quarta-feira, 28 de novembro de 2018

COMO ERA TRATADA MULHER NA POLÍTICA 30 ANOS ATRÁS

Este texto de Demitri Túlio (abaixo) publicado no início de novembro no jornal cearense O Povo fala do machismo que enfrentou Maria Luiza Fontenele três décadas atrás
Maria Luiza Fontenele
quando foi prefeita de
Fortaleza
Maria Luiza era do PT e foi a primeira prefeita mulher eleita para comandar uma capital no país, Fortaleza. Depois veio outra Luiza, Erundina, em SP. 
Eu vivia em SP quando Fontenele governou Fortaleza. Agora que vivo aqui (desde 2010), já vi a professora aposentada da UFC em algumas palestras. Ela é ótima, embora defenda algo que eu discorde -- o boicote às eleições. Seu lema é "fora todos". 
Leia o texto de Túlio e reflita: mudou muito de lá pra cá? Ou as mulheres na política ainda enfrentam o mesmo preconceito? Para refrescar a memória, incluí algumas imagens mais recentes com outras mulheres na política.
Maria Luiza, maldita Geni
Charge sobre Fontenele publicada
na época
Quando janeiro do ano que vem chegar, terão se passados 30 anos que Maria Luiza Fontenele passou a Prefeitura de Fortaleza para Ciro Gomes, em 1989.
Maria foi a primeira mulher eleita prefeita de uma capital no Brasil. E, também, a primeira petista a encarar, no Executivo, uma investida do machismo num País recém-saído de uma ditadura.
Luiza Erundina
A inexperiência administrativa, é verdade, também pesou. Nem ela nem o PT imaginavam amanhecer com a Prefeitura na mão. Era 1985, Paes de Andrade (PMDB) tinha 50% das intenções de voto e Lúcio Alcântara vinha em segundo. A petista era apenas a quarta na preferência.
Surpreenderam e foram surpreendidos. Também por isso, de 1986 a 1989, ela não comeu nem o pão que o diabo amassou porque nem isso lhe deram.
O fascista eleito já atacou a deputada
federal Maria do Rosário inúmeras
vezes. Esta foto é de 2016
Maria Luiza terminou a administração isolada até mesmo da esquerda que chegou com ela ao Paço Municipal. Tanto que foi expulsa do PT.
E não é exagero afirmar que a misoginia, tão em alta com a eleição de Jair Bolsonaro, foi um das armadilhas usadas para desqualificar uma mulher no poder municipal.
A então petista chegou a ser tratada por adversários políticos como "puta". Preconceito que, maldosamente, virou pauta de marqueteiros e publicitários afeitos, já naquela época, a espalhar notícias falsas.
Luizianne Lins, que foi prefeita de
Fortaleza entre 2008 e 2012, também
sofreu muito com o machismo
Jornalistas também. Por tempos, um deles insistiu em sua coluna de absurdos e bajulâncias a empresários e torturadores que Maria era dona de um motel em Fortaleza.
Maria Luíza poderia ser julgada, honestamente, por seus tropeços na  administração e pelas portas fechadas que foi encontrando. Nem Tasso nem Sarney lhe deram colher de chá. O interesse não era o coletivo.
Racismo e machismo juntos: o
reaça disfarçado de humorista
Danilo Gentili chamou a senadora
Regina Sousa de "tia do café"
Ela era pauta das conversas injuriosas de homens e até de mulheres. Maridos, separações e namorados que atravessariam a administração. Narrativas maledicentes sobre a vida particular da mulher de esquerda.
Como se os relacionamentos afetivos de Ciro Gomes, que pertencem só a ele e companheiras, fossem parte do jogo político. Não são. A não ser quando a coisa pública é contaminada pelo intimamente privado.
Gentili também esfregou nas suas
bolas uma notificação de
Maria do Rosário 
Com Maria Luíza a banda tocou, propositalmente, com um gato na tuba. Porque fomos criados para ser macho pegador, bode solto, a fabulação machista contra a prefeita "fogosa", de 44 anos, foi um dos tons da desconstrução de uma mulher "competente" no Palácio do Bispo.
Trinta anos depois, a roda da roca gira e fura, talvez, o mesmo dedo do falso moralismo. A ordem explícita é incentivar a desqualificação do outro que se opõe ao autoritarismo ou professa credo que não seja o da tradição.
Manuela D'Avila, candidata a vice
presidente em 2018, foi alvo de
machismo o tempo todo
Maria não foi apenas vítima. Não. Mas sofreu uma desconstrução indizível como ser humano. A ponto de ser, simbolicamente, tratada como "lixo" dada a cidade criminosamente despejada por monturos sem vencimentos.
Também foi taxada de "baderneira", "comunista", "socialista" por, mentirosamente, incentivar o quebra-quebra de ônibus do sistema de transporte público de Fortaleza.
Precisa falar alguma coisa?
Adesivo contra Dilma que circulou
em 2015. Hoje a gasolina custa o
dobro mas não se veem adesivos
deste tipo contra Temer
Era diferente de hoje, mas cheio de semelhanças. E um incentivo ao "entreguismo" e à boataria por crimes que não estão sendo cometidos. Nem sequer são tipificados.
Lembrei-me do constrangimento por causa de uma aula, há uma semana do 2º turno, de um professor que vem sofrendo ataques na Aldeota. Discutia sobre um fato histórico chamado ditadura militar. Batismo de Sangue, o filme baseado no livro de Frei Betto.
Um relato sobre versões do real de quem foi preso duas vezes por um regime que não aceitava a diversidade e o pensamento contrário.
Diferente do tempo de Maria, mas semelhante.
Homenagem a Marielle, que foi vítima de machismo
e racismo até depois de morta

