Outro dia vi uma charge do magnífico cartunista Quino em que um homem observava várias situações em sua nação - como conquistas esportivas, a fome, churrascos, buracos -, e exclamava, mudando apenas a expressão no rosto, "Meu país!". No final, alguém lhe pergunta sua nacionalidade, para colocar em um documento, e ele responde: "Contraditória".
No Brasil, principalmente em época de competições, sinto que não existe esta contradição. Tapamos os olhos e enxergamos apenas as coisas boas. A menina gaúcha que ganhou três medalhas na ginástica nos redime. Até um torneio chinfrim, como essa tal de Copa das Confederações, onde o Brasil decide semifinal com Arábia Saudita e final com México, recebe enorme destaque e nos faz esquecer a descoberta da miséria por ACM, conchavos com a Ford, aumento de combustíveis, o rendimento da poupança, que é metade da inflação; enfim, esse desgoverno todo que aí está.
O nacionalismo esportivo sempre foi uma maneira de alienar o povo. Será que mudou tanta coisa da copa de 70, do "Pra frente Brasil" e "Brasil, ame-o ou deixe-o" pra cá? Não tenho a menor idéia de quem eram os locutores de então, mas não me espantaria se eles fossem idênticos a Galvão Bueno, Luciano do Valle e cia. ltda.
Qualquer um que conheça um pouco de história sabe que nenhum nacionalismo está completo sem um inimigo externo. Portanto, no esporte tratamos de arranjar logo dois adversários mortais: Argentina e Cuba. Pois é, imagina se a gente ia brigar com país de primeiro mundo? Claro que não, diante deles a gente se curva, beija seus pés, e agradece a Deus por olharem por nós, comprarem nossas estatais e instalarem fábricas de vez em quando.
O nível técnico deste Pan-americano em Winnipeg parece estar meio baixo, há uma proporção de uma medalha para cada 4,5 participantes, mas nosso respeitável público não precisa saber disso. Cada medalha de ouro de um brasileiro é tratada como salvação da pátria. Vale bandeira, vale hino, vale auto-afirmação da potência que somos. E nossa luta no quadro de premiações é contra a Argentina. Contra Cuba, não vamos chegar lá, o que não evita que qualquer confronto entre Brasil X Cuba seja tratado como um clássico. É assim no vôlei, no pólo aquático, no basquete... Ainda bem que os cubanos não são chegados a um futebol.
Vi uma atleta brasileira dizer que "lá esporte é a única possibilidade de ascensão social", e fiquei bastante confusa. De onde ela estava falando, daqui ou de Cuba? Cuba é um paisinho minúsculo, com área parecida com a cidade de Boa Vista, em Roraima. Tem o que, 10 milhões de habitantes? Mesmo assim, é uma potência esportiva mundial. Nenhuma outra nação com população deste tamanho consegue tal desempenho. Só não tem mais medalhas neste Pan porque o Canadá eliminou da competição cem medalhas em que os cubanos seriam favoritos.
E, se Cuba é um sucesso no esporte, é porque lá o pessoal investe em trabalho de base. O Estado garimpa entre as crianças e lhes dá treino e financiamento. Agora, eu gostaria de saber o que há de tão errado nisso. E se o Brasil tivesse um sistema similar de tirar as crianças da rua e desse escola e esporte? Ou oferecesse a prática de exercícios aos internos da Febem? Alguém em sã consciência pode negar que o tratamento do esporte em Cuba é exemplar, e que poderia funcionar em outros países?
Mas não, não vamos jamais reconhecer que algo vindo daqueles comunistas pode ser bom. Cruz credo! Fidel, argh!, e fazemos o sinal da cruz três vezes.
Nossa bandeira é linda, mas patriotismo em excesso não faz bem a ninguém. O Brasil não melhora ou piora a cada medalha que recebe. Com as declarações da Leila do vôlei, que manda o espírito olímpico às favas e garante odiar as cubanas, fica mais difícil sonhar com o mundo sem fronteiras imaginado por John Lennon. Se quisermos tirar alguma lição do Pan, que tal esta: o que seria deste gigante em berço esplêndido se um dia acordasse?
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ResponderExcluirLola, eu adoro esportes e acompanho sempre esses eventos. Inclusive tenho diversos gravados em VHS (coisa retrógrada!) e tenho até essa entrevista da Leila que você citou, e ela não falou que odeia as cubanas. Ela disse que seria um jogo do respeito, se ele fosse recíproco. E que acompanha esportes sabe que os cubanos são famosos por desrespeitar seus oponentes para desestabilizá-los. Uma tática que ao meu ver é desprezível. Eu se fosse atleta não teria nenhum respeito por eles também.
ResponderExcluirAdorei o texto,finalmente alguém que pensa como eu,quando eu critiquei o Pan de 2007,o que eu recebi de críticas não tá no gibi,me lembro particularmente de uma que dizia que "não é porque tem gente passando fome que não podemos ter outras alegrias",era um negócio assim.
ResponderExcluirEu concordo,mas como o brasileiro não consegue dar atenção a política e aos esportes ao mesmo tempo,prefiro que dê atenção só pra política.