segunda-feira, 17 de fevereiro de 2020

ESPIÃO DA ABIN NA UNB?

Mais uma presepada do governo, algo comum que não é de hoje, ou paranoia nossa?
A história é a seguinte: o Ministério da Economia criou um "clube de descontos", que permite a cinco empresas enviarem ofertas e propostas a cerca de 1,2 milhão de servidores públicos federais. Fora a questão de por que algumas empresas foram escolhidas (por exemplo, o banco BTG, que já pertenceu a Paulo Guedes) e outras não, há a questão do sigilo de dados. Essas empresas saberão muito mais sobre os servidores do que consta no Portal da Transparência (que já é bastante). Por isso, recomendo que os servidores não se cadastrem no clube, que tem previsão para ser aberto oficialmente em abril.
Mas este não é o foco deste post. É que o jornal Metrópoles, de Brasília, descobriu que o sistema "entregava" informações pra lá de sigilosas, como detalhes de ações de policiais rodoviários federais no combate ao tráfico de drogas nas estradas.
O Metrópoles conseguiu ver onde estava infiltrado um agente secreto da Abin (Agência Brasileira de Inteligência): ele estaria lotado como vigilante da Universidade de Brasília (UnB). Por que um agente da Abin, que requer muita especialização, estaria trabalhando escondido como porteiro de uma universidade, um cargo que é geralmente preenchido por empresas terceirizadas? Pra espionar a universidade, já que Bolso e seu sinistro Weintroll são abertamente inimigos da educação?
Assim que li a notícia sobre o espião, fiquei incrédula. Lembrei de quando eu conheci um agente da Abin, que esteve duas vezes em casa, depois que a quadrilha mascu ameaçou cometer um ato terrorista na UFC caso eu não fosse exonerada (no final de 2016). Ele mostrou empatia e quis ajudar, mas eu achei a Abin muito incompetente. No nosso segundo e último encontro, perguntei se eles estavam pelo menos monitorando o fórum Dogolachan, e o agente me respondeu que não, porque se eles entrassem no chan a quadrilha reconheceria o IP. Isso da alta inteligência brasileira! 
Palestra em março na UnB
Outra coisa que me lembrei foi de ter conhecido o departamento de segurança da UnB, que deve ser o mais organizado de uma universidade brasileira. Ele é composto por servidores contratados pela UnB, não terceirizados, então o conhecimento que eles têm da universidade e seu comprometimento é muito maior. Quase todos estão há décadas lá, e, quando se aposentarem (em breve), sobrarão apenas os terceirizados. Eles foram os responsáveis por organizarem o maior esquema de segurança que já tive, em março do ano passado, quando palestrei na UnB. Fiquei pensando se eles sabiam do novo porteiro, que foi contratado em outubro (porque eles sabem de tudo que acontece). Falei com um deles, que me respondeu que estavam realizando diligências e investigações sobre o caso, assim não poderiam discutir o assunto no momento.
No sábado, uma leitora minha que trabalha na UnB (e que obviamente quer preservar sua identidade) me mandou um memorando que foi enviado a várias chefias de departamento em julho de 2019. Vou reproduzi-lo aqui:

As descobertas do Metró-
poles
no sistema do
Clube do Desconto
Para: Dirigentes de Unidades Acadêmica e Administrativa, Centros e Órgãos Complementares
Assunto: indicação de servidor para exercer a função de "Agente de Orientação Disciplinar".
Referência: 23106.082960/2019-15
A par de cumprimentá-los, solicito a indicação de servidor para exercer a função de "Agente de Orientação Disciplinar", com objetivo de auxiliar na educação, prevenção, orientação, conciliação e apuração de irregularidades praticadas por agentes públicos na esfera administrativa da UnB, com atuação no âmbito da unidade de lotação.
As principais diretrizes a serem observadas são: fomento de ações profiláticas, educadoras, preventivas e conciliatórias junto a servidores, promoção da função disciplinar e o zelo pela probidade no Poder Executivo Federal.
Ofício enviado pelo
parlamentar Fábio Felix
(ver abaixo) à Abin
O servidor a ser indicado deverá pautar-se pela ética, legalidade, sensibilidade, paciência, capacidade de escuta, equilíbrio emocional, proatividade, discrição e comprometimento com o serviço, perfil desejado para o exercício da função de "Agente de Orientação Disciplinar", essencial à universidade.
Cumpre esclarecer que a atividade disciplinar não se confunde com as atividades de ouvidoria, de comissão de ética, de auditoria, de fiscalização, de recuperação de valores e de apuração de irregularidades do corpo discente.
Por fim, para atender ao cronograma de capacitação dos referidos agentes, peço gentileza de responder ao presente no prazo de 5 (cinco) dias.
Atenciosamente,
GRE/CPAD

