domingo, 13 de maio de 2018

FELIZ DIA DA MATERNIDADE COMO ESCOLHA

Quando comecei a escrever este texto eu e o maridão íamos começar a preparar um super almoço pra minha mãe. Ontem eu fiz o pavê, que tá calmamente aguardando na geladeira a hora de ser devorado.
A gente não é muito de comemorar datas comerciais, como o dia das mães. Ainda mais porque o aniversário da minha mãe Nelly é 15 de maio, quase colado a essa data. Hoje, portanto, vamos celebrar mesmo é o aniversário dela. Na terça ela faz 83 anos. Está bem, embora já tenha estado muito melhor. A chikungunya que ela (e tanta gente aqui de Fortaleza) pegou no começo do ano passado tirou bastante da sua mobilidade. 
Mas vamos ver se ela melhora logo! Ela faz musculação (ano passado fez pilates, não ajudou muito) e se mantém agitada. Faz alemão (fez inglês, fez francês), sempre vem pro meu curso de extensão (há uns sete anos; é minha aluna mais assídua), participa de vários eventos. Fico feliz que ela continue tão ativa, e feliz também por ela e o Silvinho se darem tão bem (agora fez 20 anos que ela veio morar com a gente, primeiro em Joinville, desde 2010, em Fortaleza). 
Eu nunca quis ser mãe, e não me arrependo nem um pouco. Silvio, vulgo maridão, também nunca quis ser pai, com a diferença que ele não é chamado de "seco" ou considerado inferior ou julgado por isso. Não vou nem dizer que foi uma escolha que fizemos juntos, porque, na realidade, antes de nos conhecermos (quase 28 anos atrás) já tínhamos decidido que esta não seria nossa missão na Terra. Mas pra mim é bem emblemático que reaças (invariavelmente antifeministas e machistas) sejam tão contra as escolhas das mulheres que eles não aceitam que eu escolhi não ser mãe. Pra eles, eu sou estéril. Eles não acreditam que alguma mulher pode não querer ser mãe. 
Outra bobagem é achar que uma mulher que optou por não ter filhos odeie crianças. Eu já tive minha fase de "detesto criança" (creio que era uma espécie de autodefesa contra tantas cobranças), mas foi só até de fato conviver com uma. Aí eu vi como elas são inteligentes, espirituosas, divertidas. Lógico que eu só ficava com a "parte boa" do relacionamento com criança -- não tinha que trocar fralda, não tinha que botar pra dormir, não tinha que obrigar a comer ou fazer lição de casa. Mais ou menos como pai separado faz, certo? Eu só servia pra criança rir, pular em cima, jogar pôquer, dançar. 
Com o amadurecimento do meu feminismo eu fui vendo também que "odiar criança" é ser contra as mulheres, é ser contra a sororidade. Afinal, a maior parte das mulheres adultas são mães, e a sociedade impõe a elas o cuidado dos filhos (lutamos contra essa imposição, mas isso não apaga a realidade). Quando olhamos feio pra uma criança que chora num lugar público, quando não permitimos que uma mãe leve seu rebento pra uma aula na universidade, não estamos apenas condenando a criança, mas a mãe dessa criança. Muitas são mães solo, não têm com quem deixar a criança (de novo: lutamos por creches, mas enquanto não conquistarmos esse direito, a realidade é que muitas mães precisam levar o filho para onde for). 
Sem falar que inúmeras mães são feministas, e vice versa. Aliás, um dos tipos de mensagens que mais recebo nessa década de blog é como uma mulher se descobriu feminista, ou como seu feminismo foi reforçado, depois que ela virou mãe (principalmente mãe de menina). "Odiar criança" é ser contra nossas irmãs. É ser contra nós mesmas.
O feminismo caminha junto com movimentos de direitos maternos. 
Creio que hoje isso soa bastante óbvio, mas eu me orgulho de, mesmo não sendo mãe, sempre ter falado no meu bloguinho sobre maternidade, sobre parto natural, sobre amamentação, sobre violência obstétrica, e tantas outras pautas que mães feministas trazem pra cá. 
Lutar contra a imposição da maternidade, lutar a favor  de direitos reprodutivos e da legalização do aborto, não é ser contra a maternidade. E não precisa ser feminista pra entender isso (mas ajuda!). 
Hoje, dia das mães (lembrar que é uma data comercial, instituída pelo capitalismo para vender mais -- é a segunda data mais lucrativa do ano, só perde pro natal -- não significa que devemos deixar de agradecer as nossas mães por tudo que fizeram e fazem por nós) é um dia em que aqueles "cidadãos de bem" celebram de um jeito bem diferente de nós. É o dia em que eles desejam "feliz dia das mães" ao mesmo tempo em que impõe que a missão de toda mulher é ser mãe, ao mesmo tempo em que escolhem quais mães prestam e quais não prestam. É o dia em que eles salientam sua posição contra o aborto ao mesmo tempo em que lamentam que eu e outras feministas não fomos abortadas. É um dia bastante hipócrita pra eles, digamos.
Acho que pra nós -- nós, as bruxas, as netas de todas as bruxas que eles não conseguiram queimar -- dia das mães é um dia pra celebrar a maternidade como escolha, pra saudar todas as mães, pra lembrar que não ser mãe não faz de ninguém menos mulher, pra, mais uma vez, exercer nossa sororidade. Feliz dia das mães!

