sexta-feira, 11 de setembro de 2015

POR QUE HOMENS HETEROSSEXUAIS TRANSAM UNS COM OS OUTROS?

Outro dia li num livro da Elisabeth Badinter uma pesquisa que me surpreendeu: que, na França, o número de mulheres que haviam feito sexo anal era igual ao de homens que já fizeram sexo anal com homens, cerca de 30%. Só que não há 30% de homossexuais. 
Ou seja, tem muito homem hétero que já transou com homem e nem por isso se diz homossexual, ou bi. 
E então vi essa entrevista de Jesse Singal com a professora americana Jane Ward, que acabou de publicar um livro sobre sexo entre homens hétero (e brancos). A entrevista é longa, mas fascinante. Pedi ao Luan para traduzi-la, e ele aceitou (super obrigada, Luan!). 

Anúncio inocente da década
de 1940
Há uma divisão bem clara entre os gêneros na forma como os norte-americanos lidam com heterossexuais que se envolvem em atividade homossexual. Quando mulheres heterossexuais dão uns amassos entre si em um bar ou festa, em geral entende-se que elas estão simplesmente querendo chamar atenção ou explorando o espaço fluido que é a sexualidade feminina. Quando homens heterossexuais se envolvem fisicamente, por outro lado, isso é visto como um ato de desespero — como no caso de detentos — ou como uma indicação de que, embora se digam heterossexuais, não o são realmente — como no caso de parlamentares descreditados do Partido Republicano.
Esta divisão deriva de um entendimento comum da sexualidade humana: a versão feminina dela é mais maleável, mais inerentemente aberta à experimentação e à variedade do que a versão masculina. Em Not Gay: Sex Between Straight White Men (em tradução livre: “Não gay: sexo entre homens brancos heterossexuais”), lançado no mês passado pela NYU Press, Jane Ward, uma professora associada de estudos feministas da Universidade da Califórnia, campus de Riverside, argumenta que esse é um entendimento falho
Poster homoerótico de 007
Operação Skyfall
Assim, ela mostra que o contato homossexual tem sido um elemento regular da vida heterossexual desde que os conceitos de homo- e heterossexualidade foram originalmente criados — não só em prisões, fraternidades e no meio militar, mas em clubes de motoqueiros e até em bairros suburbanos conservadores. Como se trata de um comportamento prevalente em tantos contextos diferentes, Ward sugere que é hora de parar de criar justificativas para ele — e defende que a concepção social da heterossexualidade masculina é irrealista e conveniente.
Science of Us conversou com Ward sobre seu livro.

Parece realmente que há esta ideia de que as mulheres podem fazê-lo sem serem vistas como homossexuais, enquanto no caso dos homens, ou há alguma explicação para justificá-lo, ou eles são gays e só não o percebem ou reconhecem.
Sim, e não é só uma espécie de sabedoria convencional ou ideologia conservadora que ensina isso. Eu acho que há muita pesquisa sexológica e psicológica sugerindo que a sexualidade masculina é mais rígida que a feminina e que as mulheres são mais sexualmente fluidas, de forma inerente. 
E o que eu argumento no livro é que mesmo essas pesquisas estão baseadas em crenças antigas sobre a diferença fundamental entre homens e mulheres que não são coerentes, de uma perspectiva feminista. É interessante porque, se você analisa esta crença de que a sexualidade feminina é mais receptiva, mais fluida, suscitada por estímulos externos, que as mulheres têm a capacidade de meio que se excitarem sexualmente com tudo e qualquer coisa, isso só reforça o que queremos acreditar sobre as mulheres, que é a noção de que as mulheres são pessoas sempre sexualmente disponíveis.
Com os homens, por outro lado, a ideia de que eles têm este impulso heterossexual programado para procriar e de que isso é relativamente inflexível também reafirma, de certa forma, a política da heteronormatividade e também, francamente, do patriarcado. Então, para mim, um atrativo interessante no livro foi pensar sobre por que estamos contando esta história tão diferente sobre a sexualidade feminina.

