segunda-feira, 26 de novembro de 2001

CRÍTICA: MISS SIMPATIA / Miss Antipatia

Já me chamaram de tanta coisa nesta minha carreira de cri-crítica de cinema que não me ofenderei se agora me homenagearem com o título de Miss Antipatia. É que fui ver aquele veículo (do tipo carro bomba) da Sandra Bullock, "Miss Simpatia". Meu maridão logo vociferou que o filme tem a sutileza de um orangotango, mas eu, defensora dos fracos e oprimidos que sou, respondi com um "não fale assim dos orangotangozinhos".
Bom, pra quem viu o trailer que vem passando há uns dois meses nas telas, não preciso resumir a estória. O trailer segue a tradição dos comerciais atuais e conta tudo, tintim por tintim, até o final. Mas digamos que você não tem ido ao cinema e está considerando a idéia de sair da toca pra ver "Miss Simpatia". Você é um cara azarado, heim? Tudo bem, a estória – não tem. A comédia inteira é um pretexto pra mostrar a Sandrinha desfilar com o maior número possível de modelitos. Nossa destemida atriz faz uma agente federal sem nenhum atrativo que, em 48 horas, deve transformar-se em uma finalista de concurso de beleza para, infiltrada, caçar um assassino. Tirando a parte do serial killer, presente em 95% das produções americanas, você já ouviu falar nisso antes, né? É "Pigmalião". É uma fórmula meio gasta hoje: até "Uma Linda Mulher" tratou o mito da metamorfose instantânea com mais dignidade.
A Sandrinha vive uma personagem que odeia concurso de misses, acha-os machistas e pré-históricos, pensa que as moças são retardadas e outras injustiças mais. Até o final do filme, é claro, ela se convencerá que esteve errada, que todas suas colegas são espertas, que a solidariedade feminina existe, e que ela precisa urgentemente de um implante de silicone. Não, não no cérebro, gente.
O que mais dói é que precisavam mesmo fazer da Sandrinha um ogro pra depois deixá-la bonita em comparação? É de lascar. Como agente da Inteligência (ó, santa ironia!), ela tem cabelo nos olhos, usa roupas sem graça e come de boca aberta. Como miss, ela vem com enchimento nos seios, quilos de maquiagem e salto alto. Mas a Sandrinha é uma só, aquela pra quem interpretar é revirar os olhos e colocar a língua pra fora pra simular uma careta. E, pros criativos roteiristas, comédia é mostrar a Sandrinha caindo do alto de seus saltos. Depois do terceiro ou quarto tombo da protagonista, eu passei a flertar com o luminoso de "saída" do cinema.
Há os coadjuvantes. É gratificante saber que o William Shatner vive. Se você não é um trekkie, parabéns, eu tampouco, mas note que o Bill foi o capitão mais velhinho de "Jornada nas Estrelas". Michael Caine está completamente desperdiçado como o professor da Sandrinha. Pra quem já esteve em "Tubarão 4", enfrentar a Bullock é moleza. E a Candice Bergen faz uma vilã tão bem desenvolvida como o malvado de "Os Vingadores" (onde o Sean Connery era um ursinho carinhoso) ou o de "60 Segundos". Ahn, pra você ver o nível em que se encontra "Miss Simpatia".
Até aqui, só estava explicando porque esta comédia que não produz nem cócegas é de uma ruindade total, sem tocar na mensagem do filminho. Tá, mensagem é uma palavra forte demais. Aqui ocorre a reabilitação dos concursos de miss, tão modernos quanto luz de lampião. Se a gente aceita que o padrão de beleza inatingível imposto pela mídia é uma forma (eficiente) de dominação das mulheres, essas competições são o ápice da subordinação. Nós somos condicionadas a entender que o que vale é a aparência, nunca o conteúdo. Alguém ainda tem que me persuadir de que passar horas no cabeleireiro ouvindo fofocas e folheando "Caras" nos torna pessoas melhores. Além disso, secador demais deve tostar os neurônios. Nos concursos antigos, os organizadores ainda perguntavam às candidatas qual seu livro preferido, dando a todas a oportunidade de citar "O Pequeno Príncipe". Agora simplesmente assume-se que leitura é incompatível em um ambiente desses.
Pois é, "Miss Simpatia" é tão fascinante e imprevisível quanto... um concurso de beleza. Ai, ai, alguém aí ainda se lembra da revolução sexual?

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