quinta-feira, 29 de dezembro de 2005

CRÍTICA: MUNIQUE / As polêmicas de um filme

É ótimo o novo filme do Spielberg, “Munique”, mas um de seus maiores méritos é provocar reflexões sobre o conflito no Oriente Médio e suas influências no Ocidente. Entrou pra história das Olimpíadas o que aconteceu na Alemanha em 72: terroristas palestinos fizeram atletas israelenses de reféns, a polícia alemã fez tudo errado, e onze atletas morreram. Isso é bem conhecido, mas eu nem desconfiava do que ocorreu a seguir – o Mossad, serviço de espionagem israelense, coordenou uma ação secreta pra matar todas as lideranças palestinas envolvidas no massacre de Munique. Essa ação, apelidada de Operação Ira de Deus, que assassinava usando bombas, tal qual os terroristas, durou mais de vinte anos. O diretor mais famoso do mundo só fala de um primeiro momento e, mesmo assim, é fácil entender porque os judeus andam tiriricas com ele. Afinal, qual a diferença entre o terrorismo individual e o patrocinado pelo Estado? Qual a diferença entre um solitário homem-bomba se explodindo em alguma embaixada e as ações da CIA, depondo presidentes legitimamente eleitos e ensinando os ditadores locais a torturar? (nem tava pensando no Iraque, mas no Chile e no nosso golpe de 64). Acho que a distinção é só na escala de valores. E não importa que o Spielberg transforme um agente do Mossad (interpretado pelo Eric Bana de “Hulk” e “Tróia”) num protagonista atormentado pela culpa. O negócio ainda fica bem feio pra Israel.

Não sou judia, mas nasci em junho de 67, bem no dia em que começou a Guerra dos Seis Dias, quando Israel expandiu seu território tirando terras do Egito, Jordânia e Síria. Ahn, terras que não foram devolvidas até hoje. E sabe, nessas terras havia pessoas, mais especificamente um milhão de árabes. Vou partir pruma alusão meio tolinha, mas é como se a Argentina promovesse uma guerra e confiscasse os três Estados brasileiros daqui do Sul. A gente não viraria homem-bomba tentando provar que não é argentina? Olha, conhecendo a história de Israel, e sua sanha imperialista, apoiada pelos EUA, é muito difícil não ser pró-palestina. E mais difícil ainda, pra mim, que não sou religiosa, é compreender que o pessoal fique se matando por diferenças religiosas que nem soam tão diferentes assim. As três maiores religiões monoteístas calharam de escolher o mesmo pedacinho de terra, batizá-lo de sagrado, e cismar que só a religião deles é a escolhida por Deus. Francamente, se é isso que as religiões fazem – matar em nome de Deus pela propriedade – não dá pra fingir que elas pregam a paz.

Por mim, eu fecho com o novo radical iraniano, que disse que o Ocidente, consumido pela culpa do holocausto, deveria ceder um território na Europa pra que Israel se instale por lá. Imagina que luxo viver na Europa! Mas não, o pessoal prefere permanecer naquele lugarzinho árido no meio do deserto. Há uma cena em “Munique” em que a mãe judia fala pro filho que até que enfim Israel tem um lar, e que eles tiveram de pegar o lugar à força porque ninguém iria dá-lo pra eles. Mas não é tão simples assim. Quer dizer que se a gente oferecesse outro lar pros israelenses (ou pros palestinos), longe de Jerusalém, Mecas e afins, eles iriam aceitar? É só ver como os colonos judeus se recusaram a deixar os territórios ocupados, e isso que cada família recebeu uma indenização de meio milhão de dólares. Sei lá, eu penso que Israel tem todo o direito de ter seu país, a Palestina idem, mas no fundo eu preferiria viver num mundo sem fronteiras, onde um povo não se achasse melhor que o outro.


Enfim, “Munique” mostra uma história de vingança, em que um banho de sangue gera outro, e mais outro. Pra gente não pensar que só os homens fazem a guerra e matam, aparece no filme a Golda Meir, então primeira-ministra de Israel, assumindo total responsabilidade, e uma assassina profissional. Essa parte envolve uma nova utilidade pra bombas de bicicleta (não tente fazer em casa). E o único loiro do thriller é o Daniel Craig, o novo James Bond. Mas um dos pontos mais importantes é a cena final, cheia de suspense. A gente vê os personagens caminharem em Nova York, com a famosa linha de prédios ao fundo, e fica procurando as Torres Gêmeas. Quando elas finalmente dão o ar de sua graça não é lá muito sutil, mas é poderoso.

Um tanto estranho a gente aprender que matar meia dúzia de homens custou dois milhões de dólares, e comparar com o preço do filme, setenta milhões. Mas lógico que “Munique” pode influenciar mais gente que a Operação Ira de Deus. Só os flashbacks do protagonista parecem exóticos, porque são memórias de um carinha que não estava lá. A recapitulação na cena de sexo no fim, então, é polêmica e hors concours em bizarrice. Eu só fiquei imaginando, no que o maridão pensa quando a gente transa, normalmente no Natal? Mesmo arriscando uma infidelidade conjugal imaginária, é mais saudável pra nossa vida sexual que ele se concentre nas coelhinhas da Playboy do que em massacres terroristas. Ou será que o Spielberg quis ressuscitar o slogan dos anos 60, faça amor, não faça guerra?

CRÍTICA: A LENDA DO ZORRO / Heróis mascarados

Sete anos depois de “A Máscara do Zorro”, chega agora “A Lenda do Mesmo Cara”. Apesar de “Máscara” ser bonitinho, eu não tava exatamente prendendo o fôlego enquanto aguardava a seqüência. Desta vez o Antonio Banderas, digo, o Zorro, deve ajudar a Califórnia a se livrar dos mexicanos corruptos e tornar-se um Estado americano, sonho de qualquer pedaço de terra. Mas o casamento com a linda Catherine Zeta-Jones não anda bem e, pra piorar a situação, tem um almofadinha francês planejando destruir os EUA usando barras de sabão (deve ser justiça poética, suponho). Não é preciso ser bidu pra prever como tudo vai se resolver.

Ou seja, politicamente falando, o filme é podre. Começa mostrando que em 1850, várias décadas antes do Schwarzza virar governador da Califórnia, o vilarejo devia votar se queria ou não se anexar aos EUA (referendo a gente conhece bem, só vota mal). O que “Zorro” não revela é que isso se dá dois anos após o fim de uma guerra entre México e EUA, quando o México foi tungado de boa parte do seu território. Uma das causas dessa guerra era que os americanos, sabe, aqueles heróis da liberdade, eram a favor da escravidão e o México, contra. Outro fato que passa longe de “Zorro” tem a ver com a realidade de hoje. Sabia que, nos últimos anos, 10% da população mexicana emigrou pros EUA? Dez por cento, sério! Um jeito de encarar essa questão é ver a América como terra das oportunidades, o paraíso, e o México (e, por extensão, toda a América Latina) como inferno, e todo mundo tem o direito de procurar uma vida melhor e tal. Essa ladainha a gente conhece. Outra é ver como o imperialismo produziu um mundo em que a imensa maioria dos países é pobre. E o México receberia sua porção de sofrimento extra-large por ser mais quintal do império que os quintais daqui do sul. Não é à toa que um dos refrões mexicanos é “Pobre México: tão longe de Deus, tão perto dos Estados Unidos”.

Mas, claro, “Zorro” é só entretenimento escapista, com algumas mensagenzinhas aqui e ali pra não perder a viagem. Uma das mensagens é mais ou menos assim: “Olha, França, se da próxima vez que formos invadir um país você não nos apoiar, vai ser vilã dos nossos filmes durante um tempão, tá ligada?”. E, por falar em vilões, nesse tipo de aventura os roteiristas precisam ser criativos. Por exemplo, eles têm que planejar uma morte horrenda pros bandidos, mas sem que essa morte seja causada pelo herói, porque a gente não pode sentir que o herói seja um sádico sanguinário ávido por vingança. Logo, é só um acidente que a cabeça de um nojentão seja explodida por uma gota de nitroglicerina, entende? E, por falar em explosões, lembra do meteoro gigante que acabou com os dinossauros? Depois de ver “Zorro”, a gente passa a suspeitar que tudo começou com uma explosão na Califórnia. Tá, extinção dos dinos é exagero, mas que foi assim que se originou o deserto americano, isso não resta dúvida.