Você leva os leitores a uma espécie de passeio norte-americano, no século XX, pelo envolvimento heterossexual no comportamento homossexual e nunca houve evidências insuficientes de que tal envolvimento ocorreu de fato. Você escreve sobre a atividade homossexual em clubes de motoqueiros, por exemplo — um membro do Hell’s Angels, descrevendo, entusiasmado, uma relação homossexual por dinheiro, memoravelmente disse a Hunter S. Thompson: “Porra, cara, o dia em que sou chamado de viado é o dia em que eu deixo uma dessas bichonas me chupar por menos de dez dólares”. Este tipo de coisa meio que sempre acontecia em várias situações e contextos culturais diferentes, certo?
Sim, exatamente, mas o que é interessante sobre todos esses relatos é que, como estamos tão comprometidos com esta narrativa de que a sexualidade masculina é biologicamente limitada e só pode ser desviada de alguma forma pelas circunstâncias mais extremas, os autores desses vários relatos sempre parecem chegar à conclusão de que foram exatamente as circunstâncias únicas e particulares daquele contexto que explicam por que homens heterossexuais agiriam homossexualmente.
Então, no caso das prisões, diziam: Bem, isso só aconteceria na prisão, porque não há mulheres disponíveis, e assim nós explicaríamos esta situação. E as pessoas observando os militares diriam: Isso só aconteceria no meio militar, mas ninguém que estivesse comentando o caso das prisões e dos militares iria reparar no que estava acontecendo em banheiros, bares, salas de estar, clubes de motoqueiros ou todos os outros contextos em que, francamente, não há essas restrições. 
E, apesar de não haver nenhum motivo urgente para fazê-lo, os homens ainda estão fabricando justificativas para tocar os ânus uns dos outros. Essa foi então uma das questões-chave ao longo do livro: o que acontece quando juntamos todas estas evidências? O que podemos deduzir sobre a heterossexualidade masculina?

Eis a sua chance: São
HOMENS o que queremos
Um dos exemplos mais interessantes que achei de justificativas foi no estudo da cultura do “tearoom” na década de 1960 — como você escreve no livro, a “prática disseminada de sexo oral ativo e receptivo envolvendo homens casados, identificados como heterossexuais, em banheiros públicos semi-isolados, nas proximidades de parques, metrôs e pontos de parada nas estradas”. Nesse caso, o sociólogo que estudou esse fenômeno criou a teoria de que, como estes homens e suas esposas eram católicos e não podiam usar camisinha e como não queriam ter mais filhos, os homens eram forçados a buscar sexo secretamente em banheiros com outros homens.
Exatamente, exatamente. Refiro-me a isso no livro como a lógica da necessidade homossexual, e isso aparece muito, este argumento de que os homens precisam fazer isto por razão X ou Y. Simplesmente não há escolha. Acho que as pessoas estão realmente comprometidas com essa ideia, porque significa que os homens não estão escolhendo a homossexualidade por livre e espontânea vontade, o que então mantém intacta a sua identidade heterossexual, de acordo com essa lógica vigente.
Quando se considera o contexto das fraternidades [e dos trotes, no contexto brasileiro], a coisa é quase burlesca, porque a lógica lá é a seguinte: Bem, estes garotos precisam participar de um “elephant walk” [segundo o Urban Dictionary, forma de trote em que os participantes se organizam em fila e andam em círculos, enquanto cada um tem de segurar com uma mão o pênis do rapaz atrás e com a outra tocar o ânus do rapaz à frente], porque o veterano diz que eles têm de fazê-lo e porque, se não fizerem, eles não entram naquela fraternidade
Quero dizer, eu certamente acredito que a pressão do grupo é real e que deve ser levada a sério, mas não acho que os participantes estejam realmente temendo pela própria vida, com medo da violência ou o que seja, em todos os casos em que se submetem a um “elephant walk” — e estes são os mesmos garotos que, dois anos depois, fazem isso com outros.
A evidência fotográfica de um “elephant walk” no livro é realmente relevante, a meu ver. Porque eu acho que, quando as pessoas ouvem estas histórias, elas frequentemente imaginam meninos heterossexuais tristes, nauseados e trêmulos que estão sendo forçados a fazer este tipo de coisa, mas então você vê as fotos e percebe que há muitos sorrisos e risadas. 
E eu acho também que o motivo pelo qual um homem heterossexual pode apreciar rituais como o “elephant walk” ou a cerimônia de cruzamento da linha do Equador que eu descrevo [um ritual de trote da marinha “envolvendo sujeira, penetração anal e anilingus” para celebrar a primeira vez em que um marinheiro cruza a linha do Equador — veja um suave exemplo em vídeo, ao som de “Santeria”, de Sublime] é que eles não consideram de forma alguma esses rituais como atos sexuais. 
Assim, não há a sensação de Meu Deus, estou fazendo esta coisa gay. Em vez disso, eles estão pensando: Estou fazendo esta coisa nojenta. Estou fazendo esta coisa hilária. É como se estivessem beijando um peixe ou algo assim. Simplesmente não é percebido como sexo.

