quarta-feira, 30 de novembro de 2005

CRÍTICA: NO MEIO DA RUA / Pobre país rico em belo filme

Admito que torço o nariz toda vez que ouço a expressão “filme pra família”, porque logo lembro do padrão Disney de qualidade, com aqueles bichinhos alienados falando nada que possa chocar a sensibilidade do público. O release de “No Meio da Rua” dizia que era um filme-família, e eu pensei: Ihhhh, lá vem... Mas não tem nada a ver. “Rua” é belíssimo, cinema de primeira, que me fez chorar feito uma condenada.

Sabe aquela velha rixa entre os críticos do cinema nacional? Tem aqueles que falam mal de filme brasileiro porque enfoca os pobres, prejudicando a imagem do país no exterior, e tem aqueles que criticam justamente quando o filme retrata o universo alienante da classe média. A verdade é que há várias realidades sociais no Brasil, e poucas produções conseguem tratar de várias ao mesmo tempo (acho que “Cidade de Deus” e “Cronicamente Inviável” abordam bem esse tema). Bom, “No Meio da Rua”, de Antonio Carlos Fontoura, faz essa ponte, digamos, com perfeição. Sua pré-estréia acontece agora em julho, no meio da 4ª Mostra de Cinema Infantil de Florianópolis. O filme começa mostrando o universo de um garoto rico, opa, de classe média alta (notou que, de acordo com a mídia, não existe rico no Brasil?). Sua agenda aos 8 ou 9 anos já é tão ocupada com aulas de inglês, informática e tênis que não sobra tempo pra brincar. E no meio do caminho ele conhece um menino pobre, que vive na favela do Vidigal e faz malabarismo pelas ruas do Rio pra ganhar uns trocados. O que aproxima os dois é um joguinho de videogame. Ou seja, é uma fábula urbana, né? Na vida real o vidro escuro e fechado do carro blindado se encarregaria de separar um do outro. Mas aqui o pobre menino rico passa uns dias com seu novo amigo. Essa é minha única crítica ao filme, que as crianças pobres pareçam tão mais felizes que as ricas.

Muito mais coisa acontece, claro, e pouco a pouco “Rua” vai se transformando num filme de terror pro público-família de classe média. Pra mim, o videogame já traduz o clima da aventura: tudo é bonito e divertido, mas tem umas gotinhas de sangue ameaçando sujar o quadro. O elenco é todo ótimo, a música do João Bosco no final é arrebatadora, e há pelo menos uma cena inesquecível, quando a meninada na favela imita os ricaços andando de carro, e o garoto rico imita um pedinte. A tensão social nesse pedaço é fortíssima, e me fez lembrar da Daslu, loja pra grã-finos recém aberta em SP. Atrás do shopping super luxuoso tem uma favela super miserável. Esses vizinhos nunca vão se encontrar, mas isso não impediu o núcleo pobre de pendurar uma faixa lembrando que o preço de um brinquinho da Dasloser equivale a toda a renda mensal da favela.

Não vou fingir que não sei por que choro. Eu choro de culpa, de vergonha. E um filme que desperta essas emoções acaba virando programa obrigatório pra toda a família, sim.

3 comentários:

  1. Sinceramente, achei esse filme horrível. Mostrou de um lado inocente e bonitinho demais a parte "pobre". Se fosse assim eu dava dinheiro todo dia na rua para meninos no sinal.

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