11 comentários:

Anônimo disse...

Não conhecia a história dessa prefeita. Você mostrou muito bem como o machismo segue firme e forte ainda hoje. Ótimo post!

Anônimo disse...

Cadê meu comentário blogueira?

Rafael disse...

Minha cidade nunca foi governada por uma mulher,talvez por isso seja a capital mundial da mediocridade.

Anônimo disse...

Só faltou falar que ela a insatisfação popular e a a greve geral dos servidores municipais no mandado dela não foi à toa, ela deixou de pagar os servidores e fornecedores por meses, a cidade foi tomada pelo lixo e falta de cuidado. Um horror! Por causa disso ela foi expulsa do partido e o povo falava mal dela.

Outra coisa, se não estava preparada pra ser eleita, por que se candidatou?

Anônimo disse...

Vivi essa época, muita empolgação mas foi um desastre.Será que sou machista p achar a Maria Luiza uma baita incompetente?

titia disse...

11:06 se você a acha incompetente porque ela não estava preparada para administrar uma cidade e devido a isso fez um mal serviço, não. Se você acha que ela foi incompetente apenas por ser mulher, sim.

22:09 foda-se o seu comentário. Tá achando ruim vai chorar na cama que é lugar quente.

Marina disse...

11:06, por achar a Maria Luiza incompetente não sei, mas pelo seu comentário estúpido já dá pra saber q tipo de pessoa vc é.

donadio disse...

Olha, eu acho que o texto confunde as coisas.

Uma coisa é que a "opinião pública" tende a ser muito menos leniente com as mulheres do que com os homens. Dados dois prefeitos igualmente incompetentes, um de cada sexo, a avaliação da prefeita será pior do que a do prefeito.

Outra coisa é que o descontentamento com os governantes nem sempre é expresso de forma civilizada; os insultos são moeda corrente. E dado o sexismo reinante, esses insultos geralmente têm caráter misógino - mesmo quando são dirigidos contra homens: as mulheres são xingadas de "puta", os homens de "corno" ou "filho da puta": os maiores insultos contra os homens são insultos contra as mães ou as esposas deles.

E uma terceira coisa é a avaliação de um governo. Por que mulheres podem muito bem ser tão incompetentes quanto os homens, assim como podem ser tão competentes quanto eles. No caso específico, a administração da Maria Luiza em Fortaleza foi um desastre - nem todo causado por ela ou sua equipe, mas nem por isso menos desastroso. Compare-se com a administração da Luiza Erundina em São Paulo, que também foi polêmica e difícil, tendo que enfrentar a fúria da classe média paulistana, mas que, no balanço geral, foi mais positiva do que negativa. A Erundina manteve o apoio do partido até o fim do mandato, não foi expulsa, não ficou isolada.