Certo. Sendo criado como um homem heterossexual, há esta categoria de piada: Se você é realmente heterossexual, você deixa um cara masturbar você, porque não é nada de mais, porque você é heterossexual, na verdade — esse tipo de piada e diálogo é a matéria-prima dos filmes de bromance [uma grande amizade entre homens, vista frequentemente em comédias]. Você enxerga isso como uma forma de expressar a heterossexualidade, ainda que o contexto pareça gay visto de fora?
Exatamente. E esse é precisamente o argumento que eu apresento sobre como e por que é possível que estas práticas homossexuais ratifiquem a heterossexualidade, porque elas promovem uma oportunidade para que homens heterossexuais demonstrem: Eu sou tão heterossexual, que eu posso fazer isto sem que haja nenhuma consequência para a minha orientação sexual cotidiana, que é heterossexual.

Meus exemplos favoritos disso foram aqueles classificados de encontros casuais do Craigslist que você incluiu no livro, como este aqui:
"Procuro um PARCEIRO MASCULINO DE MASTURBAÇÃO para ver PORNÔ HETEROSSEXUAL — 29. Homem branco masculino e atraente aqui... procurando outro homem branco atraente para vir à minha casa e gozarmos gostoso lado a lado. Apenas pornô heterossexual. Prefiro heterossexual, usuário casual etc. Não curto gays em geral."
Muitos destes anúncios, que são, afinal de contas, escritos por homens ostensivamente heterossexuais à procura de contato homossexual, são formulados nesta linguagem hiper-heterossexual.
Sim, e muitas pessoas que leem estes anúncios dizem: Ah, por favor. Eu acho que eles são gays, na verdade, e só estão fingindo ser heterossexuais. E é claro que não há como eu verificar isso, mas houve alguns sociólogos que contataram estes homens, pediram uma entrevista com eles e relataram que muitos deles realmente se identificam como heterossexuais em suas vidas. 
Mas o que eu descobri ao comparar esses anúncios com anúncios escritos por homens gays na seção “homens procurando homens” em vez da seção de encontros casuais e que especificavam que se destinavam a homens másculos — que é o código do homem gay para esse tipo de coisa — é que os anúncios publicados por estes homens heterossexuais continham muita homofobia. Há muito “odeio bichas” e muita ênfase em como eles vão falar sobre mulheres. Eles vão ver pornô heterossexual. Alguns deles dizem que vão encenar uma fantasia de estupro ou falar sobre gang bang.
Então isso, a meu ver, é, ao menos culturalmente, muito diferente da tradição de homens gays interessados em gays másculos. É algo assim: Eu quero fazer um tipo de sexo que está tão profundamente enraizado na cultura heterossexual, que me fará lembrar aqueles círculos de masturbação de que adolescentes heterossexuais podem ter participado.

E parece que, nas mesmas circunstâncias, homens brancos têm uma flexibilidade muito maior para tentar conseguir isso do que homens negros.
Exatamente. Acho que muita gente que leu a sinopse sem ter lido o livro ficou confusa com o motivo pelo qual o livro se concentra em homens brancos, e foi uma decisão consciente que tomei. Tem havido muito interesse e discussão sobre a fluidez sexual e a “heteroflexibilidade” nos últimos dez, quinze anos nos EUA, e tem-se concentrado em garotas beijando garotas para o prazer dos espectadores masculinos ou em homens negros e, em menor proporção, latinos que estão no armário. 
E todos esses relatos têm ficado restritos, no caso das mulheres, ao que está havendo com as mulheres e com a feminilidade que permite este tipo de comportamento. No caso de homens negros e latinos, a questão é: O que está havendo nestas comunidades étnicas que facilita este tipo de prática sexual?
Mas aos homens brancos ninguém nunca pergunta o que está havendo na cultura branca ou que elemento da masculinidade branca está tornando possível este tipo de prática sexual. Mas essa é exatamente a pergunta que deveríamos estar fazendo, porque homens brancos — homens brancos que se identificam como heterossexuais — têm-se envolvido em encontros íntimos desde a invenção da heterossexualidade e homossexualidade como termos médicos no final do século XIX e, mesmo assim, muito pouca atenção tem sido dada a isso. 
Então, sim, eu diria que, como os homens brancos são entendidos como os exemplares idealizados, mais normais, da sexualidade humana natural, emprega-se muito esforço e atenção para desculpar qualquer coisa que eles fazem ou racionalizar qualquer coisa que eles fazem que possa perturbar essa visão, o que não acontece com as mulheres ou os homens não-brancos.

