terça-feira, 30 de novembro de 2004

CRÍTICA: MENINA DE OURO / Peso leve

Vi “Menina de Ouro” em Curitiba, porque aqui em Ville, Ville o Oscar está sendo solenemente ignorado e os cinemas seguem passando gosmas como “Hitch”. “Menina” é, junto com “Sideways”, o melhorzinho dos cinco que concorrem à estatueta dourada (tudo que posso dizer sobre “Ray” é que nunca me mexi tanto numa cadeira de cinema. E eu não estava dançando ao som da música do Ray Charles). “Menina” tá longe de ser uma obra-prima. Não dá nem pra começar a compará-la com “Imperdoáveis”. Sei que é cinismo meu e tudo, mas quando um filme é assim tão elogiado, eu tenho que pensar: o que os críticos estariam dizendo se o troço não levasse a assinatura do Clint Eastwood?

Deixe-me reafirmar que gostei de “Menina”. Fiquei bem emocionada, e a história de uma moça pobre (a Hilary Swank, que já ganhou o Oscar por “Meninos Não Choram”) que decide lutar boxe para fugir do seu destino de americana pobre é interessante. Empatizei com as cenas em que ela come sobras de comida do restaurante onde é garçonete. Depois de relutar muito, o Clint, dono de um ginásio decadente, aceita treiná-la, e o Morgan Freeman narra a coisa toda. Gostei também dos diálogos entre o Clint e um padre. E respeito o Clint. Não é por nada não, mas o cara tem 74 anos. Seus colegas de profissão dessa idade levam estatuetas honorárias pelo conjunto da obra, e lá está ele, firme e forte, concorrendo ao Oscar por quase todo santo filme que faz. E acho que a prova maior que “Menina” me cativou é que gostei da película apesar dela tratar de boxe, algo que odeio. Abomino um esporte cujo objetivo é colocar o adversário em estado de coma, e não lamentaria em nada se o boxe fosse tão proibido como, sei lá, farra do boi ou rinha de galo.

Até agora só falei bem, certo? Vamos aos defeitos. O roteiro é simpático, mas totalmente convencional. Este é um filme que decididamente não traz inovações. Já vimos muito disso antes. A Hilary repassa as lições de vida que aprendeu em “Karatê Kid 4”, o Morgan basicamente repete seu personagem de “Sonho de Liberdade”, e o Clint, bom, o Clint tá sempre fazendo o mesmo papel (e é ótimo nisso). “Menina” evoca quase todos os filmes sobre esporte que falam de sacrifício e superação. Mas, sabe, como é do Clint, e como o ritmo é artístico (leia-se mais lento), a gente perdoa os clichês. Por exemplo, tem uma cena em que o Clint e o Morgan batem papo sobre meias furadas, e você não faz idéia de como crítico adora quando personagens cinematográficos travam diálogos “autênticos”. Se bem que os três personagens centrais são perfeitos demais pra serem verdadeiros. Principalmente o da Hilary, a tal menina de ouro, que tem um coração de ouro. O filme fica meio maniqueísta demais pro meu gosto lá pelo final: a família da Hilary não presta, e a pugilista ex-prostituta é tudo de ruim (inclusive a luta entre ela e a Hilary me lembrou o duelo racista de algum desses “Rockys” da vida). Sem falar que “Menina” é politicamente duvidoso. Faz parecer que previdência social serve pra sustentar vagabundo que não entende a glória oferecida pela labuta, e que pobre que trabalha duro, esse sim, triunfa.

E, no entanto, o que é a natureza humana... Num dos pontos mais dramáticos do filme, quase no fim, uma espectadora decidiu ir ao banheiro. E tropeçou, caindo no longo corredor escuro do cinema. Nessa hora, o público mandou às favas o melodrama de “Menina” e morreu de rir com a tragédia alheia. A tragédia da Hilary ficou em segundo plano. Ou isso significa que a platéia não tava tão envolvida com a trama quanto o Clint desejaria ou que ela tava tão, mas tão envolvida que qualquer distração serviu de alívio cômico. Pra mim pareceu que é mais fascinante a tragédia das pessoas de carne e osso. Sempre num cinema próximo de você.

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