sexta-feira, 29 de junho de 2018

E OS TRABUCOS QUE BOLSO QUER LIBERAR?

Pedi pro Craudin escrever um post sobre a discussão que rolou no Twitter:

Durante a semana, dando a minha habitual passeada no Twitter, vi um tweet da Lola (dentro do assunto da tentativa de massacre que o programa Roda Viva, da aparelhadíssima TV Cultura, fez com a Manuela D´Ávila na noite de segunda, 25/6), botando o deputado Jair Bolsonaro numa situação hipotética parecida. O tweet é esse:
(Na hipótese remota do Bolso ter coragem de participar de um debate, o #Rodaviva convidaria uma feminista p/entrevistá-lo? #ManuNoRodaViva)
Como de costume, fui dar uma olhada nos comentários e, claro, lá temos os defensores de sempre do nobre legislador que nunca aprovou nada em trinta anos de casa. Um deles levantava uma questão muito cara ao candidato:
(Eu acharia excelente. Pois aí podia jogar na cara dela o PL 5398/13 e ver a reação dela sobre isso. Existe cultura do estupro ou cultura da impunidade? E pq a mulher não pode se defender com uma arma? São projetos que ele tem (que é para o bem de vcs) e vcs não citam.)
Então vamos lá. O PL 5398/13 é um projeto de lei do deputado que prevê a castração química de estupradores, condicionando o voluntariado à liberdade condicional. Foi proposto em 2013, arquivado, desarquivado e devolvido. Provavelmente não será votado nunca, já que é… meio nazista (além não funcionar, não resolver, e de não compreender o que é o estupro, mas eu chego lá). Vamos a ele:
Autor
Jair Bolsonaro - PP/RJ
Apresentação
17/04/2013
Ementa
Altera as redações do parágrafo único do art. 83, dos arts. 213, caput e §§ 1º e 2º e 217-A, caput e §§ 3º e 4º, todos do Decreto-lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 e a do § 2º do art. 2º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990.
Explicação da Ementa
Aumenta a pena para os crimes de estupro e estupro de vulnerável, exige que o condenado por esses crimes conclua tratamento químico voluntário para inibição do desejo sexual como requisito para obtenção de livramento condicional e progressão de regime.