Do jeito que o texto está, parece que o único problema da Maria Luiza foi o machismo (e parece que ela foi expulsa do PT por que o partido é, ou era, machista). Mas não é verdade; ela teve de enfrentar a fúria anti-petista das oligarquias cearenses, e enfrentou mal, de uma forma principista, um tudo-ou-nada que dificultou as coisas mais ainda. Nesse contexto, o machismo foi muito mais um instrumento da direita cearense para atacar a prefeita junto ao eleitorado, do que o motivo real da oposição a ela. Compare-se por exemplo a atitude das oligarquias para com as muitas mulheres de direita que já foram pessoas de destaque nos seus estados e municípios, como Roseana Sarney, Ana Amélia, Ângela Amin, Yeda Crusius, Rosinha Garotinho, Rosalba Ciarlini. Ainda que algumas delas tenham feito governos tão ou mais desastrosos do que a Maria Luiza, como é o caso da Yeda Crusius, os ataques que sofreram foram muito mais políticos do que sexistas - por que não interessava à direita mobilizar todos os demônios do imaginário popular contra elas.

Anônimo disse...

Como você mesma dised, Lola. Vc não viveu aqui. Essa mulher quase acabou com a cidade de tanta incompetência.

Anônimo disse...

A Luiza Erundina fez uma prefeitura boa mesmo com os meios de comunicação a denegrir sua imagem, câmara de vereadores toda contra ela e com vários rombos de "gestões " anteriores, o Jânio Quadros viajava para o exterior e deixava a administração com o vice para citar um exemplo. A condução não demorava, haviam linhas de ônibus e algumas alternativas foram criadas. Eu sei porque morava em São Paulo, estudava e trabalhava, dependia de transporte público, fora a criação dos sacolões com frutas, verduras, legumes de boa qualidade, menciono isso porque morava perto de um e fazia minhas compras.

donadio disse...

Essa mulher quase acabou com a cidade de tanta incompetência.

Acho que a gente tem bastante experiência com governos ruins no Brasil - governos de esquerda, governos de direita, governos chefiados por homens, governos chefiados por mulheres. Dá até para fazer um estudo isolando as variáveis.

Eis aqui quatro exemplos:

- Yeda Crusius - mulher, de direita - no governo do Rio Grande do Sul.
- Vitor Buaiz - homem, de esquerda - no governo do Espírito Santo.
- Maria Luiza - mulher, de esquerda - na prefeitura de Fortaleza.
- Rogério Rosso - homem, de direita - no governo do Distrito Federal.

Ninguém achou que Buaiz ou Rogério Rosso fizeram maus governos por serem homens. Muita gente achou que Buaiz e Maria Luiza fizeram governos ruins por serem de esquerda, assim como muita gente achou que Rosso e Yeda Crusius governaram mal por serem de direita. A diferença maior me parece entre Yeda Crusius e Maria Luiza: a crítica machista foi muito mais intensa contra Maria Luiza do que contra Yeda. Mas isso não tem a ver com um machismo supostamente pior em Fortaleza do que no Rio Grande do Sul; se fosse o caso, Fortaleza não teria voltado a eleger uma prefeita do sexo feminino, como Luizianne Lins, tão cedo.

Por outro lado, é muito fácil atribuir todo fracasso governamental à "incompetência" do chefe de governo. Mas a coisa é bem mais complicada. Há uma situação política e econômica que impacta com força - governar um estado quebrado, ou com minoria no legislativo, é mais difícil do que governar um estado em boas condições financeiras, e com maioria governista na Assembléia. Também ninguém governa sozinho; uma equipe fraca pode comprometer uma administração, sem que isso possa ser atribuído necessariamente à incompetência do chefe (ah, mas devia ter escolhido assessores melhores? Fácil dizer, mas nem sempre eles estão disponíveis; Jesus Cristo, por exemplo, tem recusado sistematicamente todos os convites).

E finalmente tem a questão da linha política do governo. Quando a política é errada, o governo é ruim mesmo que a implemente com total competência e dedicação (nós vamos ver isso no próximo ano, a nível federal - pronto, avisei). E, é claro, "política errada" é algo extremamente complicado de definir: fazer política é atender interesses, e atender interesses é priorizar interesses. Um governo pode ser ótimo para os banqueiros e proprietários de imóveis, e ao mesmo tempo ser péssimo para os trabalhadores e inquilinos. Um governo desastroso, na verdade, é aquele que consegue desagradar a gregos e troianos, como os quatro citados acima, ou Fernando Collor, ou De La Rúa na Argentina.

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Agora, o que eu não vejo é gente dizendo, ou escrevendo, que "esse homem" quase acabou com a cidade, ou o estado, ou o país. Por algum motivo misterioso, quem quase acaba com as polities são os governos ruins chefiados por mulheres (já vi gente dizendo que "Cristina Kirchner quase acabou com a Argentina", mas o De La Rúa chegou muito (mas muito mesmo) mais perto disso, sem que ninguém tenha se lembrado do que ele leva entre as pernas.