Não sei qual foi a repercussão entre as pessoas que receberam este misterioso email, mas no dia seguinte o grupo recebeu um outro memorando, que dizia: "Favor desconsiderar o Memorando no 50/2019/GRE/CPAD, de 16 de julho de 2019, que trata da indicação de servidor para exercer a função de 'Agente de Orientação Disciplinar', nos autos do processo n. 23106.082960/2019-15. Atenciosamente, [vou omitir o nome], GRE/CPAD". 
Não é surreal? O que me pareceu é que a UnB estava tentando contratar um "agente disciplinar" entre os seus servidores, não conseguiu, e o governo mandou um espião da Abin. Pode ser isso?
Contatei algumas pessoas que conheço de Brasília para ver o que elas sabiam. Uma professora (não da UnB) me disse: "Pelas conversas que já tive com algumas pessoas no trabalho, há agentes infiltrados em todo lugar.  Pessoas comuns, o sujeito concursado, ou com todo o registro em determinada carreira e, ao mesmo tempo, agente da ABIN. Estamos vivendo um momento tão horroroso, que eu nem veria a presença de um agente como surpresa, infelizmente".
Débora Diniz, professora licenciada da UnB (pois está exilada nos EUA após receber graves ameaças em 2018), acha que podem estar criando um clima de terror. Ela tuitou anteontem: "Dizem que há agente secreto da UnB. Quem diz? Um vazamento do governo. Pode até ser, só me soa a tática mais antiga de contrainformação para disseminar a introjeção da censura. Cria-se a realidade sem que ela exista".
O deputado Fábio Felix (Psol), presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Legislativa do DF, pediu esclarecimentos à Abin: "Há ameaças ao Estado e à ordem constitucional por parte da Universidade de Brasília que necessitem da atuação de um agente infiltrado desta agência na Universidade?” Ao Metrópoles, Felix, que começou sua militância política no movimento estudantil da UnB, afirmou: “é comum a gente desconfiar da existência de agentes infiltrados na universidade, quase uma lenda urbana, mas é chocante ver a informação concreta. Esse tipo de expediente era muito utilizado durante a ditadura militar, para perseguir estudantes. É preocupante que a Abin ainda queira mapear militância política, se for esse o caso. Eu quero saber qual é o papel, porque pode ser um ataque à democracia financiado pelo próprio contribuinte”.
A UnB manifestou, por nota, "surpresa e preocupação".
O caso ainda está muito nebuloso, mas espero que, divulgando o memorando de julho do ano passado, eu esteja contribuindo para a elucidação desse mistério.

8 comentários:

  1. a) Lola sou sua admiradora vc e 1000.

    b) Infelizmente Bolsonaro nao governa se vinga

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  2. Lola, viu esta notícia https://www.diariodocentrodomundo.com.br/essencial/urgente-policia-federal-avisa-toffoli-que-stf-pode-ser-alvo-de-ataque-terrorista/ ?

    Penso que "Unidade Realendo Marcelo do Valle" na verdade seja Unidade Realengo...

    Será?

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  3. Caso vocês não saibam mas esse tipo de coisa é tão normal, que todos os países do mundo fazem isso desde sempre, não entendo esse espanto todo de vocês em "descobrir" algo que qualquer pessoa com o minimo de conhecimento política sabe.

    E não, isso não foi algo que a nossa ditadura inventou, essa prática começou aqui no Brasil logo quando o nosso país foi descoberto.

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  4. Oi Lola! A gente só pode gritar: nós avisamos!

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  5. Olá Lola sou uma grande admiradora do seu blog. Sou estudante de Psicologia e faço parte do Laboratório de Estudos em Psicoterapia, Fenomenologia e Sociedade o LAPFES na UFC. Esse semestre iremos realizar um curso de extensão sobre a condição de ser mulher no contexto de violência e gostaria de saber se você poderia nos dá a honra de participar de um módulo conosco nesse mês de março.

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  6. Oi, K. Acho que posso participar sim. Por favor, me mande um email (lolaescreva@gmail.com) pra gente poder combinar direito.

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  7. Você tinha comentado comigo, Lola, e fui atrás das informações. Acredito, sinceramente, que o absurdo foi a lambança expondo a identidade do sujeito. Isso acontece de muito tempo e não é de hoje. Talvez, eles tenham colocado mais gente para espionar, de resto, não há novidade. Pelo menos, para mim.

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