Bom, de um deputado que, no exercício da coisa pública, disse à também deputada Maria do Rosário que não a estupraria "porque ela não merece", não dá pra esperar muita coisa, né? Mas pelo menos saber que ninguém estupra por tesão nem oportunidade, e sim por uma relação de poder com a vítima, por uma tentativa de subjugá-la, isso pelo menos a gente esperava. Mas a legião de fãs do homem parece que não vê a hora de jogar esse PL na roda, sempre que o assunto é "mulher".
E segue o baile. A conversa continua assim (veja acima):
Bruna: Amigo o melhor para a mulher é não ser estuprada!
Phabllo Ricardo: Eu concordo plenamente. E ela ter o direito e a opção (caso queira) de portar um arma é melhor ainda, pois assim ela poderá se defender no ato, evitando-o.
Aí chegamos num ponto nevrálgico, também muito caro aos eleitores do deputado: o direito ao porte de armas pela população civil. 
Para isso, Bolsonaro soltou mais uma de suas jabuticabas, o PL 7282/14, tentando empurrar que “poderá ser concedido porte de arma de fogo para pessoas que justificarem a necessidade para sua segurança pessoal ou de seu patrimônio”.
Esse projeto tenta alterar a Lei 10.826, o Estatuto do Desarmamento, de 2003. Porém, malandramente, ninguém contou aos bolsominions que o PL apenas: "Altera a redação do art. 6º, da Lei 10.826, de 22 de dezembro de 2003, para disciplinar a concessão de porte de armas aos integrantes dos órgãos de segurança pública e demais cidadãos em decorrência de sua atividade."
Isso inclui um monte de gente, como membros do exército, seguranças e até fazendeiros, mas não o cidadão comum. Enfim, é uma discussão longa e há gente que manja muitíssimo mais que eu pra falar sobre isso. Mas dei meus pitacos, e aqui estão eles. Coloquei em tópicos, e tentei me cercar de fontes confiáveis (sem fake news, por favor!).
As pessoas acham que é só levantar uma pedra que sai um trabuco de baixo. Além das armas serem caríssimas, tem que ter treinamento, manutenção, lugar pra guardar... uma mulher em um relacionamento abusivo vai comprar uma arma como? Como vai manter? E se não usar a culpa é dela?
O povo acredita piamente que o Bolsonaro vai virar presidente e no dia seguinte sair distribuindo revólver pra todo mundo. Tem que mudar a lei 10.826, reformar a lei de crimes hediondos, fazer talvez até mais um referendo. Uma Taurus .38 bem básica custa mais de 3.000 pratas (pesquisei e tem uns mais baratos, mas é tudo no Mercado Livre, achei meio estranho, mas não sou do metiê)
Se você fica uma semana sem fazer manutenção, a arma engripa. Quase ninguém tem sangue frio pra atirar em alguém, grande parte das pessoas mesmerizam! Aí é mais uma pessoa morta, mais uma arma no mercado negro.
E mais uma coisa: presidente NÃO MUDA LEI, tem que votar um moooonte de vezes, passar por juristas, verificar a jurisprudência. Decreto-lei é lindo, mas não serve pra isso. Se o povo vai votar no homem por causa de revólver, é bom Jair desistindo.
"Ah, mas os militares". Meu amigo, na ditadura ninguém tem acesso a armas. Acreditam mesmo que os caras vão tomar o poder à força e deixar a população cheia de trabucos? Me poupem.
Dei uma pesquisada também sobre números de estupros no país. Dados do IPEA, de 2014 (o mais atualizado que achei):
70% dos estupros no Brasil são praticados contra crianças e adolescentes. Vamos armar as crianças, sim, vai dar SERTO.
"24,1% dos agressores das crianças são os próprios pais ou padrastos, e 32,2% são amigos ou conhecidos da vítima". Vamos atirar no papai e no titio sim, amiguinho!
Dados aqui, ó.
É isso. A impressão que eu tenho é que os bolsominions acham, sinceramente, que no dia 1 de janeiro de 2019 o mito vai sentar na cadeira da presidência, os comunistas vão simplesmente SUMIR NO AR e vai cair R$ 10.000,00 na conta de cada eleitor (só pra começar) pra comprar seu trabuquinho de estimação. É dose.

quinta-feira, 28 de junho de 2018

MULHERES TRANS E MULHERES CIS SÃO DIFERENTES, E TUDO BEM

Fico feliz que um leitor antigo e querido, Flávio Moreira, que é tradutor profissional, esteja bem! Ele volta à ativa me enviando um texto publicado recentemente na revista americana LGBT The Advocate, traduzido por ele.
O excelente artigo (que busca o diálogo entre grupos que vivem brigando e, na minha opinião, deveriam parar de brigar) é de Jessie Earl, produtora multimídia para a revista The Advocate. Peço que o leiam de braços abertos.