Breve pausa pra elogiar o filme. Há UMA frase engraçada, quando o Banderas diz pro filho (é, tem filho, é uma diversão bem família): “A prisão muda a vida de um homem”. E a trama não é chata – os Zzzs vinham mais da tela que do público. E gostei do galope do cavalo em dolby-stereo. Pra que mais a gente iria ao cinema se não pra ouvir galope? Aliás, o Capeto, ou Herói, não, acho que esse era o cavalo de outro super, talvez Tornado?, bom, o eqüino de plantão rouba as cenas. Mas fiquei pensando se um cavalo realmente inteligente pularia de um penhasco pra pousar num trem em movimento. Talvez ele tenha alguns neurônios prejudicados por fumar e beber.

Ah, ainda sobre os heróis mascarados. Taí uma coisa que não entendo dessas máscaras. O Zorro vive numa vilinha, e pra se distinguir do Don Diego ele só usa uma vendinha nos olhos, com buracos ainda por cima. Será que nenhuma alma com QI mais elevado liga os pontinhos e vê que o Don Diego é o Zorro de chapéu? O maridão me assegurou que o verdadeiro disfarce não é a máscara, mas a personalidade do herói no dia a dia. Tipo Clark Kent e Superman. A Lois Lane vê ambos todo dia sem chegar à conclusão que são um só sujeito. Pro maridão, o Clark tem uma personalidade tão diferente da do Super que ninguém vai achar que é o alter-ego dele. Mas esse argumento não me convenceu, então eu disse: “Amor, se houvesse um cara igualzinho a você, velhinho e careca, mas esperto e com calça de couro, eu ainda assim desconfiaria que é você”. Touché.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2005

CRÍTICA: BROKEBACK MOUNTAIN / Homofóbicos, go home

Adoraria entender por que gente que odeia homossexuais tá indo ver um filme em que os protagonistas são homossexuais. Foi o que aconteceu na sessão de “O Segredo de Brokeback Mountain”, ou, como diz minha mãe, da Montanha da Espinha Quebrada. Quero dizer, a essa altura não há segredo algum. Todo mundo sabe que o vencedor de três Oscars é uma história de amor gay. Então pra quê os homofóbicos vão ao cinema? É pra exercer sua heterossexualidade? Pra discordar do Oscar? Pra fazer gracinhas? Olha, o público se comportou muito mal. Parece que veio pré-disposto a manifestar seu preconceito. As espectadoras ainda mais que os espectadores. Era um tal de “Ai, que nojo!” e gritinhos como se estivessem vendo filme de terror. Sinistro.

Demora pra que os personagens tenham qualquer contato entre si, mas a platéia aguardava ansiosamente. Qualquer cara nu tomando banho desfocado no cantinho da tela gerava um “Ihhhh, aí tem!”. Não sei se o diretor Ang Lee (de “Razão e Sensibilidade” e “O Tigre e o Dragão”; vamos esquecer “Hulk”) testou o filme com exibições-teste pra um público comum, não só o de arte. Ele aparenta brincar com a demora, como se houvesse uma planilha pro espectador checar: “Quando o cara cospe no chão, ele tá sendo homem o suficiente?”. Seria ótimo também se houvesse um eletrocardiograma pra medir os batimentos cardíacos da platéia nos momentos de tensão: os caras se beijam, público tem chilique, os caras se casam com mulheres, público respira aliviado, os caras transam entre si, público sofre ataque cardíaco.

A verdade é que a reação da platéia interferiu na minha avaliação de “Espinha”. Não consegui me envolver com a trama de dois caubóis que se amam durante vários anos. Os personagens são adeptos de um romantismo meio violento, em que socos funcionam como preliminares pra sexo. Claro que não são apenas os gays que gostam de contato físico violento com outros homens. Desculpe dizer, mas o que são os esportes senão uma desculpa pra contato físico com o mesmo sexo?

O filme não é chato em nenhuma parte, se bem que ninguém precisaria contar ovelhinhas pra pegar no sono. E antes de apelidar o drama como “western gay”, é bom reconhecer que esses caubóis têm mais relações hetero que homo. Os atores, Heath Ledger (de “O Patriota” e “Coração de Cavaleiro”) e Jake Gyllenhaal (de “O Dia Depois de Amanhã” e “Por um Sentido na Vida”), estão bem, não brilhantes. Tem o problema de maquiagem de sempre. O Jake mais velho lembra o James Dean em “Assim Caminha a Humanidade” – alguém com rostinho de dezoito anos fingindo ter quarenta. Ah sim, gente, fiquem sossegados. Ambos os atores são hetero. É só ficção. Na vida real o Heath é casado com a Michelle Williams, que faz sua mulher em “Espinha”. Por mim eu premiaria os dois só por agüentarem a pergunta freqüente dos repórteres, “Ohhhh! Como foi beijar um homem?”.

O ideal seria que os espectadores vissem “Espinha” não como um love story gay, mas de duas pessoas que não podem viver com quem amam de verdade. Imagina só que maravilha seria pra vida de todo mundo se os dois pudessem viver juntos. Não haveria esposa traída, filha renegada, mentiras, nada. Não parece mais fácil assim? Vou me referir a uma outra história de amor épica, a minha com o maridão. A gente se ama de paixão mas alguma coisa na sociedade não permite que fiquemos juntos. Pode ser qualquer coisa: quem sabe ele é de uma cor e eu de outra, ou nossas religiões se odeiam, ou ele foi ensinado que mulheres gordas devem morrer sozinhas. Não seria igualmente trágico?

Eu também adoraria saber se mesmo essa platéia escancaradamente preconceituosa não condena, por exemplo, que um pai mostre pros filhos de nove anos como um gay merece ser brutalmente assassinado. Não quero acreditar que a gente vive numa sociedade em que o espectador-comum realmente ache que o homossexual é digno da pena de morte. Essa idéia, pra mim, foi muito mais assustadora que qualquer coisa exibida na tela.

quarta-feira, 30 de novembro de 2005

MAIS UM PORRE

Ô coisa chata que foi essa entrega do Oscar! Tudo bem que a cerimônia foi curta, mas foi tudo previsível, sem surpresas, sem atropelos, e quase sem polêmicas. O único ponto mais ou menos sensível foi o discurso de abertura do Chris Rock, que criticou o Bush e referiu-se a “Fahrenheit 11 de Setembro”, dizendo algo como: “imagina que você tá se candidatando a uma vaga de emprego e todos os cinemas do país exibem um filme atestando que você é péssimo pro trabalho. Foi isso que aconteceu com o Bush”. Fim da polêmica. É sério. Em quase três horas de transmissão, só essa fala foi ligeiramente audaz.

Parecia que “Aviador” ia levar tudo, já estava com quatro estatuetas mais técnicas e mais a de melhor coadjuvante pra Cate Blanchett, quando Clint Eastwood foi coroado com seu segundo Oscar de direção. Tudo bem, a disputa tava entre ele e o Martin Scorcese, mas acho que havia um leve favoritismo pro Martin porque, afinal, ele nunca havia vencido (e continuou de mãos abanando). E aí veio a única surpresa da noite: estatueta de melhor filme pra “Menina de Ouro”. As bolsas de apostas davam 80% de chance pra “Aviador”. Mas até chegar nesse ponto era quase duas da matina e todos os espectadores entediados já tinham ido dormir.

Que aqueles números musicais são de lascar ninguém duvida. Mas o que dizer de uma festa que faz um memorial aos artistas mortos do ano passado e não consegue comover nem ao homenagear o maior ator de todos os tempos, Marlon Brando? Essa foi a tônica de mais esse Oscar: chatice monumental. Tanto que eu critico quem fica vendo a festa e comentando os vestidos das atrizes, porque parece coisa de quem não tem o que fazer. Mas, neste caso, só restou isso mesmo. Julia Roberts, Charlize Theron e Halle Berry estavam lindas, Renée Zellweger magrinha mas horrorosa, e a Hilary Swank, ao receber sua segunda estatueta de melhor atriz, dentuça como sempre. Jamie Foxx chorou no fim do seu agradecimento. Morgan Freeman foi aplaudido de pé. O cinema americano deu seu tapinha nas costas de Hollywood, fingindo ignorar que o espanhol “Mar Adentro” é muito superior. Típico, típico.

