quarta-feira, 4 de novembro de 2020

DUAS ABERRAÇÕES JURÍDICAS QUE FEREM A TODAS NÓS

Segunda alguém trouxe à tona um tuíte de outubro de 2017, em que um bolsonarista (nunca falha!) diz que vale a pena "assumir" msol (como mascus chamam mãe solteira) porque, quando a filha chegar aos 15, ele, o padrasto, poderia ser o primeiro a desfrutar sexualmente dela. Um nojo completo. O rapaz também fez um tuíte em que um casal hétero se beija. Ele escreveu: "Sambando na cara da sociedade esquerdista... A família tradicional respira".

Pois é. O idiota que defende a "família tradicional" é o mesmo que deseja estuprar a filha. E depois somos nós, feministas, que somos contra a família! 

Isso me fez lembrar quando eu tive uma agência de casamento, muitos anos atrás, em 1995 (é verdade! Leia aqui). Uma vez um homem rico de cerca de 60 anos veio se inscrever. Só que ele fez uma exigência: queria uma mãe solteira que tivesse filha de até seis anos. Achei muito suspeito e não o aceitei. 

Segunda-feira também saiu uma decisão desastrosa do Tribunal de Justiça de SP: quando não há penetração, um ato libidinoso contra menor de 14 anos não é estupro de vulnerável, e sim importunação sexual. Como assim? Este é um retrocesso imenso e abre precedente perigosíssimo! 

A história é a seguinte: um homem foi condenado a 18 anos de prisão por molestar sexualmente a sobrinha de 8 anos. Através do desembargador João Morenghi, o TJ-SP reformou a sentença e deu ao criminoso 1 ano e 4 meses em regime aberto! A pena ainda foi substituída por prestação de serviços! O estuprador não pegou um só dia de cana!

O desembargador escreveu em sua sentença (cuidado: trigger warning, alerta de gatilho:) "Os atos praticados pelo apelante -- fazer a vítima se sentar em seu colo e movimentá-la para cima a fim de se esfregar nela e apertar seus seios -- não possuem a gravidade do estupro. [...] Irrelevante que se trate de menor de 14 anos". 

Chocante! Desde 2009, ficou entendido que qualquer ato libidinoso com menores de 14 anos configura estupro (artigo 217-A do CP). Mas a Lei no. 13.718 de 2018 alterou o Código Penal, introduzindo o tipo penal da importunação sexual. De lá para cá, decisões isoladas condenaram por importunação sexual, não estupro. Ou seja: voltamos aos tempos pré-2009 em que era necessário que houvesse conjunção carnal para que fosse considerado estupro! 

Ontem o tenebroso caso da Mariana Ferrer ficou nos trending topics do Twitter o dia todo, porque o Intercept Brasil teve acesso a um trecho do vídeo da audiência em julho, realizada via videoconferência por causa da pandemia. É um show do patriarcado em ação. Mari é a única mulher. Há quatro homens: o juiz Rudson Marcos, o promotor Thiago Carriço de Oliveira, um escrivão, e o advogado de defesa Claudio Gastão da Rosa Filho, conhecido como Gastãozinho, um dos advogados mais caros de Santa Catarina (e que defendeu gente da estirpe de Sara Winter e Olavo de Carvalho). Só faltou o acusado André Aranha! 

No vídeo (que Gastãozinho tenta desesperadamente tirar do ar), podemos vê-lo analisando fotos de Mari, criticando as "poses ginecológicas", chamando-a de mentirosa, dizendo "graças a Deus não tenho uma filha do teu nível, graças a Deus, e também peço a Deus que meu filho não encontre uma mulher feito você". Ele também fala: "A verdade é essa, não é? É seu ganha-pão a desgraça dos outros". Um advogado acusando uma influencer de lucrar com a desgraça dos outros!

O juiz não fala nada. O promotor interrompe apenas para perguntar a Mariana se ela quer tomar água para se recompor, já que a moça de 23 anos está chorando. É uma cena cruel. Ontem, com a repercussão do caso, um conselheiro pediu que o Tribunal de SC apurasse a conduta do juiz na audiência. O ministro do STF Gilmar Mendes pediu o mesmo, chamando as cenas da audiência de "estarrecedoras".

O promotor Carriço é responsável por "inventar", embora ele não use o termo, um tipo penal inédito na legislação brasileira: o estupro culposo

Ou seja, estupro sem intenção de estuprar. O promotor afirmou que, se um cara "transa" com uma menina de menos de 14 anos sem saber sua idade, isso elimina a culpa do cara. Sério?! "Por que não aplicar a mesma interpretação com aquele que mantem relação com pessoa maior de idade, cuja suposta incapacidade não é do seu conhecimento?", perguntou o promotor para criar o estupro sem intenção. Pensem nos precedentes que isso traz!

