quinta-feira, 13 de setembro de 2018

GUEST POST: O HOSPÍCIO É ESTE MUNDO

Publico este belo relato da V.:

Será que não está na hora de combatermos o preconceito com conhecimento? 
Afinal, pré-conceito é um conceito prévio, formado antes de termos conhecimento do mundo que nos abarca, abraça e absorve. Será que não é hora (e urgente) de abrirmos os nossos olhos e corações ao que nos é diferente? Por que temas como gênero, sexualidade, criminalidade, saúde mental continuam tabus? 
Por que em pleno 2018 eu tive que ouvir que eu não posso demonstrar fraqueza, não posso ter um dia ruim por causa da minha doença? Não posso ter sintomas de depressão e ansiedade porque “vou ser tachada”. 
Tachada? 
Tachada de que? De louca e perversa porque eu tive um dia ruim? Um dia de choro ou um dia de angústia?
Quem nunca teve? Mesmo sem meu quadro?
Tive partes da minha vida publicadas no status PÚBLICO de uma pessoa “sem querer”. Sem querer disse, ainda, que sou “louca”, pois tomo remédios e sou “louca” porque, um dia, fiquei em casa e fiquei abalada por coisas que abalariam qualquer um. 
Fiquei furiosa. Perdi meu ritmo. Coisas extremamente íntimas publicadas. 
Senti-me exposta, desnuda. Como se rasgassem a minha roupa e me penetrassem em praça pública, não com um pênis, mas com uma adaga. 
Nunca me senti tão humilhada na minha vida, nem quando sofri bullying, nem quando toda a turma riu quando percebeu que eu estava menstruada ainda na sexta série. 
E o que ouvi desse episódio? Onde me expuseram?
Que eu tinha que ficar CALMA. Que EU não podia ME EXPOR! Que iam achar que EU sou doida. 
Doida
A louca. 
Louca por ter ficado furiosa diante de ter detalhes da minha vida publicados por quem tinha dever de sigilo. 
A mulher, sempre louca. Sempre maluca. 
Mas deusmelivre de explicarmos que eu tomo remédios necessários para mim. Como diabéticos tomam insulina, como outros tantos tomam remédios para pressão, para colesterol, para o coração, para os rins, para o fígado. 
E quanta gente mata outras pessoas e não é tida como louca? 
Eu xinguei. Dei uns berros, briguei. 
Sou louca? Sou má? 
Estou lendo o livro Cartas de uma Menina Presa
Ela fala que chora como eu. 
E ela fala que errou. E por ter errado, será que merece uma segunda chance?
Ela diz que já julgou as pessoas e agora vê outras pessoas a julgando...
Mas que ela era uma pessoa que ninguém sabia pelo que tinha passado. Os erros dela eram esfregados na cara dela, mas o que a tinha levado a cometer esses erros ninguém sabia. 
Talia é o nome que ela escolheu, a menina-autora das cartas que estou lendo.
Eu queria escolher, às vezes, meu próprio nome. 
Mas, mais do que isso, eu queria que este mundo abrisse os olhos e abraçasse o diferente. 
LGBT é gente. 
Preso é gente. 
Doente é gente. 
Deficiente é gente. 
Louco é gente. 
Preto é gente. 
E, de repente, se não tivesse tanto preconceito, a gente nem precisaria ficar doente numa sociedade insana. 
Uma sociedade que finge te acolher para depois te expor. 
Que finge proteger o feto para depois ignorar. 
Que finge amar no domingo para depois atacar na segunda. 
Não é saudável estar adaptado a uma sociedade doente. Foi Freud quem falou isso? 
A menina das cartas da cadeia diz que os livros a fazem passar o tempo. A ajudam a fugir daquele lugar, que ela chama de cadeia de papel. 
Queria sentar com ela. Conversar com ela. Eu também uso livro, jogos, leitura, internet, séries, vídeos para fugir um pouco deste lugar. Para ter esperança de dias melhores. 
Quiseram que eu me afastasse do serviço, depois desse episódio. Depois de brigar, gritar e xingar. Me mandaram para casa para eu poder me “recuperar” depois de me sentir violada da pior maneira possível. 
“Entende que você vai queimar o seu filme, assim?” 
Esconda seu gênero, sua sexualidade, suas fraquezas. Esconda que você foi enjaulada, estuprada, condenada por coisas que você não fez. 
Esconda os abusos cometidos contra você, contra seu corpo, sua alma, sua sanidade. 
Esconda sua história, a parte que não nos interessa. Esconda o que faz de você diferente, uma aberração. 
A gente finge te acolher, mas logo, logo, vai te apunhalar. 
Esconda suas cicatrizes, das vezes que feriu ou foi ferida. Esconda seus desejos e seus traumas infantis. 
Ninguém quer saber história triste. Queremos final feliz. Queremos preto e branco. Mocinho e brandido. Não queremos profundidade. 
Você é louca. 
Não importa o que fizeram. 
Louca. 
Não importa que você foi abusada. 
Louca. 
Não importa sua história de tantas décadas. 
Louca. Louca. Louca. 
E no livro eu me vejo na sala bege com portas azuis com a Talia. Entediada. Mais um dia que termina é um dia a menos que vou passar neste lugar. 
Odeio este azul e as paredes descascando. 
A Talia fala: são duas coisas que ajudam a passar o tempo: dormir e ler. 
Aos poucos ela vai acrescentando que escrever também ajuda. 
As paredes aqui são azuis e as portas são beges. 
O hospício é este mundo. 
Tire uma licença médica para não nos incomodar por aqui. Volte quando estiver melhor (leia-se: mais calma). 
Não importa o resto. Não importa se você está há dias no seu quarto e passou tantos sem tomar banho. 
Que estar isolada é a pior de todas as punições e que a solitária é usada na cadeia quando você comete infração. 
A minha foi não aceitar calada o abuso. 
É porque eu sou louca. 
Daí estou na solitária.