Outra justificativa para a atividade homossexual entre homens foi esta ideia de os homens buscarem sexo com outros homens porque há menos obrigações — sem pressão, sem estresse, sem romance. Você pode falar um pouco sobre isso?
Bem, esse é um argumento que, novamente, psicólogos e psicobiólogos têm comumente usado, e esses tipos de argumento, a meu ver, infiltram-se na cultura mais geral e assim os próprios homens sabem quais justificativas têm legitimidade. 
Se você conseguir que um homem heterossexual converse com você sobre por que ele está transando com homens, é bem provável que ele recorra a um pequeno conjunto de narrativas aceitáveis sobre por que homens fazem coisas assim, e eu acho que essa é uma muito comum, sabe, a narrativa da restrição — Bem, eu preferiria transar com uma mulher, mas não há mulheres disponíveis ou Mulheres são muito complicadas — este tipo de coisa. Mas eu não caio nessa.
Não que eu ache que esses homens heterossexuais saibam o verdadeiro motivo — eu acho que eles frequentemente não sabem. Acho que nós não temos uma linguagem corrente na cultura dominante capaz de ajudar homens heterossexuais a decifrar ou explicar seus encontros sexuais com outros homens, enquanto as mulheres heterossexuais, quando têm encontros sexuais com outras mulheres, dispõem de uma série de narrativas socialmente aceitáveis a que podem recorrer: Bem, eu simplesmente acho mulheres atraentes — elas são lindas, mas é claro que eu sou heterossexual
Elas podem dizer quase qualquer coisa e escapar impunes, mas os homens heterossexuais dispõem de muito poucos recursos para compreender essa parte da sua sexualidade, então a primeira coisa que eles fazem é entender isso como não sexual e não pensar a respeito, e, se pensarem nisso como algo sexual, então, sim, todas estas narrativas sobre privação ou restrição entram em ação.

Lendo especialmente a última parte, em que você fala sobre sua própria história, parece que você tem a impressão de que os homens brancos estão ficando de fora de alguma coisa — deixando escapar todas as coisas que eles poderiam sentir-se seguros para explorar como as mulheres fazem. Isso é verdade?
Essa é uma boa pergunta. Primeiro, eu quero dizer que não estou de forma alguma interessada em chamar estes homens de bissexuais ou gays. Estes são homens heterossexuais comuns como todos os homens heterossexuais comuns que, na adolescência ou no colégio interno, ou nas forças armadas, ou em uma fraternidade, ou em qualquer um destes contextos, vivem estas experiências, e é simplesmente parte do seu passado heterossexual. 
E depois eles namoram mulheres, casam-se com mulheres, então de forma alguma eu acho que seja produtivo chamar isso de bissexualidade, que eu entendo como uma identificação própria, significativa e importante da diversidade sexual, e isso não é o que estou descrevendo.
No final do livro, eu realmente sugiro que, se as pessoas heterossexuais querem participar da vida queer, isso vai além do sexo homossexual. Trata-se da subcultura queer, que está ancorada em uma longa tradição de práticas políticas antinormativas, práticas sexuais antinormativas e valorização de uma variedade muito maior de corpos e tipos de relacionamentos e assim por diante, então eu acho que a maioria das pessoas heterossexuais na verdade não quer fazer parte disso. 
Eu acho que as pessoas heterossexuais que se envolvem em sexo homossexual, o que as faz heterossexuais é exatamente o fato de elas não terem nenhum interesse em fazer parte da subcultura queer, então, no último capítulo, eu alego que elas poderiam, se quisessem, mas não querem, e por isso sabemos que se trata de sexo homossexual funcionando a serviço da heteronormatividade.