Mulheres trans e cis têm experiências de feminilidade diferentes –- como as feministas Radicais adoram apontar -- mas isso não torna a experiência de nenhum dos dois grupos menos válida.
A simples menção a TERFs, ou “transgender- exclusionary radical feminists” (feministas radicais transgênero- excludentes) para qualquer mulher trans fará com que você seja recebida com uma reação visceral instantânea. 
Mulheres trans, como eu mesma, temos lutado tanto para sermos vistas como mulheres, que as TERFs representam muito daquilo que odiamos e, mais importante, tememos. As TERFs nos excluem de muitas conversas feministas das quais achamos que merecemos e precisamos participar como parte de nossa segurança e do avanço de nossos direitos e daqueles de todas as mulheres. 
Muitas feministas radicais consi-
deram o termo TERF um insulto
Eu mesma já ouvi várias vezes que o meu desejo de ser ouvida em espaços feministas é fruto do meu “privilégio masculino” de tomar mais espaço do que os daquelas socializadas como mulheres. Muitas mulheres trans rejeitam as convicções das TERFs instantaneamente porque elas se colocam diretamente em conflito com muito daquilo que lutamos para representar.
No entanto, minhas recentes conversas com TERFs autodeclaradas têm-me feito reexaminar minhas próprias convicções sobre o que significa ser uma mulher trans e ser uma mulher. Apesar de que, certamente, eu jamais venha a considerar aceitável a raiva, o sarcasmo e o ódio que algumas TERFs têm pela comunidade trans, meus diálogos mais equilibrados me levaram a uma conclusão: mulheres trans e mulheres cis são diferentes, e não há nada de errado nisso.
Muitas feministas veem o termo
TERF como apenas uma definição,
não um insulto
Que fique claro que não estou dizendo que eu não sou uma mulher ou que concordo com TERFs. O que estou dizendo é que há muitos aspectos de uma “típica” feminilidade cis que eu e outras mulheres trans jamais iremos vivenciar. Nunca vou menstruar. Nunca precisarei me preocupar com o acesso a mecanismos de controle de natalidade ou a aborto, ou com médicos que entendem o corpo de uma mulher cis. Eu não fui socializada desde o nascimento como uma mulher para ocupar o menor espaço possível, ter aparência bonita, aceitar ser tratada como fetiche por homens. Todas essas e muitas outras coisas jamais farão parte da minha experiência de feminilidade trans.
Certamente, eu gostaria que fizessem. Lembro quando eu e meus colegas de escola estávamos passando pela puberdade e eu sentia uma inveja enorme das minhas colegas mulheres por sua experiência. Eu queria menstruar. Eu queria ir a uma loja de lingerie com minha mãe. Eu queria saber como era estar grávida. No entanto, nunca soube e jamais saberei o que é passar por tudo isso, tanto as coisas boas quanto as ruins.
Essa é a crítica mais frequentemente lançada contra as trans pelas TERFs. Que somos apenas homens que fetichizaram a feminilidade a ponto de desejar vivenciá-la. Que deliramos na tentativa de obter o impossível e, ao fazê-lo, forçamos nossa “masculinidade” em espaços que não são nossos e controlamos a conversa. “Acreditar que eu sou um helicóptero não me torna um helicóptero, nem jamais poderei ser um helicóptero” é uma frase comum que ouço por aí. Por mais que eu queira sentar aqui e rechaçar esse argumento, não posso fazer isso completamente, porque existe uma semente de verdade nele.
Eu nunca vou ser uma mulher cis. Mas, isso quer dizer que eu não sou uma mulher?
Por certo, havia um elemento de exaltação à feminilidade nos meus primeiros anos. É uma visão que, tristemente, é quase impossível de evitar na posição de quem foi socializada como menino na sociedade americana. Desde a narrativa dominante em livros, filmes, programas de TV, religião, política e muito mais, foi dado às mulheres qualidades mágicas e mistificadoras porque essas instituições foram criadas por homens. Não ajuda que as meninas sejam separadas dos meninos de tantas formas desde a mais tenra idade, até nas cores de que podemos gostar.