14 comentários:

Anônimo disse...

Profundo e verdadeiro

titia disse...

Todas nós que não aceitamos abuso, cabresto, mordaça, somos loucas. Todas que gritamos e nos rebelamos contra o lugar inferior e escondido que nos destinam somos loucas. Todas nós que nos recusamos a ficar na redoma somos loucas. Todas que nos recusamos a ser boneca de carne ou bibelô vivo somos loucas.

Pois que sejamos loucas juntas. Porque nesse mundo de perversos e abusadores, ser sã/são é ser o violador que atormenta sua vítima pelo mero prazer de causar dor ou ser o cúmplice silencioso que assiste a tudo impassível e depois cobra que a vítima não chore sua dor.

Anônimo disse...

"Não é saudável estar adaptado a uma sociedade doente" ouvi isso do psiquiatra que atende a mim e ao meu filho. Meu filho tem uma síndrome pouco conhecida (Silver e Russel) e está no espectro autista, ou seja, ele tem uma comorbidade. Ele não se comunica pela fala, muitas vezes se despe em público e tem crises de hétero e auto agressividade. Eu me descobri autista já adulta, só agora entendo porque eu sempre fui tão dolorosamente diferente das pessoas ao meu redor, principalmente mulheres. Meus maiores amigos sempre foram homens, gays e os livros. Eu sou assexual, e ter gerado um filho foi uma tentativa de me encaixar entre os normais. As mulheres normais. Mas é feio dizer normal, tem que dizer neurotípico, hahaha, eufemismos! Vou fazer 49 anos no domingo, dia 16, e a quase totalidade desses anos foi muito dolorosa. Te entendo total e deixo aqui o meu abraço solidário pra você. Estamos sozinhas juntas. Fique bem, querida!
Patrícia, mãe do Pedro

Anônimo disse...

https://www.youtube.com/watch?v=3LlHlC_GwFg
Tô lendo o excelente Longe da árvore
Abraço!
Patrícia

avasconsil disse...

Também sou tido por esquisito, antissocial. Antes isso me incomodava mais. Mas de um tempo pra cá tenho conseguido não me importar e aceitar que não me identifico com a maior parte das pessoas. Lá no meu trabalho, por exemplo, só tenho 2 amigos, e eles também são tidos por estranhos. Um desses amigos é uma amiga. Ela trabalha num setor diferente do meu e ouviu de uma colega de trabalho dela que cada coisa tem sua hora. Foi uma crítica por ela estar se graduando em filosofia depois dos 40... Ela já tem uma graduação e um mestrado . Não passa pela cabecinha da colega dela que gente é diferente de árvore. Mangueira, cajueiro, goiabeira, dão fruto numa determinada época do ano. Mas nós podemos frutificar em qualquer idade. É uma das vantagens de ser humano. Meu colega também é tido por esquisito .Ele gosta de literatura, história e arte. Mas, como nada disso cai em prova de concurso público, muitos o veem com um certo desdém. Estou falando essas coisas pra você ver como é fácil ser mal visto hoje em dia. No geral, as pessoas hoje estão mais caretas que há anos atrás . Em janeiro do ano passado morreu minha chefe. Fui ao velório e toda a família havia sido medicada por uma sobrinha dela que é médica. É gente de classe média alta. Então pegaria mal chorar. Lágrimas são coisa de pobre... Minha colega de trabalho, evangélica, critica o Colégio Waldorf porque lá as crianças são ensinadas a dar bom dia ao sol e as plantas. São Francisco de Assis, que de tão cristão foi tornado santo, fazia a mesma coisa. Mas minha colega evangélica disse que o sobrinho dela nunca vai estudar num lugar desse, onde fazem cultos pagãos. Acho que ela achou estranhos os meus olhos arregalados de espanto. Hoje em dia é muito fácil ser tachado de maluco. Então, quem for, deve mais é suspirar aliviado. Recentemente li um livro simpático chamado A elegância do ouriço . Me identifiquei tanto com Renée... Ela era maluca também . Cantemos juntos a Balada do Louco. O mundo tá tão maluco que um certo candidato tem entre 25 a 30% das intenções dos votos válidos. Dá vontade de chamar um Uber espacial pra dar o fora do planeta . Mas infelizmente vai demorar pra termos um aplicativo de transporte intergalactico. Então o jeito é usar os outros pra mudarmos a nós mesmos . É um clichê, eu sei. Mas fazer o quê quando não dá pra se mudar nem mudar o outro? O jeito é nós darmos um salto quântico interior e pularmos pra uma camada energética mais alta. Evoluirmos pra aceitar a pequenez e a babaquice alheia, que são muitos.