Outro argumento muito interessante que você utilizou é quando você fala sobre os trotes de fraternidade e outros rituais em que os caras fazem coisas uns com os outros, mas parecem enojados. Você está dizendo que esta mesma espécie de dicotomia estranha envolvendo repulsa e desejo existe no sexo heterossexual também?
Exatamente. Sim, muita gente quis argumentar que o tipo de contato sexual que acontece nos trotes, por exemplo, não é sexo, senão violência, agressão sexual, e sabemos disso porque os homens envolvidos se mostram enojados e humilhados, então eu quero refutar um pouco esse argumento dizendo: Bem, existe muita repulsa na heterossexualidade.
Ninguém se surpreende quando uma mulher jovem e bela se casa com um homem quarenta anos mais velho que ela, mas que é muito rico, e com quem poderíamos esperar que fosse repulsivo para ela transar, porque entendemos o significado circunstancial daquele relacionamento. E, de forma similar, muitos homens heterossexuais, especialmente os mais jovens, têm um relacionamento ambivalente com o corpo feminino, e muitas feministas discorreram a fundo sobre isto. O estado natural dos corpos femininos, o cheiro da vagina, os pelos nas axilas, os pelos nas pernas — homens heterossexuais só se sentem atraídos pelos corpos femininos na medida em que são cuidadosamente modificados.
Em última análise, vemos então que a linguagem do erotismo heterossexual é — e não estou falando sobre fazer amor, mas apenas a linguagem do erotismo heterossexual puro, duro e impetuoso — uma linguagem que nos revela esta relação dinâmica entre desejo e repulsa, em que mulheres são vadias, que você vai “socar”, “estocar”, “destroçar”. 
Eu cito outro ótimo livro de uma socióloga chamada C. J. Pascoe que fez este estudo de meninos em uma escola de ensino médio na Califórnia, e ela fala de como os relatos de sexo dos garotos frisavam aquilo que eles achavam abjeto e repugnante em um corpo feminino — Eu a fodi até ela sangrar, eu a fodi até ela se borrar, eu a rasguei por dentro, esse tipo de coisa. Há, então, alguma coisa na própria formação do desejo masculino heterossexual que pode admitir atração e repulsa pela pessoa, a mulher, sendo penetrada.

Quando você fala sobre os homens dando justificativas para os seus encontros homossexuais que talvez sejam artificiais, porque carecem de um vocabulário para expressar o que realmente está acontecendo, você acha que a solução é simplesmente reconhecer que a sexualidade é complicada, fluida e esquisita para os homens também, que alguns homens simplesmente gostam de chupar outro cara em um banheiro e que isso não diz tanto sobre a sua identidade quanto pensamos? Como podemos encontrar esse vocabulário para falar a respeito?
Bem, o que eu gostaria de ver inicialmente é o reconhecimento mais disseminado de que todo mundo faz sexo homossexual. E, quando digo isso, não estou dizendo que literalmente todo mundo faz — existem pessoas que não fazem sexo e é claro que existem pessoas que nunca fazem sexo homossexual, mas, se vamos falar sobre quem faz sexo homossexual, frequentemente pensamos que, bem, somente pessoas que se identificam como gays, lésbicas e bissexuais fazem sexo homossexual, mas acontece que mulheres heterossexuais e também homens heterossexuais têm muito contato homossexual, o que significa então que meio que todo mundo tem, então acho que seria útil começar com uma consciência maior de que o desejo homossexual é parte da condição humana.
Agora, se tomarmos isso por certo, então a questão é: Bem, por que algumas pessoas querem isso mais do que outras ou por que algumas pessoas organizam suas vidas ao redor disso e outras pessoas não querem que ninguém sequer saiba que elas fazem? Para mim, essa é uma pergunta mais interessante do que A gente nasce gay ou heterossexual? 
Eu acho, então, que a solução, sinceramente, é abandonar a obsessão pelos argumentos sociobiológicos sobre orientação sexual, que eu acho que, francamente, são uma armadilha, e, em vez disso, perguntar: Já que tantos seres humanos têm encontros homossexuais, o que é que leva algumas pessoas a entenderem seus encontros homossexuais como culturalmente significativos e outras pessoas a entendê-los como insignificantes ou circunstanciais? Eu acho que ainda não temos a resposta para essa pergunta.

