sexta-feira, 15 de junho de 2018

NOSSAS HERMANAS ARGENTINAS CONQUISTAM VITÓRIA HISTÓRICA

Ontem foi sem dúvida uma data histórica para as mulheres da Argentina e de toda a América Latina.
Depois de muitas negociações, a Câmara de Deputados deu sinal verde ao projeto com o lema “educação sexual para decidir, métodos anticoncepcionais para não abortar e aborto legal para não morrer".
O placar foi apertado (129 votos a favor e 125 contra), mas não deixa de ser uma enorme vitória. A lei ainda precisa ser aprovada no Senado e depois sancionada por um presidente conservador. No entanto, o primeiro desafio foi vencido. As feministas acreditam que passará, e a Argentina será o quarto país da América Latina a legalizar o aborto (os outros são Cuba, Uruguai, Guiana Francesa e Cidade do México -- o resto do México não. Vale lembrar que justamente os dois continentes mais miseráveis do mundo, América Latina e África, são aqueles que mais criminalizam o aborto). 
A criminalização do aborto na Argentina vem de uma lei de quase um século atrás, de 1921, que promete prisão de 1 a 4 anos para a mulher que abortasse. No Brasil nosso Código Penal de 1940 (78 anos atrás) criminaliza o aborto, diz que uma mulher pode ser presa por até 3 anos, ou investigada por até 8 anos após realizar o aborto.
Desde 1983, ano que marca o fim da ditadura na Argentina, o projeto de lei pela descriminalização do aborto foi apresentado sete vezes no Congresso, mas nunca chegou a ser votado. Embora a Argentina tenha sido o primeiro país latino-americano a aprovar o casamento homossexual (em 2010), e a ter uma identidade de gênero 
(em 2012; a lei João Nery, de autoria de Jean Wyllys, tramita no nosso Congresso, o que permitiria aos brasileiros trans o nome e gênero que querem no documento de identidade), Cristina Kirchner era contra a legalização do aborto e, nos treze anos que o kirchnerismo esteve no poder, nunca propôs discutir o aborto (um deputado filho de Cristina votou pelo sim).
O presidente atual, Mauricio Macri, que com sua política neoliberal faz os índices de miséria e desemprego dispararem (ao ponto do país ter que voltar ao famigerado FMI), também é contra a legalização do aborto, mas afirmou que, se o legislativo aprovar o fim da criminalização, ele vai sancionar. 
Se o projeto for aprovado, médicos terão direito a se recusar a realizar aborto por questões de consciência, mas hospitais, não. Em outras palavras: se um médico de um hospital (público ou particular) não quiser praticar o procedimento, tudo bem, mas o hospital precisa ter médicos que o façam (o que não é exatamente um problema, já que a maior parte dos médicos é a favor da legalização). 
Na votação na Câmara, a esquerda foi unânime em favor da legalização (o único deputado socialista que anunciou que votaria pelo não teve que sair do partido), mas a direita se dividiu. 
Talvez o mais importante é que tudo isso trouxe um tema tabu, o aborto, à ordem do dia. Houve um amplo debate. 
Entre abril e maio, mais de 700 oradores a favor e contra o aborto legal falaram no Congresso. O ministro da Saúde, Adolfo Rubinstein, estimou que entre 350 mil e 450 mil mulheres abortam todos os anos na Argentina, e apontou que em todos os países em que o aborto é legalizado, os números caem. A escritora Claudia Piñeiro disse que os "pró-vida" não deveriam ficar com o monopólio da palavra "vida". 
Pra se ter noção do tamanho da conquista de ontem, dois meses atrás, quando o projeto recebeu o apoio de 72 deputados (e por causa disso entrou na agenda), sua aprovação era vista como impossível. Como me disse a jornalista Sofía Benavides (que me telefonou da Argentina para perguntar como a aprovação lá pode afetar os rumos daqui), o Congresso deles é tão conservador como o nosso, mas foram as mulheres na rua que fizeram toda a diferença.
Na Argentina as mulheres são 30% da Câmara, um número muito superior aos nossos pífios 10%, mas nem todas as mulheres votam a favor das mulheres. O consenso é que se não fosse a força das feministas e a mulherada na rua, o projeto não teria sido aprovado. 
O apoio das estudantes foi fundamental. Nas imagens, podemos ver muitas garotas jovens (assim como no Chile). Uma multidão ocupou praças por 23 horas, no meio de frio intenso, para acompanhar a votação na Câmara. Mulheres (e homens também) passaram a noite em frente ao Congresso, entoando gritos de guerra como "Aborto legal, en el hospital!", "Saquen sus doctrinas de nuestras vaginas / saquen sus rosarios de nuestros ovarios!” (tirem suas doutrinas de nossas vaginas, tirem seus rosários de nossos ovários) 
e “Y ya lo ve, y ya lo ve, es para el Papa que lo mira por TV" (é para o Papa que está vendo pela TV). 
Mas não foi só ontem. Antes disso, inspiradas por movimentos como o Ni Una a Menos (Nem uma a Menos), milhares de argentinas fizeram passeatas e marchas. Elas sabem que nosso corpo é um campo de batalha, o primeiro território a ser controlado. 
E aqui no Brasil? Bom, a gente certamente espera que a grande conquista das argentinas nos inspire, que tenhamos debates de verdade (não baseados em mentiras e meras crenças religiosas) sobre o aborto. Porém, com o congresso mais conservador de todos os tempos, é preciso lutar para que as eleições de outubro tragam um legislativo melhor, com mais mulheres, mais negrxs, mais representantes LGBT, mais esquerda. Do jeito que está, a bancada BBB (Bala, Boi e Bíblia) domina. 
Amei este cartaz de uma marcha em 5
de junho: "Nos querem como musas
porque nos temem como artistas"
E só pra dar uma ideia do atraso: em novembro do ano passado, 18 deputados (todos homens de direita), em comissão especial, aprovaram uma PEC que proíbe aborto em todas as situações. Há vários outros projetos no sentido de proibir o aborto em todos os casos (o que inclui gravidez em decorrência de estupro, risco de vida para a mulher, e fetos anencéfalos). Traduzindo: se depender desse Congresso, há mais chances de imitarmos Nicarágua e El Salvador (onde o aborto é criminalizado em todos os casos e mulheres são presas se tiverem aborto espontâneo) do que em legalizarmos, o que pode salvar milhares de mulheres de morrerem todos os anos em abortos clandestinos. 
Há iniciativas tímidas, sem a mesma força da turma do atraso. Jean Wyllys é autor de um projeto de lei em defesa da legalização do aborto, escrito em conjunto com mulheres do Psol. A vereadora Marielle Franco, executada há três meses, era autora do PL "Pra fazer valer", que pedia a garantia ao aborto legal e seguro nos casos em que o aborto é permitido. 
O Psol atua também na esfera jurídica. Junto à ANIS (Instituto de Bioética), protocolou uma Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) argumentando que a criminalização do aborto no Código Penal vai contra a Constituição Federal, pois desrespeita direitos fundamentais das mulheres. Em agosto haverá audiências públicas no Supremo para discutir isso. É mais fácil o judiciário avançar na descriminalização do que o legislativo. Mas o judiciário tem nos decepcionado imensamente nos últimos anos.
De todo modo, a lição que fica da Argentina é uma só: é preciso lutar. Tomar as ruas. Gritar. Exigir nossos direitos. Acabar com essa passividade que vem nos derrotando. 
Vejam os vídeos comoventes de quando o resultado foi anunciado na Argentina. Tentem não se emocionar. E imaginem a gente comemorando isso aqui. 

