quinta-feira, 26 de dezembro de 2019

GUEST POST: EXISTE DIFERENÇA ENTRE CASAMENTO E UNIÃO ESTÁVEL?

O testamento deixado por Gugu (em que exclui Rose, a mãe de seus filhos) vem dando o que falar. 
Rose entrará na Justiça para conseguir uma parte dos R$ 170 milhões da fortuna do apresentador (achei pouco! Pensei que ele, dono de um dos maiores salários da TV brasileira durante décadas, fosse bilionário).
Vi uma breve discussão no Twitter sobre relação estável não ser a mesma coisa que casar. 
Aprendi isso em 2007. Eu e Silvinho já vivíamos juntos há pelo menos 13 anos, mas tivemos que casar no civil pra que ele pudesse me acompanhar pro meu doutorado-sanduíche em Detroit. Foi mais fácil e rápido casar do que comprovar união estável!
Pedi pra Andréa escrever um pouco sobre isso. Andréa Góes é mulher, bailarina, mãe, graduada em Direito pela UFS, feminista, palestrante, especialista em Direito de Família e em Direito Público.

Falar sobre questões jurídicas usando nosso português coloquial é, para mim, a única maneira de aproximar as pessoas do pleno exercício dos seus direitos.
Enquanto, por outro lado, fazer questão de manter um linguajar técnico, me parece uma forma proposital de limitar a compreensão das normas aos profissionais da área. Limite indecente, pois tais normas dizem respeito às nossas vidas.
E acreditem: muitos problemas seriam evitados. Muita coisa não precisaria ser discutida no judiciário, caso soubéssemos de antemão questões essenciais.
Silvio e Lola em Joinville, 2005
Por exemplo: A Lola tinha uma união estável de 13 anos, acreditando no senso comum de que união estável e casamento são a mesma coisa. Comentei que, em vinte anos de advocacia, sempre me irritou essa lenda de união estável ter se tornado sinônimo de casamento, desde a Constituição Brasileira de 1988. Não foi bem isso que aconteceu.
Para melhor compreensão, vou transcrever aqui o artigo da Constituição que trouxe a União Estável ao status de entidade familiar:
"Art. 226.
A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
(...)
§ 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento."
Do texto original, a título de informação, já se evoluiu para o reconhecimento da união estável e do casamento entre pessoas do mesmo sexo, como não poderia deixar de ser.
É fato que uma relação é tão importante quanto a outra, mas já na formação, encontramos as primeiras diferenças:
Não há qualquer dúvida sobre a formalização do casamento: ela se dá na presença de um juiz de paz (Estado de São Paulo) ou de um juiz de direito (nos demais Estados e Distrito Federal). A celebração vai para o registro civil e gera uma certidão de casamento.
A certidão de casamento é uma “carteirada” indiscutível sobre seu estado civil e a sua data de início. Uma vez apresentada, não há qualquer outro questionamento. Não há necessidade de formar outras provas sobre a existência da relação. Ela dá ao casal o reconhecimento enquanto entidade familiar não apenas no território nacional, mas em qualquer país que não tenha a mesma interpretação sobre os efeitos legais da União Estável, por exemplo.
A união estável não exige ato formal e acontece independente de comparecimento a cartório para gerar um pacto de união estável (o que pode ser feito e é recomendável). A união estável acontece no plano dos fatos. Duas pessoas que se comprometem uma com a outra de forma duradoura e estabilizada, mas muitas vezes o momento de conversão entre o namoro e esse compromisso familiar maior é reservada à história privada do casal. Não há um marco público obrigatório.
O casamento muda o estado civil das pessoas para “casados”, enquanto não se altera o estado civil dos conviventes. E a gente precisa de outro texto só para explicar o quanto de diferença isso faz em questões do dia a dia.
Na hora de terminar a relação também é tudo muito diferente. Os casados precisam de um divórcio, enquanto os conviventes apenas seguem suas vidas, cada um para o seu lado. Mais fácil, não? Depende. E quando o casal tem bens para dividir?
Como nem toda união estável tem um documento público que determine o início da união (ou mesmo sua existência), é preciso provar no judiciário, através de ação de reconhecimento de união estável, sua existência e duração. E haja produção de provas! Porque vocês sabem no que a espécie humana se transforma quando se fala em partilha de bens.
Se um deles morre então... São muitas as diferenças e, em linhas gerais, há sempre mais vantagens para os que optaram pelo casamento: A começar pelo fato de que somente a pessoa casada entra na partilha na condição de herdeiro necessário sobre todos os bens deixados.
Na união estável o companheiro sobrevivente só terá direito sobre os bens constituídos durante a união e não faltará parente para propor ações objetivando questionar a existência do casal enquanto família.
Na Previdência e nas Seguradoras as exigências de provas também são bem diferentes para a concessão de pensão por falecimento ou seguro de vida.
Foram muitos os avanços conquistados por aqueles que convivem juntos em união estável, mas a equiparação prática, enquanto entidade familiar, infelizmente, ainda não alcançou o que foi idealizado, após mais de 30 anos, pelo artigo 226 da Constituição Federal.

5 comentários:

Michelle Medeiros disse...

Minha irmã tem uma união estável. A família dela tem preocupação com um apartamento. Aí gnt pq os humanos não se preocupam com a felicidade alheia?

Regina disse...

Mas e se a união estável estiver formalizada em cartório? Nesse caso,equivale ao casamento, correto?

Andréa Góes disse...

Nem quando está formalizada em cartório equivale. Pode tirar dúvidas sobre quando começou, etc, mas quase todos os problemas levantados no texto permanecem. No máximo ajuda na separação. Se houver morte de um , haja briga de família!

Vera Regina disse...

Muito esclarecedor seu texto Andréa, Obrigada!

Andréa Góes disse...

Eu que agradeço o feedback! Feliz Ano Novo!