CRÍTICA: NO MEIO DA RUA / Pobre país rico em belo filme

Admito que torço o nariz toda vez que ouço a expressão “filme pra família”, porque logo lembro do padrão Disney de qualidade, com aqueles bichinhos alienados falando nada que possa chocar a sensibilidade do público. O release de “No Meio da Rua” dizia que era um filme-família, e eu pensei: Ihhhh, lá vem... Mas não tem nada a ver. “Rua” é belíssimo, cinema de primeira, que me fez chorar feito uma condenada.

Sabe aquela velha rixa entre os críticos do cinema nacional? Tem aqueles que falam mal de filme brasileiro porque enfoca os pobres, prejudicando a imagem do país no exterior, e tem aqueles que criticam justamente quando o filme retrata o universo alienante da classe média. A verdade é que há várias realidades sociais no Brasil, e poucas produções conseguem tratar de várias ao mesmo tempo (acho que “Cidade de Deus” e “Cronicamente Inviável” abordam bem esse tema). Bom, “No Meio da Rua”, de Antonio Carlos Fontoura, faz essa ponte, digamos, com perfeição. Sua pré-estréia acontece agora em julho, no meio da 4ª Mostra de Cinema Infantil de Florianópolis. O filme começa mostrando o universo de um garoto rico, opa, de classe média alta (notou que, de acordo com a mídia, não existe rico no Brasil?). Sua agenda aos 8 ou 9 anos já é tão ocupada com aulas de inglês, informática e tênis que não sobra tempo pra brincar. E no meio do caminho ele conhece um menino pobre, que vive na favela do Vidigal e faz malabarismo pelas ruas do Rio pra ganhar uns trocados. O que aproxima os dois é um joguinho de videogame. Ou seja, é uma fábula urbana, né? Na vida real o vidro escuro e fechado do carro blindado se encarregaria de separar um do outro. Mas aqui o pobre menino rico passa uns dias com seu novo amigo. Essa é minha única crítica ao filme, que as crianças pobres pareçam tão mais felizes que as ricas.

Muito mais coisa acontece, claro, e pouco a pouco “Rua” vai se transformando num filme de terror pro público-família de classe média. Pra mim, o videogame já traduz o clima da aventura: tudo é bonito e divertido, mas tem umas gotinhas de sangue ameaçando sujar o quadro. O elenco é todo ótimo, a música do João Bosco no final é arrebatadora, e há pelo menos uma cena inesquecível, quando a meninada na favela imita os ricaços andando de carro, e o garoto rico imita um pedinte. A tensão social nesse pedaço é fortíssima, e me fez lembrar da Daslu, loja pra grã-finos recém aberta em SP. Atrás do shopping super luxuoso tem uma favela super miserável. Esses vizinhos nunca vão se encontrar, mas isso não impediu o núcleo pobre de pendurar uma faixa lembrando que o preço de um brinquinho da Dasloser equivale a toda a renda mensal da favela.

Não vou fingir que não sei por que choro. Eu choro de culpa, de vergonha. E um filme que desperta essas emoções acaba virando programa obrigatório pra toda a família, sim.

CRÍTICA: SR E SRA SMITH / Violência doméstica S. A.

Fico assim um tanto incrédula que vários críticos esqueçam de mencionar que “Sr. e Sra. Smith” é uma mistura de “A Honra do Poderoso Prizzi” e “A Guerra dos Rose”, com uma pitada de “Butch Cassidy” no final. Passam a falsa impressão de que seja algo original. “Smith” é tão novo quanto Hollywood colocar corpos bonitos nas telas pra gente imaginar como é a vida sexual deles. Pessoalmente, acho que é meio doentio fantasiar como devem ser o Brad Pitt e a Angelina Jolie juntos na cama. Quer dizer, não tem muito segredo, tem? Se não me falha a memória, o esporte é o mesmo, apenas envolvendo participantes com menos pneuzinhos rolando em cima de lençóis bem mais caros. E no entanto, todo o marketing do filme foi feito pensando no romance dos lindões fora das telas. Não será que tudo isso foi só pra divulgar um produto? Algo me diz que os pombinhos não estarão juntos daqui a cinco ou seis... ahn, meses?

Em “Smith”, Angie e Brad explodem muitas coisas, carregam bazucas, e quebram objetos, o que faz muito sentido: de que outro jeito um casal entediado pode se divertir? Ambos são matadores de aluguel, os bambambans no seu ramo, logo, não erram nunca. A menos que um esteja atirando contra o outro. E todos os extras que os perseguem provavelmente não são assassinos profissionais, porque estes erram sempre. Não valem a roupa ninja que usam. São absolutamente incapazes de acertar a cabeça de um dos protagonistas. O máximo que acontece com Angie e Brad é ficar com um arranhãozinho sexy no rosto. Aliás, não entendi como uma super mega baita ultra atiradora como a Angelina tem metade do rosto coberto por cabelo. Ela é a Veronica Lake das matadoras de aluguel. Não atrapalha nadinha na hora de acertar o alvo? Só gostei das poucas seqüências em que o casal busca ajuda de um conselheiro matrimonial, porque sugere que a chama da paixão também se apaga pros glamurosos. Claro que pra eles o apagamento é mais rápido, uns dez minutos, talvez.

Mas a violência doméstica nunca foi tão sexy. Antes do filme se tornar interminável e eu começar a torcer pra que os dois se matassem de vez, teve uma cena em que o Brad descarrega uma metralhadora na Angie e ela se esconde atrás da porta da geladeira, que bloqueia todas as balas. Nessa hora, virei pro maridão e falei: “Viu? Não disse que a gente precisa de uma geladeira inox?”. Mas, tirando esse momento de identificação, constatei que os ricos realmente levam uma vida diferente da minha. Por exemplo, sabe quando às vezes a gente prende um dedo numa janela e dói durante horas? Aqui acontecem coisas bem piores com outros membros dos ricaços e ninguém solta nem um “Ai”. A propósito, li uma estatística ontem dizendo que 0,02% da população mundial é milionária, ou seja, tem mais de um milhão de dólares (no Brasil, esse número é de 98 mil pessoas, todos clientes da Dasloser, imagino). Aí me veio à mente uma dúvida terrível: será que 0,02% da população é astro de cinema?!

Pois é, eu já usei a palavra “sexy” duas vezes neste texto, mas a verdade é que não existe cena de sexo em “Smith”, porque, a gente sabe, o público-alvo pra esse tipo de aventura é o pré-adolescente. No sistema de censura americano, não há problema algum em explodir ou mutilar um órgão genital (o do Brad é chutado), mas basta a ameaça de alguém acariciá-lo pro filme ser proibido pra menores de 18 anos. É uma questão cultural, e a gente deve sempre respeitar a cultura alheia, mas você não acha os americanos doentes? O pênis do Brad Pitt deveria ser tratado com muito mais respeito! Vou começar uma campanha e já volto.

CRÍTICA: MISS SIMPATIA 2 / Ninguém merece

Embora “Miss Simpatia” pudesse ser tranquilamente o título da minha biografia, não me lembrava nada do filme de 2000, só que o odiei tanto que queria que ele morresse. Logo, não estava exatamente roendo as unhas à espera da seqüência. Mas ela chegou, “Miss Simpatia 2” taí em cartaz, e tudo que posso fazer é lamentar a minha mísera existência e falta de sorte. Não, pô, ninguém merece. Este é o quinto abacaxi seguido que vejo. Quando pensava que nada pudesse ser pior que “Amigo Oculto”, vi “Constantine”, aí vi “O Casamento de Romeu e Julieta”, aí vi “O Chamado 2”, e agora este, que é hors-concours. E os trailers não indicam que minha maré de azar vai terminar.