13 comentários:

La Mamacita disse...

Obrigada, Lolô! Tó emocionada - e faminta, claro, pelo almoço que você fez pra mim!
La Mamacita.

Anônimo disse...

Feliz Dia das Mães também àquelas que inspiraram a criação desta data, tenha ela sido tornada em comercial ou não:

Reia, Cibele, Astarte, Ishtar, Inana, Ísis, Hator, Eurínome, Nossa Senhora dentre outras tantas deidades maternas

Prof. Ane Santos disse...

A data comercial ainda é "comemorada" com sorteios de cafeteiras, máquinas de lavar e etc. Fico feliz quando vejo o pessoal questionando isso, dizendo que Mãe não é igual a cuidar do lar, que esta é uma tarefa de todos da casa.
Não desejar filhos é sempre enfrentar questionamentos (muitas vezes descabidos) sobre não saber o que é felicidade, etc. A pressão é sempre maior sobre a mulher childfree. Mas, bem lembrado, não é que não gostamos de crianças, apenas não queremos uma (mas claro, não precisamos ficar lembrando disso para os outros, como uma desculpa). Mas é um assunto delicado discutir o limite entre sossego e presença de crianças, porque as vezes a gente vê que é falta de limite/birra e isto incomoda. Até que ponto podemos interferir?

Jane Doe disse...

A ideia de que mulheres TEM O DEVER de ser mães nunca me pareceu natural. Obviamente há mulheres que tem filhos, os escolheram e foram felizes assim. Tem as que não escolheram, tiveram e aceitaram o desafio. Também existe aquelas que caíram no conto da felicidade e do amor eterno e quebraram a cara.

Não quero ter filhos e meus sentimentos em relação a maternidade são conflitantes. Por um lado eu tenho uma imensa empatia pelas mães que estão tentando fazer o melhor e tentando não ser massacradas pelo modelo escravagista de maternidade. Desejo para elas tudo de melhor.

Para aquelas mães (e aqueles pais) que tentam de todas as maneiras usar a maternidade como arma submissão, que culpabilizam, perseguem mulheres que não seguem rigidamente a cartilha "mito do amor materno" e acham que mulheres como eu, Lola e tantas outras devem viver uma vida miserável por não cumprir a "sacrossanta missão" de parir e morrer como ser humano - espero que a vida lhes dê em triplo, com juros e correção monetária tudo o que vocês nos desejam...

Do mais, gostaria de deixar aqui um documentário sobre maternidade e direitos reprodutivos: No woman, No cry - https://www.youtube.com/watch?v=jXIPn0CApWM

Desejo nesse dia das mães mais direitos reprodutivos para todas as mulheres, mais parentagem responsável, zero violência obstétrica, mais apoio para as mães que estão tentando seu melhor e menos julgamento...

Anônimo disse...

Querida Lola,

Escolhi não ser mãe. Escolha mesmo, sabe?

Pouquíssimas vezes me perguntaram o motivo. (meus pais nunca me cobraram ou mesmo questionaram o motivo - em geral, isso partiu de 'parentes', que, de forma extremamente deselegante, sugeriram que eu deveria parir.

Fazendo um breve retrospecto (tenho mais de 40a) - percebo que, talvez, tenha sido uma das melhores coisas que fiz na vida. (nunca tive paciência com crianças, estrutura financeira ou mesmo emocional)

Beijos - no senso comum, nos vendem a imagem de 'mãe perfeita', 'vocação materna' - isso não existe.

Flavia disse...

Que texto bonito, Lola! Mas tu és mãe de gatinho, assim como eu. Feliz dia!

titia disse...

Um feliz dia das mães pra todas aquelas que fazem o seu melhor pelos filhos, e que cada vez mais a maternidade venha a ser uma escolha ponderada e consciente. O presente da minha mãe foi R$ 40,00 para ela assistir Guerra Infinita numa sala de cinema IMAX como queria (é, ela tava meio que na pindaíba). Só falei isso porque preciso fazer um comentário que vai envolver um SPOILER desse filme:

(Eu avisei. Sem chororô no meu ouvido depois)


Um pessoal na internet diz que o problema com o plano do Thanos (de sumir com metade da população mundial pra evitar a completa destruição do planeta) é que as eliminações eram completamente aleatórias; se ele escolhesse quem vai e quem fica - o que dava pra fazer com toda a tranquilidade na Terra - o cara nem mesmo seria considerado um vilão.