204 comentários:

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Anônimo disse...

Prostituta transa todo dia é toda hora e não fica grávida.

Anônimo disse...

Prove que prostituta não engravida.

Anônimo disse...

"a 'custódia' leva a uma responsabilidade"

claro q leva, leva a responsabilidade da mulher decidir se dá a luz ou não, apenas

"Essa responsabilidade é preservar a vida"

claro q é, preservar a vida da mulher antes de mais nada

titia disse...

Mascuzinho do coração 18:39, eu já respondi essa sua baboseira sentimentalóide antes e vou responder de novo: não tem mágica nenhuma, o que tem depois da 12 semana é o desenvolvimento de uma coisinha chamada sistema nervoso, que é o que nos torna humanos. Como o que nos torna humanos é o cérebro, e não o coração (uma mera bomba de sangue formada por músculos) esse "mimimi o coraçãozinho já bate" não é argumento pra manter o aborto ilegal. Enquanto não desenvolver cérebro, o embrião não pensa, não sente e sequer tem consciência de que existe - e por isso os "direitos" dele não podem jamais se sobrepor aos da mulher, ser humano formado, vivo e consciente, que sente e pensa. O resto não vale nem a pena ler.

Faça sua parte para evitar o aborto: transe somente com outros homens e deixe as mulheres em paz. Garanto que nenhuma vai sentir sua falta.

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