“Miss Antipatia 2” é mais um veículo do tipo carro-bomba pra Sandra Bullock. Acho que já é tempo de rever nossos conceitos. Lembra como todo mundo falou mal do pessoal de “Velocidade Máxima 2” por fazer algo tão péssimo? Lembra como a Sandrinha saiu mais ou menos ilesa? Pois é, ao aceitar estrelar um troço tão constrangedor como “Miss 2”, não tem mais perdão. Desta vez a comédia não usa o truque fajuto de pintá-la como uma agente do FBI/patinho feio que vai se consertar pra passar por miss. Agora a Sandrinha, hiper famosa, será relações públicas do FBI, além de servir como modelo para milhares de menininhas. Tudo vai bem até que sua melhor amiga, a Miss América, é seqüestrada. Lá vai nossa intrépida agente, junto com outra detetive, impedir que este terrível atentado contra a humanidade seja perpetuado. Acho que o terrível atentado a que me refiro é que a Miss América seja morta, ou talvez seja impedir que – Deus proíba – dêem cabo à vida do William Shatner. Não entendi muito bem, já que a trama é confusa, só uma colcha de retalhos unindo todas as piadinhas sem graça que três roteiristas ganharam uma fortuna pra bolar.

Não sei o que me deixa mais revoltada, se é isso de “Miss 2” querer promover dois elefantes brancos como o FBI e concursos de beleza, ou se é a aparição relâmpago da Dolly Parton. Quando ela surgiu, eu só pude pensar: por que as mulheres não podem envelhecer graciosamente? Por que uma velhinha de 60 anos precisa parecer uma perua de 55 toda esticada? Mas o que mais me enfurece é a tentativa de enganação. Assim: o filme tem quase duas horas (intermináveis, por sinal). Durante uma hora e 57 minutos, a mensagem é que as pessoas deveriam se cuidar, porque senão ninguém vai gostar delas, que as mulheres deveriam ser todas Barbies, e que a violência é a solução pra tudo de ruim (taí a invasão do Iraque pelos americanos que não nos deixa mentir). Aí, bem no fim, nossa querida protagonista diz que é justamente o contrário, tolinhos. Vai plantar batata! De qualquer jeito, cheguei à conclusão de que ninguém merece viver sofrendo. E por isso gostaria de iniciar uma campanha: eutanásia para os críticos de cinema. Por favor, eu imploro.

CRÍTICA: PONTO FINAL / Um Woody Allen gigante

O mais recente Woody Allen, “Ponto Final”, começa enfocando uma rede e uma bolinha de tênis. A voz em off diz que tem vezes que a bolinha pára na rede, e que a sorte decide de que lado da quadra ela cai. Se cair do lado do adversário, você ganha, senão... E o filme termina – desculpe, mas vou ter de contar – com eu e três amigas em Floripa gritando histericamente “Amei! Amei!”. Tem crítico falando que este é o melhor Woody da última década. Geralmente esse comentário é seguido por um “Mas também...”. Bom, no meu caso, sou grande fã do diretor. Até as comédias meia-boca dele são superiores ao que é produzido em Hollywood. Tudo bem, detestei “Todos Dizem Eu te Amo”, e não compartilho do entusiasmo por “Tiros na Broadway”. Mas o cara é um fenômeno: se recuperou de um escândalo sórdido, segue lançando uma obra todo santo ano, e consegue patrocinadores na Europa mesmo quando americano não vê mais nada dele. E não tem muita gente que pode se gabar de ter tanta coisa louvável no currículo: “Hannah e suas Irmãs”, “Crimes e Pecados”, “A Rosa Púrpura do Cairo”, “Zelig”, “Manhattan”, “Annie Hall”, “Maridos e Esposas”... E agora “Ponto Final”. Pois é, pra mim “Ponto” entra na galeria das obras-primas dele. E é também o melhor filme do ano passado. É pouco ou quer mais?

“Ponto” mostra um Woody singular, quase irreconhecível. Sai Nova York, entra Londres, e o suspense substitui a comédia. Mas traz as mesmas dúvidas existenciais de sempre. A diferença é que ninguém discute na tela se Deus existe. Quem vai ter de fazer isso é o público – depois da sessão, pelamordedeus! Tá, o drama trata de um ex-tenista profissional e agora professor de tênis (Jonathan Rhys-Meyer, ó três nomes!) recém chegado a Londres. Como em “Por um Lugar ao Sol”, o sujeito é ambicioso. Ele não apenas lê “Crime e Castigo”, como também um livro que explica Dostoievski tintim por tintim. Ele adora ópera, e não tem um tostão. Logo ele faz amizade com o que ele está treinando e quer tanto ser (rico), se envolve com uma moça rica, o pai dela arranja um emprego pra ele numa de suas empresas. Quando ele e a moça se mudam pra um apartamento maravilhoso com vista pro rio Tames, eu ouvi duas coisas: o público suspirar “Ahhhh” e o Joel Grey em “Cabaré” cantando “Money”. Só que o carinha também se envolve com a Scarlett Johansson (de “A Ilha” e “Encontros e Desencontros”), uma mulher que sabe do seu fascínio sobre os homens. E mais não posso contar pra não entregar a história.

Ecos de “Crimes e Pecados”, lógico, mas lá a trama do oftalmologista e sua amante inconveniente é só um pedaço. Aqui é o filme inteiro, sem direito a piadinhas como a do Woody reclamando que a última vez que entrou numa mulher foi quando visitou a Estátua da Liberdade. “Ponto” não tem um só passo em falso. A história vai indo, vai indo, e de repente você tá no meio do maior suspense, se perguntando “Desde quando o Woody se inspira no Hitchcock?!”. Eu me peguei dialogando com a tela, sussurrando “Não acredito que esse personagem vai fazer essa presepada!”. E pior: torcendo pro crápula que engana as mulheres se safar. Aí vem o fim, totalmente imprevisível e brilhante, tão brilhante e bem-escrito que só podia gerar a nossa reação de “Amei! Amei!”. Que “Brokeback Mountain”, que “Munique”, que “Capote”, que nada! O filme de 2005 que vou me lembrar com carinho será “Ponto Final”. Bem-vindo à velha forma, Woody!

CRÍTICA: MEMÓRIAS DE UMA GUEIXA / Gueixas produto exportação

Eu sempre pensei que gueixa fosse um tipo de Amélia, que obedece cegamente os homens. Agora, vendo “Memórias de uma Gueixa”, descubro que é uma obra de arte viva, segundo a definição modesta de uma. E lave a boca com sabão se você disser que gueixa é prostituta. Não é. Só porque tem leilão pra ver quem vai tirar a virgindade dela? Só porque ela recebe dinheiro de um macho? Pode ser que aqui no Ocidente isso tenha outro nome, mas no Japão se chama gueixa. E ela não é apenas uma moça que pinta seu rosto de branco, veste quimono e anda esquisito. Ela sabe dançar. Por mim, eu olho com desdém pra qualquer profissão que dependa tanto de um leque. Pruma gueixa deixar cair o leque durante a dança é quase fim de carreira. Mas pensando bem, tô falando essas besteiras sem saber se gueixas ainda existem hoje. “Memórias” é meio nostálgico de uma época em que havia gueixas de verdade. Infelizmente também é nostálgico de um mundo em que homens disputam a virgindade de uma menina.

Não tenho o mínimo encanto por tradições, ainda mais essas que servem pra oprimir mulheres, nem quando essas tradições vêm revestidas com um visual magnífico feito pra arrecadar Oscars. Após ver “Memórias”, notei que o segredo super misterioso das gueixas é que elas são chinesas. As três gueixas de maior importância neste melodrama são todas chinesas. Pode parecer implicância minha, mas ponha-se no lugar de um japonês. A gueixa é um dos símbolos do seu país, certo? Aí vem Hollywood e faz um drama rodado na Califórnia em que a língua materna do Japão é inglês, claro, e, pra piorar, escalam uma chinesa pro papel principal. Tudo bem que pro Ocidente oriental é tudo igual. Todo mundo tem olhinho puxado. Mas o formato dos olhos varia! Um japonês é bem diferente de um chinês que é bem diferente de um coreano. Ah, você não acha? E depois você se ofende quando os americanos filmam uma história passada no Brasil onde a personagem central chama-se Juanita, a capital é Buenos Aires e todos dizem “Buenos dias”? Não é a mesma coisa? Olha, o caso de “Queixa” é mais ou menos assim: imagina que Hollywood faz “Memórias de uma Mulata do Sargentelli”... e escala uma argentina branquela pro papel-título. Posso estar enganada, mas acho que a gente ia chiar. E isso que a nossa animosidade com os argentinos não deve ser a metade que os japoneses têm com os chineses e vice-versa, que sempre estiveram envolvidos em guerras de expansão. Pelo que li, a China proibiu a exibição de “Memórias” por lá (não perde grande coisa). E os japoneses acharam graça da suprema ignorância americana.