Anônimo disse...

Acho que o problema não é ser "louco"(a) e sim, dramático. Porque de perto, ninguém é normal. Agora se você vai ligar pro que os outros pensam de você, se vai ficar dando bom dia a cavalo, se vai enfiar o dedo no cu e rasgar porque fulano disse isso ou aquilo... aí vai muito também de uma deturpação do seu senso de importância. Quando estamos na merda, no fundo a gente gostaria que o mundo inteirinho parasse para, primeiramente, admirar nossa tristeza e depois reunir-se em um grande abraço consolador para nós, as estrelinhas desse mundo soltário. Não vai acontecer e aí você tira de si uma importância que não tem, dá a outrem uma importância que eles também não têm e fica aí retroalimentando mazelas imaginárias. Bonito texto mas a mensagem é péssima.

silvia disse...

Podes crer!

Anônimo disse...

Ele tem muito mais que os tais 25% a 30% dis votos válidos. As pesquisas são claramente manipuladas. Infelizmente esse cidadão vai ganhar no primeiro turno! Ele tem mais de 50% dos votos válidos hoje!

Anônimo disse...

Vendo certos comentários lixo aqui vejo que só dá pra se importar mesmo com quem te quer bem e deseja o melhor pra vc.
Pense, qual a importância que o comentário de um ser desconhecido e imundo pode ter na sua vida? Nenhuma importância é claro.
Certas pessoas desejam ter uma influência maligna, vc deve dar pra elas o desprezo total, vai ver como se sentirá melhor.
Bjs para todos que merecem!

Anônimo disse...

"Ele tem muito mais..."

Fonte: seu cu

Anônimo disse...

Eu simplesmente AMO a vida; amo meu Pedro, minha Nina (minha cadela) mansinha e doce; amo minhas abelhas sem ferrão; amo o trabalho modesto que faço gratuitamente, de compostagem de resíduos alimentares orgânicos que uso na minha hortinha; amo o pai do meu filho que é um amigaço querido; amo minha hortinha sem agrotóxicos que cuido e cuja produção eu compartilho com alguns amigos. Meu mundo é "pequeno" mas de altíssima qualidade no tocante às poucas e maravilhosas pessoas que nele habitam. Jamais quereria me matar. As pessoas que frequentam a escola especial do meu filho (que fará 21 anos no próximo janeiro) são meus iguais, amados, nobre e me sinto uma verdadeira privilegiada por sermos uma espécie de comunidade. A despeito de todo o restante que discrimina pessoas diferentes, a vida é cheia desses pontos de luz, e isso me faz cada vez mais apreciar o que a duras penas consegui: apreciar e celebrar a minha diversidade, a minha, as minhas, peculiaridades!
Obrigada, Lola, por me dar espaço!Bom fsd `à todXs, especialmente à quem redigiu o guest post!
Patríca

Anônimo disse...

Porra, Lola, esse comentário de 09:51? pelamor, deleta essa bosta!
09:51, o único desperdício de carbono aqui é você, seu merda escroto do caralho! Faz você um favor ao mundo e siga seu conselho. Monte de estrume ambulante, aborto mal feito, canalha covarde!

Anônimo disse...

E você, anônimo 09:51, mandando uma pessoa se matar, vc é bem normal né? Lixo!

Anônimo disse...

Ai gente, depressão é um assunto super complicado. Eu percebo que tenho umas variações de humor por conta da oscilação hormonal do meu ciclo fértil.
De vez em quando me bate uma tristeza, uns pensamentos ruins...
O pior não é a atitude das pessoas, a revolta é o poder que isso tem sobre nós e nos sentirmos impotentes, pq além de tudo é como se nosso próprio organismo estivesse nos sabotando.
E eu acho que a vida que levamos na infância e no meio familiar tem grande peso nesses tipos de problema. Pq todo mundo está sujeito a certas coisas, mas qndo vc soube o que é ser aceito e amado desde que se entende por gente, isso se torna uma força interior que te dá combustível pra enfrentar o mundo.