O Will Smith faz um carinha que sofre, sofre, sofre, mas finalmente se dá bem. Digamos que ele sofra durante 95% do tempo e se dê bem nos 5% finais, quando legendas explicam que pouco depois ele ganhou seu primeiro milhão de dólares. O Will descola um estágio não-remunerado após montar o cubo mágico. Tá, eu sei que era muito jovem na época, mas, que eu me lembre, quando eu montei o tal cubo, ninguém me ofereceu estágio na bolsa de valores. A primeira vez de resolver o cubo foi difícil, mas as vezes seguintes não tiveram muito segredo. E olha que eu nunca fui um gênio matemático.
Fora absolutamente ninguém mencionar que o Will é negro, há três mulheres no filme. Uma é a mulher dele, a Thandie Newton, magérrima, coitada. O próprio herói dá o seu parecer: ela é fraca. Não acredita no seu homem. Todo o cinema sabe que ele chegará lá no final, menos ela. Por isso, além de fraca, é uma burralda. Outra é uma asiática, dona da creche onde o filho do Will fica (o guri é filho do Will na vida real e não tem três, mas quatro nomes. Se quiser se tornar o astro que seu pai é, precisa se livrar de uns dois). Ela é incompetente, porque não sabe soletrar felicidade (aliás, a julgar pelo título do filme, e pela ênfase que dão ao “y”, parece que o espectador americano médio também não sabe. Primeiro aparece a letra “y” em amarelo. Depois ela brilha, pisca, é sublinhada, e posta em negrito. Daí o Will repete como se soletra a palavra corretamente umas três vezes. Tomara que o pessoal tenha aprendido. Quem disse que cinema não pode ser um programa educativo?). A asiática analfa deixa o garoto vendo TV o dia todo (oh! oh! Fato inédito na história da humanidade!) e faz com que crianças convivam com seu pastor alemão. Pena de morte pra essa mulher! Só podia ser asiática, a maldita vietcong! A terceira dama é uma hippie. Deixe-me repetir: uma hippie, sabe, símbolo máximo da contracultura, fora do mercado de consumo? Esta ousa até roubar o nosso herói. Pô, como permitem que essa escória ande livremente pelas ruas? Vamos comparar com os homens brancos do filme. Todos, tirando um, que trata o nosso herói como criado, são bonzinhos. Levam o Will a um jogo de futebol, são francos com ele, até devolvem dinheiro que pegam emprestado. Não resta dúvida que quem emperra a América são as mulheres. Não as mulheres-troféus dos homens brancos (ausentes do filme), mas essas minorias negras, asiáticas, e hippies. Buu! Buu! Fora com elas!
Outro obstáculo pra melhoria da nação é o governo, que não faz nada além de aplicar multas. Até enfia a mão na conta do cidadão honesto pra cobrar impostos, fazendo com que nosso herói e seu filhinho tenham que dormir num banheiro público (maior e definitivamente mais limpo que a minha casa). Quem precisa de governo? Vamos deixar as corporações regerem as nossas vidas, porque elas sabem o que é bom pra gente. Por exemplo: estágio de seis meses, não remunerado. A empresa é tão camarada que permite que um bando de homens trabalhe lá durante meio ano e faça um montão de dinheiro pra ela. Puxa, que altruísmo louvável!
Um antídoto eficaz pra “Felicidade” é esse pequeno grande filme chamado “Pequena Miss Sunshine”. Os filmes são opostos. Enquanto “Miss” critica a divisão entre vencedores e perdedores, “Felicidade” bate palmas pra essa divisão, associa dinheiro à felicidade, e reitera a velha lenda dos EUA como terra das oportunidades. O Will consegue se dar bem porque é um lutador e não desiste nunca. Já as dezenas de pessoas (quase todas negras) na fila de uma cama pra passar a noite merecem estar lá, porque obviamente não se esforçam pra sair dessa situação. Ou seja, “Felicidade” é o novo campeão de audiência pra quem acredita em palestras de auto-ajuda e histórias de superação. Já eu prefiro o Will de “Homens de Preto”, antes salvando a Terra dos alienígenas do que fazendo propaganda do capitalismo selvagem.
P.S.: Existem filmes sobre dinheiro mais críticos ao sistema. Um é “Wall Street, Cobiça e Poder” (87), do Oliver Stone, que mostra o Michael Douglas como um vilão muito sedutor, daqueles que aconselham que, se você precisa de um amigo, compre um cachorro. Mas claro que “O Sucesso a Qualquer Preço” (92) é um filme melhor. A palestra inicial do Alec Baldwin é realmente inspiradora: o primeiro prêmio pra quem vender mais é um carro, o segundo é um jogo de facas, o terceiro é você está despedido.
Lola, nem de longe tenho o conhecimento ideológico que você tem e só assisti ao filme ontem. Concordo com muitos aspectos, mas o ponto da mulher dele ter ido embora me pareceu bom, para mim, ela é uma mulher independente que mantinha a casa se cansa de esperar uma melhora de vida que é tão distante que nem aparece efetivamente no filme (só é narrado). Quanto aos brancos, me pareceram todos caricatos; acredito que a intenção era essa mesmo, revelar a falsidade de uma burguesia, que aceita qualquer um que lhe dê dinheiro. O protagonista estava sempre fingindo que estava tudo bem e eles, tolinhos, acreditavam, ou fingiam acreditar, porque não era o bem-estar alheio que os interessava, mas o que os outros podiam fazer para aumentar sua renda.
ResponderExcluirTinha adorado esse filme quando o assisti e pensei que a crítica seria bem doce, mas foi salgada. rsrs Na verdade eu não tinha percebido essa atmosfera capitalista e machista, além de preconceituosa. Bom ter outras opiniões e abrir os olhos para certas coisinhas. :)
ResponderExcluirmas se dinheiro é tão ruim assim e não traz a tal felicidade, pq vc anda tão desesperada pra vender seu livrinho, Lola?
ResponderExcluirAmigo quando for fazer um artigo como esse tente resumi-lo sem reprimir seu pensamentos, e também não o deixei tão longo pois acaba ficando tedioso de ler e assim como eu muitos acabam nem lendo tudo
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