Assim, quando descobri minha identidade transgênero, claro que o fato de que eu havia sido ensinada a exaltar a feminilidade estava interligada com a minha nascente constatação de que eu sou uma mulher. Minha única experiência externa com a feminilidade até aquele ponto tinha sido o que a sociedade patriarcal havia me ensinado enquanto pessoa identificada como sendo do gênero masculino.
Nem todas as mulheres
têm vagina
No entanto, havia algo mais em minha compreensão de ser transgênero do que simplesmente uma reverência supersticiosa de feminilidade. Eu me sentia errada. Meu corpo era um estranho para mim. A maneira como me diziam que eu deveria me expressar não parecia natural, mas forçada e horripilante. Eu me sentia como se não estivesse sendo vista ou compreendida mesmo pelas pessoas que mais me amavam. Eu sentia que minha alma estava escondida, encoberta pela escuridão e tudo o que eu queria fazer era romper aquela escuridão e mostrar ao mundo quem eu realmente era; saber que quando minha mãe e meu pai me olhavam com amor, eles o faziam amando-me integralmente, não apenas uma parte de mim. Eu era uma mulher e só o que eu queria desesperadamente era que eles me vissem como tal.
Não foram vestidos, ser desejada por homens ou querer ficar grávida que motivaram a me assumir como trans. Foi um sentimento intenso e interminável de que a maneira como eu era vista era errada e como eu queria — não, necessitava — ser vista como mulher. Conforme eu fazia a minha transição, o assombro que eu tinha diante do conceito de feminilidade, de que mulheres eram seres sobrenaturais e não humanos, desapareceu. E, no entanto, minha conexão com minha própria feminilidade interior só cresceu.
Esta é uma experiência de feminilidade que nenhuma mulher cis terá: a necessidade de lutar para simplesmente ser vista como uma mulher. E há muitas outras experiências que são exclusivas de mulheres trans que mulheres cis jamais irão viver. Elas nunca terão que lutar para conseguir hormônios [Nota da Lola: nem na menopausa?]. Elas nunca terão que se assumir mulheres. Elas nunca serão fetichizadas por homens que procuram mulheres trans para transar. Elas nunca terão que se preocupar em ter negado o direito à saúde básica por serem trans ou se preocupar em ter médicos que compreendam o corpo da mulher trans. Elas não foram socializadas desde o nascimento para serem duronas e nunca mostrar fraqueza — nem têm que confrontar a incorporação dessas socializações em sua feminilidade.
Mulheres enfrentam problemas
diferentes de acordo com sua raça:
negras, asiáticas, latinas
[Nota da Lola: e as mulheres cis negras? Talvez aqui esteja meu principal pé atrás com o argumento feminista radical de que "mulheres trans foram socializadas de forma diferente das mulheres cis". Não é possível falar de uma experiência única de socialização para todas as mulheres cis, nem para todas as mulheres trans. Nossas vivências variam. Claro que há pontos em comum, mas minha socialização como menina cis branca de classe média na Argentina teve grandes diferenças com a de uma menina cis negra e pobre numa favela brasileira]
Todas essas coisas e muitas mais não farão parte jamais da experiência de feminilidade cis.
E, no entanto, é uma experiência de feminilidade tão válida quanto qualquer outra.
Minha transição não foi um caminho cujo destino final era a feminilidade. Todo o caminho em si foi uma jornada no interior da feminilidade.
Este, talvez, seja o ponto nevrálgico que forma, fundamentalmente, a diferença de credo que eu tenho com as TERFs. Elas acreditam que o que eu descrevi como experiência de uma mulher trans não seja uma parte válida de feminilidade. Que é só porque eu sou um homem tentando me forçar a ser mulher que experimento essas questões. No entanto, isso pressupõe que essa experiência foi uma escolha. Enquanto certamente foi minha escolha me assumir, não foi minha escolha ter esses sentimentos. Eu era o que eu era e eu sou o que eu sou — eu sou uma mulher. O fato de que eu tenha tido que lutar para ser vista como uma mulher não invalida esse fato básico.
