quarta-feira, 14 de outubro de 2020

FACEBOOK E ÓDIO, UM DISCURSO EM COMUM

Até que enfim, Facebook! Demorou muito, mas antes tarde do que mais tarde pra deletar páginas que neguem ou distorçam o Holocausto. Dois anos atrás, Mark Zuckerberg, que os neonazis chamam de Juderberg, assim como chamam o YouTube de Jew Tube e o Holocausto de Holoconto, disse numa entrevista que, embora achasse a negação do Holocausto ofensiva, ele não acreditava que o Facebook deveria deletar conteúdo desse tipo. Nesses dois anos, o número de páginas que negam o Holocausto só cresceu. 

Tem que ver, óbvio, o quanto essa decisão se deve a uma mudança de consciência do Zuckerberg, ou de pressão externa. Este ano, vários grupos de direitos humanos organizaram um boicote aos anunciantes do FB para exigir que a plataforma agisse contra discurso de ódio. 

Mas a decisão de ontem do FB é importante. Um estudo recente mostrou que um quarto dos adultos americanos entre 18 e 29 anos acham que o Holocausto foi um mito, que é exagerado. Sinal de que a propaganda neonazista funciona. 

Vocês devem estar lembrados de um discurso incrível que o ator e diretor Sacha Baron Cohen, mais conhecido como Borat, fez em novembro do ano passado na Liga Anti-Difamação sobre as corporações da internet. Ele falou o que eu vivo dizendo: que é preciso responsabilizar as empresas como FB, Twitter, YouTube, Instagram, Google etc pelo discurso de ódio e pelas fake news que elas divulgam. Elas não vão se regulamentar sozinhas. 

Cohen diz que, se o Facebook tivesse existido nos anos 1930s, ele teria permitido que Hitler postasse anúncios de 30 segundos sobre a solução para o "problema judeu". A internet forma a maior máquina de propaganda da história, e ela está ajudando a espalhar e a tornar mainstream teorias da conspiração e mentiras. O crescimento de teorias patéticas como o terraplanismo nunca aconteceria sem a internet. 

Cohen explica que liberdade de expressão, freedom of speech, não deveria ser confundida com freedom of reach, liberdade de alcance. Por que permitir que as piores pessoas do mundo, as mais abjetas, as mais mentirosas, as que querem semear ódio, vender pedofilia e tráfico sexual e promover massacres, tenham à disposição uma plataforma que alcance um terço do planeta? Cohen resumiu muito bem: "Aqueles que negam o Holocausto têm o objetivo de encorajar outro". 

Então, agora, o Facebook finalmente optou por não permitir que neonazis espalhem seu ódio e tentativas de recrutamento. Quanto vai demorar pra que a empresa faça o mesmo com conteúdo misógino, racista, LGBTfóbico, xenofóbico? 

Ontem li um artigo muito bom e longo do Andrew Marantz da revista americana The New Yorker. Quero compartilhar algumas coisas que ele disse aqui.

O artigo começa falando o óbvio, que o Facebook, assim como outras plataformas, está cheio de discurso de ódio e fake news. Será que o FB realmente quer resolver o problema? Será que o problema pode ser resolvido? Como todo mundo que viu o filme A Rede Social sabe, o Facebook foi criado em 2004 através do que pode ser visto como discurso de ódio do Zuckerberg, que era comparar mulheres universitárias fisicamente e descartar as feias. Na fundação da plataforma, não havia praticamente nenhuma regulamentação interna sobre moderação, sobre o que deveria ser permitido ou não. Hoje, o departamento de Relações Públicas do Facebook tenta nos convencer que a empresa não lucra com o ódio. Como um ex-funcionário do FB disse ao autor da matéria, "Ninguém quer se olhar no espelho e pensar que faz um monte de dinheiro dando um enorme megafone a pessoas perigosas". 

Teoricamente, ninguém pode publicar discurso de ódio no FB. Na prática, porém, líderes mundiais como Trump publicam o que quiserem. Em 2015, por exemplo, quando Trump ainda era um azarão para a indicação republicana para concorrer à presidência dos EUA, ele pediu na sua página no FB a proibição total para muçulmanos entrarem no país, porque eles não respeitam a vida humana. Ele se referia a todos os muçulmanos, que é mais ou menos 1 bilhão e 800 mil pessoas no mundo. Bom, isso é discurso de ódio. O FB liberou aquele post e muitos outros mais. Trump continua fazendo isso até hoje. Em outubro do ano passado, ele passou no FB uma propaganda da sua campanha de reeleição cheia de calúnias contra Joe Biden. A CNN se recusou a veicular o anúncio, mas o YouTube, Twitter e FB deixaram.

Na matéria do New Yorker também citam Bolsonaro como um modelo de divulgação de ódio. Em janeiro deste ano, numa de suas lives toda quinta, que viram vídeos no FB, nosso excrementíssimo presidente da república declarou que "o índio está evoluindo" e "cada vez mais é um ser humano igual a nós". Houve discussão interna no FB pra decidir se esse vídeo racista seria removido. Uma das pessoas que queriam bani-lo fez uma apresentação detalhada mostrando como a desumanização é a base do discurso de ódio. Mas um quadro de moderadores optou por não remover. A justificativa é que Bolsonaro é sempre assim, desse jeitinho mesmo, politicamente incorreto. "Politicamente incorreto", como a gente sabe, é eufemismo pra discurso de ódio. É como chamar algo absolutamente hediondo e preconceituoso de "polêmico".

