segunda-feira, 26 de novembro de 2001

CRÍTICA: CHOCOLATE / Meu bem, você me dá água na boca

Antes de "Chocolate" começar, havia um micro-comercial da Nestlé, muito rápido, quase propaganda subliminar, e foi neste momento que eu senti que teria problemas. O maridão precisou me segurar pra que eu não saísse correndo no escurinho do cinema até a confeitaria mais próxima. A tortura durou mais duas horas, e eu lá, firme, suando frio, com os olhos grudados na tela, contendo pouquíssimas convulsões, babando baldes. Devo ter perdido uns três quilos só por haver resistido às tentações.
Logicamente que eu, uma viciada confessa, não perderia este filme por nada no mundo. O pessoal fala mal do espetáculo só porque a Miramax gastou os tubos pra colocá-lo entre os concorrentes do Oscar. A campanha dos irmãos Weinstein continua. Aposto que eles estão enviando caixas e mais caixas de bombons finos a todos os votantes da Academia. Por favor, Weinstein queridos, mandem-me um email para que eu possa passar meu endereço pra vocês. A acusação de que "Chocolate" não é bom o suficiente para estar entre os indicados é ridícula. Se o critério fosse qualidade, "Gladiador", "O Tigre e o Dragão" ou "Erin Brokovich" estariam na lista? Pessoalmente, prefiro um filme sobre um tema nobre como chocolate a histórias sobre homens de toga, artes marciais, dinheiro (o assunto principal de "Erin") ou drogas ("Traffic").
"Chocolate" segue uma narração convencional, é verdade, com aquela lenga-lenga de sempre: forasteiro sem preconceitos muda a rotina de uma cidadezinha. É uma mistura de dois filmes do século passado que quem tem menos de 20 jamais ouviu falar – é um "Festa de Babette" achocolatado, um "Férias de Amor" sem erotismo. Mas tem um ingrediente pri
mordial que aparece logo no título, e que faz toda a diferença. A protagonista, interpretada por Juliette Binoche, é dona de uma confeitaria e ela vive derretendo chocolate. Nessas cenas, eu comecei a gemer alto e, enquanto os espectadores gritavam "shhh" e o maridão se encolhia na poltrona, o gerente veio ver se eu estava bem. Concordamos que a ambulância não seria necessária naquele exato momento.
A personagem da Juliette é boa demais pra ser real. Veja só, ela sobrevive de vender chocolate m
as o distribui de graça a qualquer habitante. Ela tem meia dúzia de clientes, mas nunca reclama de falta de dinheiro. Pelo contrário, vive sorrindo. É um anjo reencarnado. Porém, ela não me engana. Nas entrelinhas, podemos constatar que a moça não é feliz. Ela não come chocolate e não faz sexo faz um tempão. Felicidade é mais que uma cidade pequenina, sabe. Mas é possível que meu julgamento esteja sendo afetado pela inveja. A Juliette tem uma doceria e consegue conservar aquela cinturinha de vespa. Eu, se tivesse chocolate à disposição 24 horas por dia, encontraria enormes dificuldades em manter minha cinturinha de lesma.
Embora tenha me identificado em várias partes (como naquela em que o prefeito invade a vitrine e se empaturra de doces para, em seguida, ter uma crise de choro), vi que o filme é feito para amantes light de chocolate, não para viciados como eu. Todos se preocupam mais com qualidade que com quantidade. Aquelas amostras grátis de bombons não fu
ncionariam comigo. Imagina se um confeiteiro me oferecesse uma trufa e eu a comesse em duas ou três mordidas! Patético. Comigo, é colocá-la na boca e engoli-la sem mastigar. Pra começar a sentir o gosto, só lá pela quinta trufa.
Chorei no fim, compulsivamente. Não só por causa do canguru ou do sentimentalismo excessivo, mas porque me lembrei que aqui não há confeitarias decentes, com donos caridosos que doam tabletes. O gosto do brasileiro pra chocolate é medonho, desculpe dizer. Brazuca acha que açúcar com umas gotinhas de cacau é chocolate. Usa Toddy pra fazer bolo de chocolate, oh céus!
Na saída do cinema, já plenamente recuperada e dirigindo-me a passos largos à bonbonnière da esquina, perguntei pro maridão o que ele achava melhor, sexo ou chocolate. Ele respondeu: jaca. Sinceramente, não sei porque continuo casada com um herege.

2 comentários:

  1. Eu tô fazendo assim... lendo as críticas dos filmes que eu já vi pra depois ler as do que eu ainda não vi. Como eu não tenho lá muito tempo, eu nunca comento. Mas essa de continuar sendo casada com um herege porque prefere jaca a chocolate... foi maravilhosa! Ri muito! Por isso, tive que comentar.

    BeijoZzz

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  2. Suas críticas são muito divertidas. Compartilho inteiramente de sua opinião de que o brasileiro não sabe apreciar chocolate. Também fico horrorizada com a ideia de usar achocolatado não só no bolo, mas em qualquer receita. rsrs. Meu chocolate quente é feito com cacau puro e uma pitadinha de sal, mais nada. No leite de coco caseiro.

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