Tá certo que as três gueixas chinesas são lindas: tem a Ziyi Zhang, de “O Clã das Adagas Voadoras”, a Michelle Yeoh de “O Tigre e o Dragão” (na realidade ela é malasiana), e a Gong Li de “Lanternas Vermelhas”. Imagino que o diretor Rob Marshall, de “Chicago”, tenha convidado a Lucy Liu, mas ela devia estar ocupada. Nenhuma delas tem muito que fazer nessa história marcada pelo convencional. Todos os clichês estão lá, incluindo a narração em off. Conta o dramalhão de uma garota vendida pelos seus pais pra ser escrava, na pior das hipóteses, ou gueixa, na melhor. Chega uma hora em que ela recebe um nome de molho de soja e sua carreira deslancha. Aí a gente tem que aturar frases relativas ao principal tesouro de uma mulher, coisas como “nenhum homem vai querer comer uma ameixa que já foi mordida”. Ainda bem que só o Bush e o Vaticano falam em virgindade hoje em dia, e ninguém presta atenção.

Só um parêntesis rápido. Essa parte do principal tesouro feminino lembra bastante “Orgulho e Preconceito”, em que uma mocinha se perde por fugir com um cara. Sabe, ela vai transar sem casar, ohhhh! Essas tramas soam exóticas pra gente no século XXI, graças a Deus. Antes de fechar o parêntesis, no livro da Jane Austen a heroína se apaixona pelo sujeito de uma forma bem mais sutil, se é que se apaixona mesmo. Ela só passa a gostar dele quando confere que pode mudá-lo. No filme, ele não muda nadinha, ela que estava cega ao não perceber o homem maravilhoso que a ama. É uma diferença considerável. Quem diria que Austen 1800 era mais feminista que Hollywood 2006?

Voltando às gueixas, ao menos “Memórias” ensina a maior façanha a que uma mulher pode aspirar, que é parar um homem com seu olhar. Pra isso a moça (ajuda se ela for jovem e bela) deve olhar pra baixo, timidamente, e na hora h encarar a presa. É batata: o carinha vai cair da sua bicicleta ou de onde estiver montado e causar um estrago enorme. Mas se o cara for pobre, tudo que ele vai conseguir é ser encarado por uma gueixa. Porque, pelo que entendi, ter uma gueixa é como ter um carro luxuoso. É pra poucos. E cá pra nós, meu feminismo não permite que eu aprecie tramas em que mulheres são tratadas como mercadorias. Ai, ai, mal posso esperar pra que Hollywood faça um épico sobre lutadores de sumô. Já devem estar sondando o Gordon Liu.

CRÍTICA: MANDERLAY / Von Trier 2 a zero

Você se lembra de “Dogville”? Eu não poderia esquecer, menos por conta do filme (ótimo, por sinal) que por causa da reação hostil do público joinvilense, que só faltou jogar copo de refri na tela. “Dogville” foi a primeira parte da trilogia com que o diretor dinamarquês Lars von Trier (“Ondas do Destino”, “Dançando no Escuro”) declarou guerra aos Estados Unidos. “Manderlay” é a segunda. E, como era de se prever, esse não chegou aqui. Daí fui vê-lo em Curitiba. E é impressionante como público de cinema de arte é diferente. O pessoal não conversa com o vizinho, nem atende celular.

Enfim, em “Dogville” eu tinha dúvidas se a mensagem era abertamente anti-americana ou anti-humanista, se o que causa a chegada de Grace, a protagonista da trilogia, poderia acontecer em qualquer cidadezinha do mundo. Mas em “Manderlay” não há margem pra dúvida. Além d’a estátua da liberdade ser citada, o que a trama mostra só pode acontecer nos EUA mesmo. Aliás, o Von Trier nunca pôs o pé na terra das oportunidades, e ele é massacrado pelos críticos americanos por isso, que o acusam de falar contra o que não conhece. Numa ocasião ele respondeu, graciosamente, que acha que conhece os EUA melhor que Hollywood conhecia Marrocos quando fez “Casablanca”. Dá pra discordar? Mas a questão é se, depois de fazer esses filmes, ele poderia entrar nos EUA mesmo se quisesse. Acho que não...

Em “Manderlay” ainda estamos na década de 30, e Grace vai parar numa plantação que continua usando escravos, setenta anos depois da abolição. Injuriada, ela decide fazer a diferença e trazer liberdade àquela gente – nem que seja à força, claro. É bem divertido ver o gangster pai de Grace adivinhar o que vai ocorrer com a vila após a abolição: os ex-escravos vão virar assalariados com um salário que não lhes permitirá sobreviver, e serão responsáveis pela própria comida e moradia. Mas tudo bem, porque, se precisarem, os patrões podem emprestar algum dinheiro a juros camaradas. E por falar em camaradas, os patrões mui amigos também pretendem abrir uma vendinha pra que seus empregados possam comprar lá mesmo, sem precisar sair. No fundo Grace, apesar de todas as suas boas intenções, é um pouco como o Bush. Ambos se consideram enviados de Deus. Mas os temas das reuniões que Grace promove são hilários, parecem os dos livros de auto-ajuda e de palestras empresariais. Coisas tipo como lidar com a raiva, sabe?

Pra fazer Grace desta vez, sai a Nicole Kidman, entra a Bryce Dallas Howard de “A Vila”. Olha, não dá pra comparar o currículo da Bryce com o da Nicole, mas não sei se dá pra dizer com todas as letras que a atuação da Nicole é superior. Na realidade, eu mal vi a atuação da Bryce, porque “Manderlay” é tão escuro que eu mais ouvi do que vi os atores. A fotografia de “Dogville” certamente era melhor. Mas “Manderlay” traz mais efeitos especiais, tem até uma fogueira (real, não pintada no chão). Bom, em termos cinematográficos o filme é nulo. E a narração em off do John Hurt, embora irônica, às vezes é povoada por frases compridas demais. E faltou um pouco a interação entre os negros e os ex-donos da fazenda, agora escravos brancos. Mas as idéias são tão inteligentes e provocantes que dá pra perdoar qualquer coisa. No final tudo se encaixa, inclusive o ridículo de decidir a hora através do voto, ou as conseqüências de se destruir a natureza.

Ahn, eu disse que perdôo qualquer coisa? Não é bem assim. Há uma cena brevíssima em que os ex-escravos, famintos, precisam matar um jumento. Você não imagina a polêmica que há em volta dessa cena. Parece que o Von Trier matou um burro de verdade. O John C. Reilly (de “Chicago”) abandonou as filmagens indignado. De acordo com os produtores, era um burro velho e doente que seria sacrificado de qualquer jeito, o que foi feito no filme sem que o animal sofresse, sob a supervisão de um veterinário. O resultado? Milhares de ativistas acusando o Von Trier de assassinar um animal em nome do entretenimento. O diretor acabou tirando quase toda a cena e respondeu aos ativistas: desde quando seus filmes são entretenimento? Mas, realmente, matar um animal pra simular realismo num filme que não dá a mínima pra realismo é ridículo. A guerra contra os EUA podia prosseguir sem sacrifícios, né?

CRÍTICA: AS LOUCURAS DE DICK E JANE / É um sarro

Toda vez que falo de um filme com o Jim Carrey eu me repito: explico que sou fã número um dele desde “Truman Show”, que ele é o herdeiro do Jerry Lewis, que é um gênio da comédia, etc etc. Mas, depois de ver “As Loucuras de Dick e Jane”, percebi que ele também se repete, seguindo um padrão. As produções dele começam bem e são divertidíssimas durante dois terços do tempo. Daí elas morrem. E morrem porque ficam sérias, porque precisam transmitir alguma mensagem edificante provando que o Jim é mais que um cara engraçado – ele é um cara legal, com consciência moral e ética. É isso que acontece em “Todo Poderoso” e em “O Mentiroso”, quando começam a ensinar pra gente que mentir é feio, e a gente boceja. E é o maior problema de “Dick e Jane”. O terço final não tem nada a ver com o resto.