O FB tem cerca de 15 mil funcionários trabalhando como moderadores em todo o mundo, em várias cidades como Dublin, Austin, Berlim e Manila. Já ficou famoso como muitos desses funcionários desenvolveram síndrome de stress pós-traumático, porque eles ficam horas intermináveis expostos a material tóxico como pornografia infantil, decapitações, ameaças de morte, todo tipo de violência. Milhares de funcionários processaram o FB numa ação conjunta pela exposição a esse conteúdo repulsivo. O FB fez um acordo e desembolsou 52 milhões de dólares para indenizações. O departamento de relações humanas da empresa garante que hoje o FB oferece aos moderadores uma linha aberta de saúde mental 24 horas. 

Deve ser duro ser moderador no FB, sem dúvida. Fora estar exposto inúmeras horas por dia às piores imagens possíveis, a pessoa ainda tem que manter um índice de acerto de 98%. Ou seja, se o moderador decide banir uma página, essa página apela e um quadro de moderadores opta por não banir a página, isso entra como pontuação negativa pro moderador. Portanto, por que banir? É arriscado pra ele. 

E aí a gente fica com incoerências absurdas do Facebook, que rotineiramente remove propaganda de recrutamento para o ISIS e outros grupos islâmicos, mas não para grupos de supremacistas brancos. A matéria cita que uma página britânica de nacionalistas brancos chamada Britain First, ou Grã Bretanha Primeiro, tinha 2 milhões de seguidores no FB. Em dezembro de 2017, o YouTube e o Twitter finalmente removeram o canal e perfil do Britain First. Mas o Facebook deixou a página seguir até que, em 2018, um membro do grupo dirigiu sua van por cima de uma multidão perto de uma mesquita em Londres, matando um muçulmano e ferindo no mínimo outros nove. Quer dizer, ainda levou seis semanas depois disso pro FB remover a página do grupo terrorista.

Um documentário passou um pedaço de uma sessão de treinamento de moderadores do FB, que foi filmado clandestinamente. Nessa sessão, o treinador mostrou um meme, um cartum, em que uma mãe branca afoga sua filha numa banheira, com a legenda "Quando o primeiro crush da sua filha é um garoto negro". O treinador diz que, apesar da imagem "sugerir muito", não há ataque ao garoto negro, então ok, podemos ignorar isso. Esse é o treinamento para moderadores no FB: ignorem um cartum abertamente racista! 

Eu não estou no FB, não tenho página lá, mas conheço muita gente que saiu por se cansar do ódio. Todas as ativistas que têm página na plataforma narram as dificuldades. Elas denunciam uma página por discurso de ódio e raramente ela é removida. Enquanto isso, muitos dos posts delas, ativistas pelos direitos humanos, são! É vergonhoso. Entendo que é delicado que uma corporação privada como o Facebook decida o que pode ou não ser visto, que mais ou menos seis homens, donos das maiores plataformas online do planeta, ditem o que é ou não passável. Mas, ao mesmo tempo, do jeito que está, com a veiculação irrestrita de todo tipo de material radioativo, as democracias do planeta correm perigo. A gente já viu o que o WhatsApp fez com o Brasil em 2018. 

Veja meu vídeo no Fala Lola Fala

4 comentários:

Luise Mior disse...

postagem de utilidade pública. Obrigada Lola, vai indo para meu artigo sobre misoginia nas redes e direito penal. Abraços querida, continue se cuidando.

Anônimo disse...

Puuuuuuuutzzzzzzzz

Alan Alriga disse...

O que eu já cansei de denunciar posts de mulheres sendo mortas no face, pra depois de algumas horas eu receber a notificação que nada de errado foi encontrado, e o pior é que tenho uma amiga que vive tendo as suas contas do face deletadas, por causa de memes totalmente bobos, que ela faz usando as próprias fotos dela ou seja ela não está pegando fotos de terceiros para fazer os memes inofensivos dela.

Anônimo disse...

Eu sai do Facebook desde junho de 2018 e não me arrependo, pois estava e conforme matéria ainda está repleto de virulência, verborragia, discursos racistas, xenófobos, entre outros preconceitos odientos. O Facebook está muito parecido com o Orkut antes do massacre do Realengo, mas tem um agravante, quando ocorreu este massacre os preconceituosos, misóginos correram para apagar páginas na Internet e perfis falsos no Orkut como vários blogs foram desativados pelos próprios administradores, enquanto o massacre de Suzano, prisão do psicopata de Goiânia que tem vários fãs e apoiadores como outros no exterior não fizeram isso pela conivência das plataformas como YouTube, Twitter, etc onde você faz a denúncia e raramente uma providência é tomada, tem também o fato de se sentirem seguros e representados pelo excrementissímo Mijair Merdias Bolsoshower, sua prole asquerosa e gansters mafiosos ministros, alguns nem escondem a identidade, embora existam ainda muitos perfis fake. Quando isso vai acabar? Acredito que não tão cedo ou talvez fique, pois muitos são profissionais na área de tecnologia da informação e estão em colaboração para disseminar ódio, preconceito, violência, incitação a massacres, assassinatos, gostaria de ser positiva, mas sou realista. O importante é continuar firme quem for contra esta corrente virulenta.