A comediante
Tig Notaro
Como eu sei disso? Eu sei porque, no fim, não há somente um caminho verdadeiro ou um teste decisivo para determinar o que significa ser mulher. Uma mulher branca nunca vai ter a mesma experiência de uma mulher negra. Uma mulher nascida na pobreza nunca irá saber como é ter uma infância na classe alta. Uma mulher heterossexual não sabe o que uma mulher bissexual ou lésbica sente. Uma mulher cis nascida infértil não saberá o que é estar grávida, nem uma mulher cis fértil saberá como é ser infértil. Uma mulher que seja vista como superfeminina não saberá como é para uma mulher ser constantemente confundida com um homem, como uma das minhas comediantes favoritas, Tig Notaro, já falou em seu show de stand-up. Entretanto, nunca questionamos a validade de qualquer dessas diferentes experiências de feminilidade. Ou, pelo menos, não deveríamos. Então por que é tão difícil acreditar que as experiências de feminilidade trans e cis, embora diferentes, não sejam irreconciliáveis dentro da ideia do que é ser mulher?
Qual é a solução perfeita de feminilidade? Qual é o árbitro perfeito da feminilidade, a deusa das mulheres, a Hera de nosso tempo? A feminilidade é conquistada ou está dentro de nós?
Se é conquistada, quem outorga o título? Muitas TERFs com quem discuto definem sua feminilidade pela opressão que enfrentam. Elas encaram batalhas na saúde reprodutiva, no direito ao aborto, e no assédio sexual. A negação de direitos e a presença de assédio são coisas terríveis que precisam ser combatidas. No entanto, definir a si mesma pela sua opressão apenas concede poder àqueles que te machucam. E muitas mulheres trans encaram lutas similares por pagamento igualitário e saúde reprodutiva, e contra o assédio sexual. Muitos países europeus ainda exigem que as pessoas trans sejam esterilizadas para serem legalmente reconhecidas. As experiências podem ser diferentes, mas ainda assim são similares de muitas maneiras.
Além disso, temos muitas lutas em comum enquanto mulheres cis e trans. Ambas temos que lutar por pagamento igualitário, pelo fim da violência contra todos os tipos de mulher, e pela representação na mídia tanto na frente quanto atrás das câmeras. Embora sejamos diferentes, podemos lutar juntas pelas mesmas causas, porque também somos iguais.
Se a feminilidade está dentro de nós desde nosso nascimento, por que é tão difícil assumir que alguém que nasce com os cromossomos XY também pode ter feminilidade dentro de si desde o nascimento? Que embora possamos ser diferentes enquanto mulheres trans e mulheres cis, também partilhamos de algo? Independente das batalhas que temos que enfrentar, tanto mulheres cis quanto trans dividem a mesma alma.
Talvez não exista um caminho verdadeiro que prove isso a qualquer um que simplesmente não queira acreditar nisso. É por isso que, tristemente, cada conversa que tenho com uma TERF eventualmente esbarra em um muro de diferenças de credo fundamentais que não podem ser reconciliadas.
Jessie Earl, autora do texto original
Não sou uma mulher cis, e nunca vou ter a experiência de uma mulher cis. Mulheres cis não são mulheres trans e nunca terão uma experiência trans. Porém, apesar das diferentes batalhas que enfrentamos, alegrias que sentimos e jornada que perfazemos, partilhamos muito. Nossas diferenças não deveriam nos dividir, mas nos tornar mais fortes juntas. Precisamos lembrar também que fora de nossas lutas, dividimos algo muito mais importante. Algo que não é diluído, mas, ao contrário, fortalecido pelo reconhecimento da diversidade de experiências dentro de sua definição. Essa coisa extraordinária chamada feminilidade.