A mascuzada, os "cidadãos de bem", a bancada religiosa, o empresariado arrombador brasileiro, os gringos que metem a mão grande nos nossos recursos e despejam o lixo deles aqui, que alimentam guerras civis na África e no Oriente Médio pra vender armas, o EI, os traficantes de seres humanos acabam me fazendo concordar. E acho que já citei a metade da humanidade que o Thanos poderia eliminar sem ninguém sentir falta. Que deprimente. Só aumenta minha admiração pelas bravas guerreiras que com todo o mundo contra elas ainda assim lutam pelos seus direitos, e para um mundo melhor pros seus filhos e filhas. Feliz dia das mães pras verdadeiras super heroínas, que com suas falhas e seus defeitos cumprem essa difícil mas necessária missão.

Anônimo disse...

Lola querida, você é uma das pessoas mais empáticas que eu conheço, acolhe a todas independentemente das próprias escolhas pessoais.
E você não quer ser mãe, mas é sim um pouco mãe de todas nós.
Fabi

Anônimo disse...

Faço minhas as palavras da Jane.

Tupy disse...

Solidariedade é atributo fundamental da humanidade, que só existe por ele e por ele continua a existir.
Solidariedade deve ser o mesmo que humanidade.

Definindo solidariedade: Solidariedade está no dividir-se

Exemplo nobre, singelo, para solidariedade é a maternidade onde está toda a vida humana.
Mãe que se divide num pedaço do que ela é, do que ela tem para ser, para que alguem exista, e não importa quem será. Filho, uma parte que é partida da mãe por una parteira, para partir para a vida. Dialética.

Felipe Roberto Martins disse...

Gostei bastante do texto Lola.

Faz a gente pensar no quanto é importante saber respeitar as liberdades individuais e que toda liberdade gera direitos e também deveres.

Para que exista senso, bom senso e consenso, penso que educação, leitura e debate, tudo isto, com qualidade sejam fundamentais na construção de uma sociedade.

Forte abraço. Por um Brasil e um Mundo mais Humano.

Anônimo disse...

"O mundo que a gente vive inferniza as mulheres para terem filhos e depois que esses filhos nascem abandona as mães. O feminismo não está isento disso.

A gente reproduz tudo. A gente vê a mãe sem conseguir tomar uma água porque tá correndo atrás de neném e não vai ficar a gente mesmo andando atrás das crianças para que as mães possam comer, ir no banheiro ou ter uma conversa de mais de dois minutos com um adulto.

Uma coisa simples, andar atrás de uma criança só pra ficar de olho, algo que não requer experiência nenhuma. A gente não faz.

Mas sabe o que a gente faz? Dá palpite sobre uma coisa que não vive. Acha que o filho da gente seria diferente porque a gente daria uma criação diferente, o que basicamente é tentar adivinhar como reagiria uma pessoa que não existe.

E a gente julga, exatamente como esse patriarcado que a gente fala que quer destruir. Julga a mãe que opta por cesárea, que tem filho em casa, que dá açúcar, que não dá, que deixa criança vendo Galinha Pintadinha, a que não deixa, julga mãe que deixa de trabalhar fora, julga aquela na nossa avaliação "trabalha demais", julga quem tem babá, quem coloca na escola muito cedo, julga, julga, julga.

A gente fala que não sabe porque as pessoas tem filhos pros outros criarem, porque no fundo a gente continua acreditando naquele ditado horroroso de que "quem pariu Matheus que o embale" e que a criação da uma pessoa é responsabilidade da mãe.

A gente precisa urgentemente lembrar que vive num país onde o aborto é ilegal e o acesso a informações e a métodos contraceptivos não chega à toda população. Optar por não ter filhos é um privilégio gigantesco. Por isso mesmo quem não tem deveria ser mais empática com as mães.

Mas não. A gente acaba agindo como se as mães fossem menos espertas ou menos feministas porque optaram ter filhos, quando na verdade a gente deveria estar aplaudindo de pé a coragem de quem se dispõe a colocar uma uma pessoa nesse mundo sabendo de tudo isso.

Aplaudindo não. Ajudando a cuidar das crianças. Se oferecendo pra ficar de babá. Trocando uma ideia com os adolescentes que estão deixando as mães loucas. Acolhendo. Revendo nossas posturas. Respeitando quem escolheu ter filhos como a gente quer que respeitem quem escolheu não ter."
Fhoutine Marie

Anônimo disse...

"Lógico que eu só ficava com a "parte boa" do relacionamento com criança -- não tinha que trocar fralda, não tinha que botar pra dormir, não tinha que obrigar a comer ou fazer lição de casa. Mais ou menos como pai separado faz, certo?"

Que pensamento desatualizado e retrógrado. Lola, se atualize sobre o papel dos pais separados, por favor. Hoje a guarda compartilhada é uma realidade e exige de ambos os pais dedicação em todos os aspectos. E os pais tem se saído muito bem.