Mas até chegar lá a comédia é uma delícia. Eu, pelo menos, chorei de rir. Não rolei de rir porque isso implicaria num problema de peso, e fora isso não há espaço nas salas. Acho que o respeitável público me acompanhou. Seria interessante instalar um risômetro no cinema pra comprovar o que digo, que o filme morre no seu último ato. As risadas despencam mais que as ações da companhia onde o personagem do Jim trabalha, uma espécie de Enron.

Ish, mas melhor começar pelo começo. “Dick e Jane” é uma refilmagem de uma comédia de 77 com a Jane Fonda, que passou aqui com o título “Adivinhe Quem Vem para Roubar”. Eu não vi. Dizem que no original a batalha dos sexos é mais forte. Por exemplo, a Jane aprende que tem duas opções de carreira, secretária ou prostituta. Ao que seu marido retruca, “Eu eliminaria a opção de ser secretária”. Outro pontinho que talvez você precise saber pra compreender os desenhos da abertura e o pôster é que o “Dick and Jane” deles é o nosso “Vovô vê a uva”, essas historinhas usadas na alfabetização. Bom, Dick e Jane, ou Jim Carrey e Téa Leoni, no caso, ficam na pior financeiramente quando a empresa do Jim quebra. Ou seja, é uma total ficção, já que americano de classe média pra gente é rico, classe média não passa fome, e eu não tenho pena de americano. Mas o padrão de vida do casal vai caindo até que eles decidem roubar. E eles não vão virar assaltantes bem trapalhões pra dar aos pobres, mas pra acabar de instalar a Jacuzzi no quintal. Isso é, até o Jim pôr a mão na consciência por algum motivo mal-explicado e ele se tornar um cara legal prestes a salvar a humanidade. Eu preferia quando a preocupação dele era com a Jacuzzi.

A Téa, que eu já pichei bastante por “Impacto Profundo” e “Parque dos Dinossauros 3”, faz um ótimo par com o Jim. É de chorar de rir a cena em que os dois escolhem bolinhos enquanto roubam um café. Ah, e quando têm que confiscar a televisão do filho. E quando tomam banho usando os regadores de grama do vizinho. E as cenas do elevador e do aparelhinho de mudar a voz mostram todo o talento do Jim. Como você pode visualizar, é tudo um humor bem físico, que é a praia do Jim. De quebra, tem o Alec Baldwin fazendo o canalha executivo, especialidade dele desde “O Sucesso a Qualquer Preço” (mas seu papel em “Tudo Acontece em Elizabethtown” é mais relevante).

Há quem reclame de “Dick e Jane” porque a crítica ao consumismo e mesmo ao corporativismo não vai muito longe. Mas vamos ser francos. Ninguém vai ver uma comédia do Jim esperando sair da sessão mais revoltado com o capitalismo selvagem. É até estranho que um astro multimilionário se lembre das vítimas da Enron. Olha, pro pobre coitado que se confundiu e entrou no cinema errado, recomendo a comédia independente “Luta de Classes em Beverley Hills” e o documentário “Os Caras Mais Espertos da Sala: A Surpreendente Ascensão e Queda da Enron”. “Dick e Jane” é pros alienados fãs do Jim. E, como disse a bilheteira, o filme é um sarro. Pelo menos até o seu terço final.

CRÍTICA: KING KONG / Konguinho, meu rei

Chegou Kong, King Kong, o rei do pedaço, e não é que o filme é ótimo? Não esperava nada dele das 3.217 vezes que vi o trailer, mas devo admitir que é um dos melhores exemplares do cinema de puro entretenimento do ano. Acho que só perde pro “Batman Begins”. Apesar de eu ter odiado “Senhor dos Anéis”, tenho que reconhecer que o Peter Jackson é um cara ousado. Não havia exatamente um movimento internacional pedindo a refilmagem de “King Kong”. O clássico de 1933 é fofinho, se bem que só me lembro da cena no Empire State, mas quando refizeram o troço em 76 foi um fiasco. E lá vem o Peter fazer uma aventura de época. E, por incrível que pareça, tem gente que nunca ouviu falar no Konguinho, então é mais adequado não revelar o final. Pensava que todo mundo tivesse uma relação afetuosa, meio nostálgica, com o gorilão (por exemplo, eu brincava com o Donkey Kong da Nintendo). Mas tem quem diga King Quem?

Neste “KK”, que se passa na década de 30, um pessoal tá rodando um filme e vai parar numa ilha hostil, onde uns nativos nada-a-ver apresentam a atriz principal, a Naomi Watts (de “O Chamado” e “21 Gramas”), prum gorila do tamanho de um prédio. A propósito, o tamanho dele é variável. Tem ocasiões que a Naomi parece uma pulga perto dele; em outras ela já é uma lagartixa. Inclusive, agora é uma boa hora pra se falar nos tão celebrados efeitos especiais. Seguinte: quando o Kong fica em close, paradão, ele tá muito bem feito. Vale os 200 milhões de dólares. Mas em movimento ele aparenta ser o que é: um efeito especial gerado por computador. Como os outros bichos, aliás. Na primeira vez que vemos os brontossauros (as únicas criaturas inofensivas na ilha, a menos que dêem pra sentar em cima da gente), dá pra notar claramente que é uma projeção. Essas coisas geradas por computador, não sei não. Sou uma visionária. Meu chute é que daqui a dez anos, no máximo, o consenso será o que eu tô dizendo agorinha: não convencem. Lembra da cena do “Exterminador do Futuro” de 84 em que o Schwarzza troca de olho na frente do espelho? Ou do carinha cujo rosto escorre pela pia em “Poltergeist”? Na época todo mundo achou bárbaro. Concorreu a Oscar de efeitos especiais e o escambau. Hoje eu passo a cena pros meus adolescentes e não tem um que não grite “Palha!”. Mas o filme não é melhor ou pior porque seus efeitos não são realistas. Como diz a Blanche Dubois, eu não quero realismo, quero magia! Eu convivo bem com o fato que dinossauros e macacões não existem. Desconfio até que eles já não existiam em 33.

Mas sabe, só a seqüência em que a Naomi vai de boca em boca já vale o ingresso. Ela escapa do gorilão pra cair no papo de um T-Rex. Foge dele pra ser presa fácil de um estegossauro. E finalmente surgem lacraias gigantes. Olha, dinossauros de trinta toneladas, macacos com segundas intenções, morcegos cheios de dentes—tudo isso eu tiraria de letra. Mas quando aparecem aqueles insetos bem-alimentados, não tem jeito. Aí eu comecei a tremer feio. Se fosse eu naquela ilha, eu chamaria o gorila de meu rei rapidinho. Ele derrota seus inimigos e bate no peito, como se comportam basicamente todas as espécies do sexo masculino. Deus queira que ele não marque território com xixi.

Durante o filme, fiquei pensando que seria mais ousado se eles fizessem o macacão se pendurar no World Trade Center. Depois o maridão jurou que a refilmagem de 76 usava as torres gêmeas. Pode? Quando o Osama derrubou o prédio, ninguém se lembrou disso. Se bem que o maridão também disse que gorilas são vegetarianos. Acho que ele tava tirando uma da minha cara. Este ponto dos hábitos alimentares do Konguinho, porém, é relevante. Ele quer comer a Naomi? (vocês não prestam). Quando ele pega um galho de uma árvore e põe na boca, pensei que ele tava só palitando os dentes. Mas sem maldade, acho que o relacionamento entre ele e a Naomi não tem conotação sexual. O Konguinho se comporta com ela como meus gatinhos agem com os ratos e lagartixas que caçam. Taí o humor da história. A piadinha do Abominável Homem das Neves é divertida, assim como quando o gorilão vai coletando loiras por Nova York, vendo que não é a Naomi, e jogando-as fora, numa enorme quantidade de loiras descartáveis.