quarta-feira, 27 de junho de 2018

UMA RODA VIVA MINÚSCULA PARA A GIGANTE MANU

Anteontem à noite minha candidata à presidenta, Manuela D'Ávila, foi entrevistada no Roda Viva, da tucana TV Cultura. Se você não viu ou quer rever o programa, está aqui
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Foi um show de horrores. Não por causa da Manu, que apesar da pouca idade (36 anos) tem muita experiência política e está bem preparada, mas por causa dos entrevistadores selecionados. Dois deles, justamente os mais virulentos e ignorantes, não tinham nada a ver com jornalismo. Um era inclusive um ruralista, coordenador da campanha de Bolsonaro, que trouxe para a TV um meme da internet -- disse que o nazismo foi de esquerda (por causa do nome, sabe? Nacional Socialismo! Manu respondeu que ela e ele tinham o mesmo sobrenome, e ainda assim não tinham nada mais em comum).  
Gostaria de entender por que foi chamado o assessor de um candidato fascista para entrevistar uma mulher de esquerda. Se na remota hipótese de Bolsonaro aceitar participar de um interrogatório (como foi a entrevista de Manu), o Roda Viva convidaria uma ativista feminista para lhe fazer perguntas? Ele toparia?
Foi também ridículo que, em vez de indagar Manu sobre seus projetos pro Brasil, os interrogadores quiseram saber tanto de Cuba, Venezuela, Coreia do Sul, ou a Rússia de 70 anos atrás. Vamos ver se, na próxima entrevista a algum candidato capitalista, alguém pergunta: "O senhor apoia os EUA, que todo ano invade algum país estrangeiro sob a justificativa de defender a liberdade. O senhor é a favor de um sistema em que os oito homens mais ricos do mundo detém o mesmo patrimônio que 3,5 bilhões de pessoas?"
Eu e Manu: abraço apertado
em março, em Porto Alegre
Manu foi interrompida 62 vezes, num claro exemplo de machismo (o manjado manterrupting). Ainda assim, e apesar de tudo, ela foi muitíssimo bem. É uma guerreira. E é um orgulho para todas nós feministas ter uma candidata que vestiu (no corpo e na mente) a camiseta "Lute como uma garota" e que defende a legalização do aborto no Brasil sem rodeios. Uma mulher que sempre foi feminista e que se orgulha de sempre ter lutado pelas mulheres. 
Publico aqui o relato de Orlando Silva, líder do PCdoB na Câmara e deputado federal por SP, que acompanhou sua colega de partido no Roda Viva e viu tudo de perto. 
Acompanhei Manuela D’Ávila, minha candidata à Presidência da República, no programa Roda Viva, da TV Cultura. Fiquei feliz pelo convite, senti-me representante dos milhares e milhares de comunistas que estão muito orgulhosos em tê-la como nossa porta-voz.
Manu foi bem! Defendeu nossas ideias. 
Sustentou a necessidade de retomar um projeto nacional de desenvolvimento que valorize o trabalho e garanta direitos para nosso povo. Falou sobre os tropeços da economia brasileira e apontou alternativas para a superação da crise. Defendeu a reforma do Estado para que haja mais eficiência no atendimento das necessidades da população. Indicou que fará uma reforma tributária para cobrar mais impostos dos ricos, tributando lucros e dividendos, grandes fortunas e grandes heranças, aliviando o peso dos impostos no consumo de itens básicos, o que onera os mais pobres. Quem assistiu ao programa observou que ela fez uma abordagem sobre nossos dilemas econômicos com um viés da classe operária.
Manuela falou de sonhos, de esperança. 
A partir de sua trajetória política e pessoal, mostrou como é possível ser coerente, combativa e humana. Sua fala evidencia que é possível fazer política de um jeito que as pessoas entendam. Ela traz para o debate presidencial temas que estão no dia a dia das pessoas. Creche, homofobia, salário, violência, machismo, preço do gás de cozinha, por exemplo, são assuntos das famílias e com profundos significados políticos. Manuela aborda esses temas com a sinceridade e precisão de quem está conectada com o mundo real. É uma política que vive o mundo. As pessoas, para Manu, vão além das estatísticas, das planilhas. Ela não vai para um debate treinando comentários e reproduzindo frases feitas.
A nota triste da noite foi uma bancada de entrevistadores com uma agressividade inédita. A maioria deles parecia destilar um ressentimento juvenil, de inspiração trotskista, com a crítica unilateral ao que o mundo viveu no século XX. Somou-se a isso o discurso de direita, desinteligente, reacionário. Fiquei pasmo quando vi que um entrevistador era membro da Sociedade Rural Brasileira. Alguém crê que um dirigente sindical ou um dirigente da UNE teria assento numa edição do Roda Viva? Na edição de ontem faltou pudor.
As interrupções seguidas que fizeram, enquanto Manu respondia às perguntas, expressam a intolerância dos nossos dias, o incômodo diante do brilho de uma mulher, jovem e comunista. Era como se fosse assim: “garota, se dê por satisfeita por estar aí, já foi longe demais...”.
Eu estava na bancada do Roda Viva. A cada pergunta, os entrevistadores diminuíam de tamanho; a cada resposta Manuela se agigantava.
Em tempos de Copa do Mundo, ontem, Manu parecia a Marta jogando, desfilando seu talento e capacidade, num campo de futebol cheio de buracos e com as adversárias apelando à violência durante todo tempo do jogo.
Enfim, fiquei bem feliz por termos Manu à disposição do Brasil; e muito triste pelo nível subterrâneo do debate político em nosso país.
Avante, Manuela D’Ávila! Tamo junto!
Pelo menos isso me fez rir (Lolinha falando)
E, pro pessoal que só entende desenhando, duas tentativas: