembro de 2007

CRÍTICA: LEÕES E CORDEIROS / Eles fazem guerras e filmes sobre guerras, não fazem?

A Fox, grande porta-voz da direita cristã nos EUA, mandou boicotar “Leões e Cordeiros”, mas nem precisava (como disse um crítico, “Leões” não deve bater “Titanic” na bilheteria). O pessoal tá cansado não só do envolvimento americano no Iraque, mas também de filmes que lidam com esse tema incômodo. Eu mesma, se pudesse, evitaria histórias do gênero, se bem que por outros motivos. É que eu geralmente acho esses filmes a maior patriotada. Por exemplo, a Fox considera “No Vale das Sombras” anti-americano, principalmente pela cena final, em que o Tommy Lee Jones (presença garantida nas indicações ao Oscar) pendura uma bandeira meio gasta dos EUA de cabeça pra baixo. O que eu vejo nessa cena? Um veterano do Vietnã, com o maior orgulho de ter servido o seu país, hasteia a bandeira que seu filho, outro soldado, lhe deu. Ou seja, só falta todo mundo no cinema levantar, pôr a mão no peito e cantar o hino. Ok, a Fox faz campanha até contra bobices como “Fred Claus”, não porque deve ser uma bomba incontestável, e sim porque a tal comédia desrespeita as tradições cristãs (eles não têm mais o que fazer, pelo jeito). E aqui é assim: você pode até ser contra a invasão do Iraque (agora!) e querer que o governo retire as tropas de lá, mas você jamais critica o exército americano. Os soldados são heróis, sacou? (a direita cristã, revoltada com o prêmio dado ao Al Gore, disse que quem merecia o Nobel da Paz era... o exército americano! Isso, vamos dar Nobel da Paz pra quem faz a guerra!). É difícil entender, porque nós, brasileiros passivos e pacíficos, não temos esse contexto de querer dominar o mundo. Vou tentar passar o contexto: vamos imaginar que a gente invadisse a Bolívia porque nacionalizaram o gás que a Petrobrás pensava que era dela, invadisse a Venezuela porque quem o Chavez pensa que é, o Paraguai porque os produtos deles são quase piores que os da China, e a Argentina porque – bom, ninguém precisa de pretexto pra atacar a Argentina. Agora imagine que a gente vem fazendo isso há umas seis décadas. Não passa ano sem que a gente invada um paísinho aí que contrarie os nossos interesses. Pra isso, claro, precisamos ter um exército gigantesco e gastar a maior parte do nosso orçamento em armas. Imaginou? Assim dá pra começar a entender os EUA e a importância dos soldados por aqui. É impressionante como em todo lugar a gente conhece veterano de guerra. Porque não é uma guerra só, é um monte.


Ahn, e o que essa longa introdução tem a ver com “Leões”? É que “Leões” é sobre americanos metendo o bedelho no Afeganistão (e, por tabela, no Iraque). O filme não é muito bom (outro crítico o definiu como “Ibsen com helicópteros”), mas é instigante. Pelo menos traz uma certa discussão à tona (tudo que a Fox não quer). O problema é que várias cenas são cheias de falatório, entrecortadas com imagens de soldados em combate. Essas cenas de ação são um porre por mostrarem tudo que já conhecemos – o heroísmo e a honra das forças armadas, acentuado por aquela trilha sonora melequenta que tenta nos emocionar. Olha, sorry, mas se eu odeio guerras, não tenho como aplaudir exércitos. E um bom debate não faz um bom filme.

Há coisas atraentes em “Leões”, principalmente o elenco. O Tom Cruise faz o senador mais lindo e sexy da história do cinema. Eu até votaria nele, se ele não fosse um republicano asqueroso (refiro-me ao personagem, não ao Tom que, apesar de ser um louco da Cientologia, vota nos democratas). A Meryl Streep está ótima como sempre como a repórter que finalmente entende que ela faz parte do esquemão. Inclusive, recomendo este filme pra todas as faculdades de jornalismo, ainda mais se der pra pular todas as tramas paralelas que não sejam os diálogos entre a jornalista e o senador. E o Robert Redford prova que a vida não acaba aos 70. Ele não apenas dirige “Leões” como também interpreta um professor liberal. Como ator, ele hoje adota um visual meio embaraçado. Sério. Às vezes ele parece estar fora de foco. A gente continua admirando o cara porque ele fundou Sundance e é um ativista político. Também ajuda que ele tenha sido sex symbol de toda uma geração.

Mas “Leões” não se define. Assim como a gente fica sem saber o que o professor quer que seus alunos façam (lutem em guerras? Virem homens-bomba? Concorram ao Senado? Vão até a esquina comprar rosquinha pra ele?), o filme tenta atirar pra todos os lados. Todos os filmes de guerra daqui são muito light em criticar os ideais americanos, porque seu público-alvo é, dãã, o espectador americano. É um tal de “Não queremos ofender ninguém! Amamos nosso país! Viva o exército!”. E não adianta fingir ser pluralista, já que pra direita cristã Hollywood é um antro de perversão, todos os astros são gays liberais que vão arder no inferno, e qualquer filme que saia de lá falando do Iraque vai ser invariavelmente anti-americano.

P.S.: “Leões” faz várias referências ao império romano. Seria inteligente se isso revertesse a apatia americana, mas suspeito que uma boa parte do pessoal daqui ache que o império romano não acabou e que lá eles vestem togas.
P.S.2: O Michael Peña, que faz um aluno que se alista, precisa urgentemente fazer um filme em que ele NÃO esteja imobilizado correndo perigo em algum lugar escuro. Primeiro “As Torres Gêmeas”, agora o Afeganistão. Será que ele protagoniza “P2”, o thriller de uma vítima perseguida por um guarda noturno num estacionamento?
P.S.3: O Robert Redford já dirigiu coisas mais inspiradas, especialmente no que envolve ritmo e emoção. Tô falando de “Gente como a Gente”, até daquele filme com a Sonia Braga, “Rebelião em Milagro”, e de “Quiz Show”. De “Nada é para Sempre” e “Encantador de Cavalos” eu nunca fui grande fã. Mas me mato de chorar sempre que vejo “Gente”.

P.S.4: Não é só o Theodore Roosevelt que pensa que, entre o correto e a paz, deve-se optar pelo correto. É toda a América. O correto, no caso, é qualquer coisa que vá contra os EUA, porque americano acha que tem a obrigação moral de levar seu estilo de vida (que eles apelidam de “democracia”) a todos os cantos do planeta, já que foram eleitos por Deus. E aí eu tenho que ter medo que os fanáticos do Irã usem a bomba atômica?!

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