Eu até derramei umas lagriminhas no fim, e quase me auto-esbofeteei por chorar por um efeito especial. Fiquei torcendo pelo impossível: que o gorilão e a Naomi se retirassem pruma ilha deserta e vivessem felizes para sempre. De preferência uma ilha deserta sem baratas gigantes, porque aí não tem amor que resista.

terça-feira, 29 de novembro de 2005

CRÍTICA: GUERRA DOS MUNDOS / Salvem o Tom primeiro

Guerra dos Mundos” traz vantagens e desvantagens. Qual você quer ouvir primeiro? O lado ruim: ETs invadem nosso planeta e matam milhões, quiçá bilhões, de pessoas. A boa notícia é que esse pequeno incidente serve para aproximar um pai desleixado de seus dois filhos. Tá, você pode pensar que tô sendo cínica, mas a coisa não muda de figura quando a gente vê que esse pai é o Tom Cruise? O Tom é lindo até coberto de cinzas de humanos decompostos.

Bom, não detestei o filme. A primeira metade é empolgante. E gostei do foco, de como tudo que é mostrado é o que o personagem do Tom presencia. Não temos que ficar aturando presidente americano salvando o universo. Mas o problema permanece, e é o mesmo de “Sinais”: os ETs não têm mais nada pra fazer não além de desenhar círculos no milharal do Mel ou olhar fotos no porão do Tom? Não tô condenando os alienígenas, pelo contrário – se eu fosse uma ET, eu também iria querer pegar o Tom. Certamente seria minha principal missão na Terra. Eu bolaria alguns planos de abdução e cruzamento entre espécies e tudo. Mas será que todos os seres inteligentes são como eu? Adoro pergunta em que a resposta já vem embutida. Ahn, o final da aventura é tão, tão, mas tão péssimo que afeta muito do que vem antes. Depois da cena da barca, infelizmente, “Guerra dos Mundos” fica mais com cara de “Guerra dos Bundos”. E que guerra é essa, afinal? Não tem guerra nenhuma, tem é extermínio. ETs vs. humanidade é como se fosse a gente contra as formigas. As formigas não têm a mínima chance. No entanto, acabo de voltar da minha cozinha e ver as trilhas de formigas nas paredes e... Ok, péssimo exemplo. Ainda no quesito insetos, quem me garante que as baratas não sejam ETs? Elas existem desde antes dos dinossauros. Pode ser que elas estejam aguardando pacientemente sua hora de tomar o mundo. Quer dizer, as baratas da minha cozinha não parecem tão pacientes. Melhor voltar pro filme.

Pra passar a impressão que esta minha crônica não é uma total nulidade, desejo afirmar que li o livro do H. G. Wells. O que mais me impressiona no clássico (que não é nenhuma obra-prima) é que ele foi escrito em 1898, antes da invenção da TV e da geladeira, 70 anos antes do homem pisar na lua. O Wells conta uma história de ficção científica quando o pessoal ainda andava de carroça! E o incrível é que a descrição que ele faz dos marcianos é basicamente a mesma que o cinema adota até hoje. Os pontos mais interessantes do livro são as lutas pra se manter vivo e uma discussão sobre evolução. As duas coisas ficam de fora do filme do Spielberg. E se alguém não entendeu que diabos são aquelas plantinhas vermelhas, eu também não. Mas o livro explica.

Em todas as 527 vezes que vi o trailer, eu pensava na narração sisuda e concluía: isso é piada. Tem coisas que só devem ser feitas como paródia, sabe? Mas não, aqui em “Guerra” a narração persiste da maneira mais preguiçosa possível, abrindo e fechando a película. Seria uma homenagem à locução do Orson Welles ou incapacidade de esclarecer a trama? Minha cena ridícula favorita é quando o Tom decide tomar providências contra o resistente e louco-varrido Tim Robbins. Vejamos: o duelo Tom vs. Tim se dá entre um bonitão e um sujeito 40 centímetros mais alto, armado com uma pá. Adivinha quem ganha? Mas, pelo que pude perceber do público, a cena mais intragável, tirando o final, que ninguém engoliu, foi quando todo um quarteirão é arrasado por um desastre aéreo, e o carro do Tom (o único carro que anda em toda a terra das oportunidades) continua inteiraço. E ainda por cima tem a Dakota Fanning, que faz a filha do Tom, gritando dentro do carro. Sobre a atuação da menininha, posso declarar que não torci muito pra que ela morresse lentamente. Já o irmão dela... ETs! ETs!

Falando sério, o que mais me agrada nessas histórias apocalípticas, seja com marcianos ou zumbis hostis, é a rotina da sobrevivência. O que comer, onde se esconder, como se locomover? Quanto tempo duraria meu estoque de chocolate? Teria que dividir tabletes com outros sobreviventes? Em caso de emergência, daria pra arrombar supermercados abandonados? Ou precisaria comer, argh, peixe pra não morrer de fome? São todos tópicos de suma relevância que “Guerra” nem aborda. No filme ninguém nem faz necessidades, o que é natural, já que ninguém come ou bebe coisa alguma. A única cena contendo comida é uma com pasta de amendoim. O maridão, inclusive, tinha a esperança que os ETs iriam morrer por não ter anticorpos contra pasta de amendoim. Acho que o Amendocrem não tá em “Guerra” à toa. Esse gosto bizarro por pasta de amendoim e porte de armas deixa claro o que o resto do mundo acha dos Estados Unidos: os americanos são os alienígenas do planeta.

CRÍTICA: WOLF CREEK / Matador de esperança

Eu queria ver “Brokeback Mountain”, eu queria ver “Capote”, mas como já é tradição indicado ao Oscar passar longe de Joinville, lá fui eu aturar “Wolf Creek – Viagem ao Inferno”. Agora, espero não ser apedrejada por isso, mas gostei desse filme australiano de baixíssimo orçamento. Acho que o público em geral não seguirá minha opinião, e ficará tão revoltado com “WC” quanto ficou com “Mar Aberto”. É compreensível. Mas esse programa de cinema já vale o ingresso só pra estudar o que o esmagamento da esperança faz com uma platéia.

Nem sei o que falar sobre “WC” e não entregar a trama. Recomendo que você vá vê-lo sem saber nadinha. Mas é o seguinte: duas moças inglesas e um australiano andam de carro pela deserto da Austrália até chegar ao Parque Nacional de Wolf Creek, onde há uma enorme cratera criada por meteorito. Apesar do meu entusiasmo por aventuras, se me contassem que pra chegar lá teria que dirigir uma pá de dias e andar montes de horas, eu diria, “Não tem uma National Geographic com as fotos?”. Mas o trio é jovem. Nos primeiros quarenta minutos só isso acontece, ou seja, quase nada. Daí o carro deles enguiça, eles aceitam ajuda de um homem que lembra o Crocodilo Dundee, vão dormir e quando acordam “WC” já é um filme radicalmente diferente. Por mim, eu dava a esse terror que não é terror o Prêmio de Pior Incentivo ao Turismo Australiano Já Visto no Cinema. Dizem que foi baseado em fatos reais, numa onda de assassinatos de mochileiros por serial killer(s) na década de 80 e 90. Mas isso é estranho, porque quem sobrevive não vê grande coisa.

Enfim, a gente tá acostumada demais com filme americano, onde os mocinhos sofrem mas vencem, e os vilões aprontam mas perdem, e no final são sadicamente recompensados com a pena de morte. Quando isso não ocorre é frustrante. A gente se esquece que o cinema de outros países não tem o pudor de Hollywood. Sempre me lembro de um filminho australiano que passava na TV em que um bando de assassinos invadia uma escola. Crianças eram trucidadas no caminho e, no fim, a meiga professorinha e seus pupilos trucidavam seus algozes. Pois é, “WC” tampouco é material de cinemão. Quem vai querendo se assustar vai se decepcionar legal. Aqui não tem música de prender respiração, ou cortes abruptos do horror panelaço. Uma moça até vai ao banheiro e se olha no espelho sem que um cadáver apareça no cantinho. Ainda assim, chegou uma hora em que eu tava dialogando com o filme, gritando pra tela, meio histérica, “Não! Não! Não vai aí! Cuidado!”. rica, ssim, chegou uma hora em que eu tava dialogando com o filme, gritando pra tela, meio histlgozes.

