domingo, 30 de novembro de 2003

CLÁSSICOS: CARRIE / Como morrem os clássicos

Mães que se sacrificam pelas filhas.

Como meus aluninhos adolescentes adoram ver seus semelhantes estraçalhados da forma mais sangrenta possível, e como eles insistiram que eu passasse um filme inteiro numa aula, decidi exibir um clássico, "Carrie, A Estranha". Ainda não sei se foi uma escolha acertada. Fora as piadinhas de praxe ao saberem que o thriller era de 1976 ("Já tinha cinema nessa época?"; "É em preto e branco?"), eles gritavam "Palha!" pra qualquer efeito especial, apelidado por eles de defeito especial. E, no final, elegeram "Carrie" como um dos piores filmes que já viram, embora eu tenha a nítida impressão que eles só disseram isso pra me provocar.

Bom, é meio indiscutível que "Carrie" seja um clássico. Foi ele que colocou Brian De Palma como um dos diretores mais influentes da década de 70. Se não fosse importante, não teria gerado uma "seqüência" 25 anos mais tarde. Além disso, foi o primeiro romance de Stephen King adaptado para as telas. King escreveu a história em 74, quando morava num trailer com sua família e trabalhava numa tinturaria. O livro vendia bem, mas as edições continuavam a chegar sem o nome do autor na capa. Nada indicava que ele se tornaria um dos autores mais populares de todos os tempos, com dezenas de obras transformadas em filmes – meus adolescentes nunca ouviram falar nele, mas não quero falar nisso. A verdade é que "Carrie" nem é minha adaptação favorita de King (prefiro "O Iluminado" e "Um Sonho de Liberdade"), nem o melhor De Palma ("Um Tiro na Noite" e "Os Intocáveis"). Mas é um senhor filme.

Vou me deter mais um pouquinho no De Palma, que é sempre um personagem fascinante. Até 76, ele tinha feito seis filmes, incluindo aí duas comédias que provavam sem sombra de dúvida que o suspense era mais sua praia. Embora "Irmãs Diabólicas" (72) seja um thriller muito divertido, De Palma era visto como um pastiche de Hitchcock e não era levado a sério. Até o compositor que ele usava era o Bernard Herrmann, o mesmo de Hitch. Mas De Palma recebeu a quantia bem baixa de US$ 1.8 mi para rodar "Carrie", chamou Bernard, que morreu antes de completar a trilha, e o substituiu por um compositor que também usasse acordes de violino à la "Psicose". Pra economizar, o diretor fez os testes para a seleção de elenco junto com George Lucas, que estava escolhendo gente pra "Guerra nas Estrelas". Quem De Palma selecionou? Desconhecidos como John Travolta, Amy Irving (que logo depois se tornaria a Sra. Spielberg) e Nancy Allen, com quem o próprio De Palma se casaria. Ele ainda resgatou Piper Laurie de um exílio auto-imposto pra fazer a mãe de Carrie. Pro papel-título, escolheu Sissy Spacek, que era mulher do seu produtor de design e já havia estado no instigante "Terra de Ninguém". Surpresa! Sissy e Piper foram indicadas ao Oscar.

O filme já começa quebrando um tabu. Em câmera lenta, com fotografia difusa, vemos muitas moças num vestiário feminino, várias delas nuas. Neste ponto, meus adolescentes perguntaram: "Você vai passar um filme pornô pra gente?". Nancy Allen aparece em nu frontal em todo seu esplendor, enquanto os créditos rolam. Bem nessa parte, surge o nome do editor do filme, o que levou inúmeros espectadores a indagar: "Por que seu nome não aparece nos créditos?". Pobre editor. Imagina se alguém vai prestar atenção nele tendo a Nancy nuinha à disposição. A câmera continua rondando o vestiário até chegar em Carrie tomando banho. Sangue escorre pelas suas pernas. Ela está tendo sua primeira menstruação, mas, por falta de informação, pensa que está morrendo. Suas colegas dão sua contribuição rindo dela e cobrindo-a com absorventes.

É disso que o filme trata, de rito de passagem, de sobreviver à escola. É um pouco também um terror sobre menstruação, um tema que vem a calhar pra um misógino confesso como De Palma. E ele conhece bem o que faz. Além da tela dividida, uma de suas marcas registradas, ele coloca Carrie e seu par girando sem parar numa seqüência de três minutos de tirar o fôlego, o que fez um de meus adolescentes reclamar: "Estou ficando tonto!". Ahn, talvez fosse essa a intenção? A cena final é de arrepiar. Quando eu era jovem, rebobinava a fita pra ver o fim de novo, e gritava de susto todas as vezes. Mas os tempos mudaram, e o que assustou mesmo minhas teens foi a cena em que Carrie, coberta de sangue, toma banho de banheira. Minhas alunas bradaram, horrorizadas: "Ahh! Ela lava o cabelo com sabão?!". Pois é, já não se faz mais público como antigamente.

3 comentários:

  1. Lola, vi este filme há uns 17 anos, acho. Eu lembro que era adolescente e adorava - como todos! - os filmes de terror. peguei Carrie na locadora com uma amiga. assistimos mais de uma vez ao filme.
    De lá para cá, nunca esqueci a obra. Meu Deus! Achei um dos filmes mais tenebrosos de todos os tempos porque o impacto da maldade dos colegas de Carrie , a pureza dela contrastadndo com toda aquela loucura da mãe e ainda a sua paranormalidade me tiravam a noite de sono.
    Foi um impacto gigantesco para mim. O que hoje conhecemos por bullying já me tirou do sério quando era adolescente. A medida da maldade me assustou, fiquei passada com a injustiça cometida contra a moça. Talvez por isso também eu tenha passado a ser tão solidária com aqueles que as turmas colocava num canto. Sempre sentei perto e puxei conversa, fiz amizade.
    Ver a geração de hoje rir de Carrie não é estranho, Lola, são os mesmos que fariam coisas do tipo com os colegas em nome de um riso estúpido e da humilhação.
    Ah, esta palavra! Humilhação! Nunca esqueci o efeito da humilhação para a pobre Carrie.

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  2. * as turmas colocavam (concordância)

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  3. Bom, vi esse filme pela primeira vez com uns 17 anos, e isso já eram "anos 2000", ainda assim, considero "Carrie" meu filme favorito, pelos motivos apontados pela alenacairo.

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