Ontem à noite o Intercept lançou uma nota: "A expressão 'estupro culposo' foi usada pelo Intercept para resumir o caso e explicá-lo para o público leigo. O artifício é usual ao jornalismo. Em nenhum momento o Intercept declarou que a expressão foi usada no processo". 

O Intercept usou o que está na sentença para cunhar o termo. Por exemplo, uma das citações diz: "Como não foi prevista a modalidade culposa do estupro de vulnerável, o fato é atípico". Na realidade, a jornalista Schirlei Alves, que assina o artigo do Intercept publicado ontem, já havia usado o termo num artigo para a Nd+ (de Santa Catarina), em meados de setembro. Aquele artigo teve muita repercussão (eu gravei um vídeo baseado nele), mas, como o Intercept tem mais alcance e credibilidade, foi ontem que o termo estourou. 

São duas decisões hediondas -- importunação sexual em vez de estupro de vulnerável  para quem abusa sem penetração meninas com menos de 14 anos, e estupro sem intenção de estuprar no caso Mari Ferrer -- que indubitavelmente serão usadas para absolver estupradores de meninas e mulheres por todo o Brasil. São aberrações jurídicas que ferem a todas nós! Não podemos nos calar! Nosso país já registra um estupro a cada 8 minutos. Se depender desses juízes, desembargadores, promotores, advogados, a quantos estupros impunes eles querem chegar?

Assine a petição exigindo justiça para Mariana Ferrer!

18 comentários:

Isaac Duarte disse...

A última coisa que gostaria é ver um estuprador livre do crime ou uma vítima sem amparo da justiça.

Mas a sentença do caso da Mari Ferrer está muito bem fundamentada. Vale a leitura, pois estou num grupo de advogados (e advogadas) que concordam com a tese. Dada as evidências apresentadas (testemunhal, inclusive de amigos, exames toxicológicos) a tese do juiz não é sem pé nem cabeça. O que torna ainda mais difícil a reversão em segunda instância.

O que não tira o fato que a audiência foi um show de horrores e pode até ser anulada.

Anônimo disse...

Debate: JUSTIÇA PARA MARIANA FERRER
https://youtube.com/embed/T-Q2iguAbq0

Anônimo disse...

Que desânimo viver nesse país pqp.

avasconsil disse...

O caso da menina de 08 anos provavelmente vai parar no STJ. Acredito que o MP recorra. Dizer que uma menina de 08 anos tem seios, dá licença. Com 08 anos dificilmente tem algum pomo ou mama, que é o seio. Ele devia ter falado região do peito, pois peito todo mundo tem. Já o outro caso talvez não vá ao STJ. Como o MP foi favorável ao acusado ele não vai querer recorrer. Teria que ser um assistente da acusação. Pior que quem trabalha no sistema de justiça sabe que a leniência de um juiz, de um promotor ou de um desembargador não é de graça. Quando eles são bonzinhos é porque estão ganhando pra isso. Agora então que estamos perto do Natal, estão garantindo a ceia. Uma ceia de luxo, né? Os acusados devem ter dinheiro e o está usando pra se safar. É tão comum.

avasconsil disse...

Pelo que diz aqui tudo foi favorável ao acusado. Por coincidência o promotor que judicializou o caso foi promovido e entrou o outro da tese de que, como não existe estupro culposo, e não houve prova do dolo, o jeito é absolver, né, fazer o quê? O exame toxicológico foi favorável a ele. Não encontrou nenhuma substância entorpecente nela. Só Deus sabe qual foi o sangue usado no exame. Deus e alguns poucos encarnados. E um trecho da filmagem na boate foi apagado. Mas não foi proposital não, viu? Gente maldosa que enxerga cabelo em ovo. Foi porque de 4h em 4h o programa apaga as filmagens mais antigas pra o HD ser reutilizado. E o acusado é muito rico. Filho de advogado conhecido, que provavelmente já conhece todos os caminhos das pedras, e rico suficiente pra ser do mesmo círculo de convivência do Roberto Marinho Neto e do Ronaldinho ex-fenômeno. Ou seja, com esse aí não vai acontecer nada. Ela tá muito bem guarnecido por todos os aspectos e todos os lados, principalmente o financeiro, que compra todos os outros. Mesmo que seja culpado, essa culpa nunca vai aparecer no processo. É um caso que cheira mal. Mas litigar contra rico no Brasil é assim mesmo. Nem sei se só no Brasil. Pelo que tenho visto nos seriados da Netflix que se passam noutros cantos, não é só aqui não https://jornaldebrasilia.com.br/brasil/tese-de-estupro-culposo-por-promotor-em-caso-de-mariana-ferrer-gera-revolta/

Anônimo disse...

Apalpar uma mulher é muito diferente de penetrá-la a força, a gravidade das duas coisas nem se compara. A lei deve diferenciar estupro de importunação sexual SIM.

Anônimo disse...

a) Que está tragédia seja um vetor para as mulheres compreenderem a importância de elegermos mulheres que nos defendam do machismo estrutural temos boas opções no campo progressista. Thais Ferreira Elika Takimoto Mônica Cunha Mônica Benício e etc

Hamanndah disse...

Trata-se de uma criança de 8 anos..como apalpar uma criança de 8 anos é mais leve que estupro ?

avasconsil disse...

No caso dela (a influencer) houve rompimento do hímen e havia esperma dele na calcinha dela. A dúvida recaiu sobre o consentidamento ou não do intercurso. Ele foi absolvido por falta de prova do dolo. Na dúvida sobre se ele se aproveitou ou não da possibilidade dela de consentir ou não, ele foi absolvido. Vai ser muito difícil reverter essa decisão. O papai dele é advogado e tem dinheiro. Então desde o inquérito ele está muito bem guardado. E o sistema de justiça faz trabalho coletivo. É uma corrente. Como toda corrente, tem a força do elo mais frágil. E infelizmente os elos podres são corriqueiros. Gente venável não falta. O caso da menina de 8 anos também acho que não vai ser revertido. É o princípio da lei penal mais benéfica. Se na época do cometimento do crime já estava em vigor a lei penal mais branda, ela deve prevalecer.

Anônimo disse...

Libera os coments

Anônimo disse...

Hamanndah, apalpar uma criança de 8 anos é abominável, doentio mas certamente é mais leve que ter relações com uma criança de 8 anos, não vai machucar o corpo dela e nem há possibilidade de gravidez. Fora que o trauma de ser estrupada é muito maior que o de ser apalpada.

Anônimo disse...

Fazendo apenas um pequeno comentário, anular o processo não sei se não é ajudar o réu, por que só será preso depois do transito e julgado, ele pode brigar por anos (sim, plural) para que a sentença atual seja mantida,

Anônimo disse...

No caso da Mariana Ferrer ela disse que foi dopada. Os exames dela não provaram que ela tinha ingerido nenhuma substância. O cara foi absolvido por falta de prova.
Estamos no Brasil, o réu é rico, nada garante que a perícia não foi corrompida. Mas o fato é que não existe prova do crime.
Claro que nada disso justifica as atrocidades cometidas pelo adv. Foi muito canalha. Se a outra parte fosse um traficante ele não seria macho pra agir como agiu.

titia disse...

"O problema é que não dá pra ter certeza da falta de consentimento". Disse quem não viu o vídeo da moça saindo da sala onde foi estuprada cambaleando e desorientada, totalmente abatida. Exatamente o estado normal da mulher depois de uma primeira vez plenamente consentida.

“O Rivotril é muito consumido no país. Ele pode ser comprado mediante apresentação da receita. Quando a vítima é dopada com ele, fica difícil comprovar, pois não é detectado na urina”, explica.

https://www.otempo.com.br/brasil/drogas-do-estupro-estao-cada-vez-mais-disseminadas-1.1313785

Eu me comoveria com a ingenuidade se não soubesse que é má intenção, mesmo.

Anônimo disse...

Na verdade, para que a sentença seja reformada (conteúdo decisório substituído por um acórdão condenatório do TJSC).

Anônimo disse...

Quem puder leia o texto do professor Pedro Serrano no Facebook (https://m.facebook.com/story.php?story_fbid=10222020115065126&id=1028564340) e comentários de vários advogados que viram a audiência na íntegra. Eles são enfáticos quanto à necessidade de anulação do processo, pelo desemparo jurídico da vítima no momento e evidentes tentativas de humilhá-la e desestabilizá-la desde o início. Foi mesmo um verdadeiro escândalo e ao mesmo tempo uma lição sobre como funciona nossa sociedade. A um só tempo, há uma alpinista social de nome Karen Marins, do grupo que trabalha para a boate e para o estuprador que já apareceu em live de extrema-direita (Antônia Fontenelle) e defendendo o Rodrigo Constantino, cujo empenho central na vida agora é atrair visibilidade desacreditando a vítima. Em tempo, caso ninguém tenha ainda incluído no mapa mental dessa história grotesca, o advogado do réu também é advogado da boate no rolo dos Beach clubs desde a Operação Moeda Verde.

Anônimo disse...

Não consegui acessar o link para assinar a petição...

Anônimo disse...

Concerteza apalpar ou passar a mão em uma criança é mais leve do que penetrar uma criança, mas a caracterização do estupro não é se houve penetracao ou não, é se houve violência , o estupro é caracterizado por vc usar a violencia e praticar atos libidinos , agora uma criança mesmo que se utilize violencia ou não é estupro , porque a criança não tem resistência quando vc pratica um estupro com ela , ou seja apalpar uma criança vc já esta usando a violência com ela , porque ela não tem resistência, então sim , apalpar uma criança ainda sim pra min é estupro , menos grave que a penetracao , mas a pessoa que apalpa uma criança tem que responder como crime de estupro ainda sim