Prum filme causar essa reação numa veterana do terror (não gostei das implicações da palavra veterana), é porque ele funciona. Pertence ao gênero “o que você faria numa situação difícil dessas?” Eu certamente não jogaria caminhão de penhasco nem ficaria analisando câmeras de filmar. Mas o trio não é bobinho. Tudo em, parte do público caiu de dar risada quando nossas expectativas são contrariadas, uma por uma. De minha parte só posso dizer que fazia tempo que não torcia tanto pela sobrevivência da espécie. E que o assassino me apavorou mais que o Hannibal Canibal. “WC” é a estréia de um tal de Greg McLean, assim como o ótimo “A Morte Pede Carona” era a estréia de um diretor que já foi talentoso, o Robert Harmon. Se você quer minha aposta, tamos aí: “WC” vai virar cult. É o tipo de história que penetra nos nossos pesadelos. Olha, conheço várias pessoas que amam “Jogos Mortais” (eu até apreciei o primeiro). Mas lá temos diversos personagens descartáveis e um cara muito sádico. Em “WC” só temos o sádico. Que mata qualquer esperança.

CRÍTICA: VÔO NOTURNO / Suspense pé no chão nas alturas

“Vôo Noturno” é um filminho B, simples mas eficaz. O problema é que no dia seguinte a gente não se lembra que foi ao cinema. Aliás, eu preferiria ter ido à sessão sem saber nadica de nada, sem ter visto o trailer. Se você é como eu, não leia este texto até depois, tá? A primeira meia hora, quando a gente ainda não conhece as intenções do Cillian Murphy, é a melhor. Pensei direto na musiquinha do medo de avião, em que eu segurei pela primeira vez a sua mão. Daí ele revela pra Rachel McAdams que é um terrorista e que o pai dela vai morrer se ela não ligar pro hotel onde trabalha e mudar um hóspede de quarto. Tudo isso dentro de um avião. Boa parte do tempo a gente fica grudada observando essas duas almas em close, e não acontece grande coisa, o que é ótimo. Até seu terço final, “Vôo” é um suspense minimalista, e também uma experiência nova pro Wes Craven, mestre do horror, criador do Freddy Krueger e diretor de “Pânico”. Sabe quem é.

Soa incrível dizer que o filme oferece troços do dia a dia (ninguém derruba o avião, por exemplo), porque no meu cotidiano eu consigo passar várias semanas sem que apareça um terrorista me ameaçando de morte e sem presenciar uma traqueotomia realizada sem anestesia. Mas “Vôo”, comparado a outros produtos hollywoodianos, é bem pé no chão, apesar de se passar nas alturas. O suspense funciona pelo carisma dos dois atores. O Cillian é aquele um que roubava a cena em “Batman Begins” como o Espantalho. Ele também era o bonzinho de “Extermínio”, não que eu me lembre qualquer coisa desse filme inglês. Com seus olhos azuis gelados, o Cillian tá fadado a ser vilão. A Rachel é canadense e fez “Garotas Malvadas” e “Penetras Bons de Bico”. Logo logo ela vai estar substituindo a Julia Roberts no estrelato.

Agora vamos aos fatos totalmente inverossímeis. Imagine que você precise dar dois telefonemas importantíssimos, um pra advertir alguém que você ama e outro pra advertir um cliente. Pra quem você ligaria antes? Deixa eu ajudar. O cliente é americano. Não é suficiente? O cliente é Secretário de Defesa dos EUA. Pô, quem disser que ligaria primeiro pro cliente é um mentiroso desgraçado! Outra surpresa é que no filme há várias cabeçadas. Um usa a cabeça como arma pra bater no outro, entende? Na vida real, mesmo quando a gente bate cabeça bem fraquinho, sem querer, já dói um tempão e deixa galo. Aqui não. E devo confessar que não entendi a posição da Rachel no hotel. Ela é recepcionista ou gerente? Não que eu tenha alguma experiência nisso, mas pensava que um super hotel cinco estrelas tivesse mais de duas funcionárias. Bom, de verdade, o suspense maior pra mim foi imaginar quando os passageiros atrás deles iriam dizer: olha, dá pra ameaçar a moça mais baixinho? Tô escutando tudo e tentando dormir.

Tem ainda um outro probleminha. Suponho que, após o plano todo dar certo (não que haja a menor possibilidade, você sabe como essas tramas são previsíveis), o Cillian teria que matar a Rachel, porque ela poderia identificá-lo. E aí teria que matar todos os passageiros que os viram juntos, não? Ia ser a maior chacina. Mas deixa pra lá. O detalhe legal é quando o psicopata diz pra moça que estudou o comportamento dela durante meses, e que ela mentiu sobre seu drink favorito. Ou seja, ela já mentia antes do bafão todo. No fim, em que um dos personagens tenta acertar o outro com um taco, e bate, bate, bate e erra, tive mais um deja-vu. O maridão havia protagonizado a mesma cena com uma vassoura e um ratinho poucas horas antes. Deu dez a zero pro rato.

Não posso reclamar de “Vôo”, já que depois de sofrer com “Ameaça Invisível”, ver um filminho envolvendo aviação comercial é um alívio. O próximo a chegar será “Plano de Vôo”, com a Jodie Foster. A história parece mais interessante – será a filhinha dela que irá desaparecer em pleno vôo. Não sei quanto a você, mas pessoalmente me preocupo mais com uma criança em perigo do que com um Secretário de Defesa morto.

CRÍTICA: WALLACE E GROMIT / Estados vegetativos

Nessas horas que a gente nota como a redução de salas de cinema em Joinville afeta nossa saúde mental. Criciúma tá com uma programação melhor que a nossa. Nada contra Criciúma, mas não dá pra comparar uma cidade média com a maior do Estado. Agora temos cinco salas pra meio milhão de habitantes. O que isso quer dizer? Que “O Jardineiro Fiel” não vai chegar aqui. Que eu tenho que ver “Wallace & Gromit – A Batalha dos Vegetais”, se quiser manter a média de cinema uma vez por semana. Ou seja, estou convencida: é pessoal.

Um monte de gente se deslumbra com “Wallace & Gromit”. Geralmente é o mesmo pessoal que babou com “Fuga das Galinhas”. Eu não sou uma dessas. Minha mãe também não; até hoje ela faz o sinal da cruz ao ouvir falar de “Fuga”. Mas sejamos francos: mais inútil que um filme como “W & G”, doravante chamado de “Vegetais”, só mesmo uma crítica a um filme desses. Xingar animação pra criança é uma coisa perigosa, porque tem indivíduos que crêem não só na pureza infantil como na pureza da arte. Não sei qual crença é mais ingênua, mas vamos nos ater à segunda. Animação, como todo cinema comercial, é feita pra ganhar dinheiro. Não importa se usam computador ou a mão. No caso de “Vegetais”, a técnica é do stop-motion, que dá um trabalhão, porque os criadores fazem as massinhas de modelar, fotografam, alteram a massinha, fotografam de novo, daí colocam tudo a 24 quadros por segundo, e dá a impressão que o personagem piscou. Reconheço que é difícil, mas só por ser trabalhoso e levar um tempão não quer dizer que seja bom. É como o meu rocambole de carne, por exemplo. Eu me entediei com a traminha do inventor e seu fiel cão que salvam uma vila dos coelhos. Não achei a menor graça e, por isso, fiquei me concentrando nas impressões digitais que aparecem nas massinhas. Tem quem diga que isso é de propósito, pra dar um toque mais artesanal. O troço da pureza de novo.


Há coisas bonitinhas, como os coelhinhos e o próprio espírito pró-vegetariano. O único vilão é um aristocrata caçador, cuja voz, na versão não-dublada, é do Ralph Fiennes, aquele que eu queria ver em “O Jardineiro Fiel”. Antes passou um curta com os pingüins de Madagascar, e eu ri com os dentes de um poodle. Talvez o que aconteça é que esses desenhos todos são fofos pra curtas de dez minutos, mas mais do que isso cansa. 85 minutos de ode às cenouras acaba comigo. Mas, como diz o crítico da “New Yorker”, se a Jessica Alba pode ter uma carreira cinematográfica, por que a argila não poderia?