Devaneios vulgares e antropofágicos à parte, corra pra ver “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, que provavelmente, por ser nacional, ficará bem pouquinho tempo em cartaz. É uma adaptação bastante fiel do romance do maior escritor brasileiro, Machado de Assis. “Memórias” foi ditado por Machado à sua esposa em 1881, e, portanto, tem um jeitão coloquial e pouco linear, que se conserva bem no cinema. Quase todas as frases mordazes do livro aparecem no filme, como a célebre “Marcela amou-me durante quinze meses e onze contos de réis”, e “Matamos o tempo, mas o tempo nos enterra”, entre muitas outras. O protagonista e narrador é um defunto chamado Brás Cubas. Por favor, não reclamem que estou contando o final: ele morre. Logo no começo. E como não se enternecer com um sujeito que descreve a mãe como “uma senhora fraca, de pouco cérebro e muito coração”?
Brás é rico, tem quase nenhum amigo (menos de uma dúzia de pessoas comparecem ao seu enterro, e o orador do discurso foi pago), é meio rabugento e solitário e nunca trabalhou em toda sua existência. Um perfeito vagal. Mesmo assim, ele se sente à vontade para mandar que seu melhor amigo, Quincas Borba, trabalhe. Não é um cara simpático, mas, tal como Dom Casmurro, seu sarcasmo é cativante. É por isso que Reginaldo Farias está ideal no papel. Seu olhar e sua voz transmitem a peculiar zombaria do personagem.
Embora o filme de André Klotzel (do fraquinho “A Marvada Carne”) seja uma comédia, ele não é muito engraçado. Não espere um pastelão, porque o texto de Machado não se sujeita a isso. As falas e as imagens produzem um humor negro sutil e venenoso. Não acho que o público que não entenda ironias vá compreender a obra. Sabe, esse público que ri de palavrão ou de escorregões em casca de banana, esse que precisa ouvir a piada três vezes antes de rir, claramente não apreciará Machado de Assis. É louvável que turmas escolares de adolescentes estejam sendo levadas para assistirem ao filme, mas, assim como esta platéia não tem maturidade para ler um grande autor cheio de “vós” e “tu”, ela tampouco se deliciará com a graça de um cadáver nostálgico. “Memórias Póstumas” está a anos-luz de “Quem Vai Ficar com Mary”, por exemplo. Estas comédias habitam galáxias diferentes.
Não seja preconceituosa, Lola. Amo Machado de Assis desde os 17 anos de idade. ;)
ResponderExcluirEu me apaixonei pelo Machado aos 15 anos, e já conhecia muito bem a melancolia... Alias, acho q adolescência é a época mais melancólica da vida.
ResponderExcluirPrimeiramente, de de desculpe-me por ressuscitar a postagem, mas....
ResponderExcluirPor mais que o livro "Memórias Póstumas de Brás Cubas" seja uma obra magnífica, certamente ese filme passa longe. Com raríssimas exceções, elenco sofrível, mulheres que não condizem com a beleza física das personagens, e diálogos mecânicos. Resultado: A maior parte das tomadas é um verdadeiro martírio. O único mérito do longa é preservar e literalidade do livro, coisa insólita em meio a essas adaptações cinematográficas.