Julgando pelo que você acabou de dizer e pelo seu livro, parece que você acha que o argumento “born this way” ["nasci desse jeito"] foi em parte uma correção liberal exagerada de argumentos conservadores — um expediente político que tem certas consequências negativas próprias?
Precisamente. Acho que se trata de um argumento que visa a legitimidade e que tem sido efetivo, é um argumento legitimador, mas é evidentemente um argumento heteronormativo, eu diria até homofóbico, porque a lógica é: Bem, é claro que eu nasci assim — quem em sã consciência escolheria uma vida como esta? Ninguém nunca escolheria ser queer, então é claro que deve ser alguma coisa em que não tenho escolha, sobre a qual não tenho controle.
Essa não é a lógica predominante da “justiça racial”, quando o assunto é raça — Bem, é claro que eu seria branco, se eu pudesse escolher. Em vez disso, reconhecemos que as comunidades étnicas e culturas têm em si grande valor, então eu acho que, de forma similar, há muitas, muitas razões para querer ser queer, e, porque esta singularidade [queerness], ao contrário da raça ou gênero, é algo que podemos cultivar em nossas vidas, faz todo o sentido para mim que as pessoas o façam. 
Então acho que, no caso do “born this way”, há uma série de ótimos livros que questionam a ciência em si, o que não é meu projeto, mas, afora as falhas no aspecto científico, eu acho que é simplesmente homofóbico. Você arranha a superfície e logo abaixo você encontra muita homofobia internalizada.
Esta entrevista foi editada e condensada.

211 comentários:

«Mais antigas   ‹Antigas   201 – 211 de 211
Anônimo disse...

Lamento, mas homem que transa com homem não é hétero, ele pode até fingir que é, mas no fim das contas é gay ou bi.
E outra, pra um blog que se considera feminista vocês estão muito preocupadas com os homens não?

Anônimo disse...

Idem! Estou chocada com tantas certezas.

Anônimo disse...

Acontece mais pela seca mesmo...nem vem me chamar de gay q esse blog é contra homofobia. E eu sou de fato hetero.

Leandro C. disse...

Não sei se, pela entrevista, o ponto da autora está totalmente claro.
Todavia, sem sombra de dúvidas é um livro que mereceria ser trago à uma versão portuguesa, ainda mais dado que no Brasil por muito tempo mantemos e ainda muitos mantêm a patológica necessidade de repetir o estilo de vida "American Pie" (Algo que parece latente nas argumentações da autora em suas respostas: homens brancos "zuando" com a sexualidade de forma exacerbada. Nem preciso imaginar os EUA para visualizar isto mentalmente!)
Att. Blog Sétimo Olhar

Anônimo disse...

Então ....

Não seria mais tranquilo e natural entender de uma vez por todas que o SER HUMANO se apaixona por pessoas ?

______

------>>>> mas as religiões (que permeiam ainda a sociedade que insiste achar q não é baseada em dogmas religiosos ,.. Mas no fundo toda a escolha é eivada de temperos religiosos dogmáticos .... Deve-se entender o que é religioso e separar da sociedade cultura arte afetividade moral etc ....) religião é algo que dece prezar o bem e pronto .... Passando disso gera preconceito discriminação e atraso na evolução ....
Isso não é um desabafo contra religião e sim contra dogmas que emperram evolução da sociedade ... Moral e cultural ... Científico etc ....então ....

Por conta de dogmas religiosos a sociedade (que carrega algemas de dogmas arcaicos) se obriga a gostarem do sexo oposto ....

E por isso que muitos insistem em negar sua homoafetividade ao participarem de encontros homoafetivos ....

Outro ponto ....
Percebe se que tudo gira em torno do patriarcado ....machismo na entrevista ? Até realizando atos homoafetivos se encaram como heteros em estado de necessidade ? Enquanto que não se conformam em que mulheres tenham sexo entre si e estejam muito bem .....querem forçar a barra para dizer q isso é para chamar a atencào deles ?

É claro que na prática para uma pessoa se rotular como homoafetiva pode passar por uma longa fase de autoconhecimento ... Por vezes ela não se entitula justamente pode temores religiosos ou de sociedade machista em que viva ....
Cabe a pessoa se despir de preconceitos e se permitir a busca pelo autoconhecimento


MarceLLa



Anônimo disse...

Existem mais bissexuais do que se pensa. Esses homens são gays e bissexuais que não saem do armário devido ao forte estigma social.

Unknown disse...

texto interessante,o complicado é que é sempre o homem branco...só faltou falar que era cristão e reacionário

Anônimo disse...

Sou heterossexual moro em Campinas sp e já tive uma amizade muito verdadeira e íntima com um amigo que se casou. Eu namorei uma mulher também neste intervalo, mas agora estou solteiro e gostaria de reviver uma amizade tipo bromance. meu e mail men.mass@hotmail.com . às vezes faço massagem (massagem mesmo e não costumo cobrar).

Anônimo disse...

poste meu comentario por fvor

Anônimo disse...

Concordo ! A sociedade não aceita, mas muitos homens se relacionam com outros, broderagem.

Anônimo disse...

Na faculdade eu não tinha muito dinheiro, mal pagava as contas da casa que dividia com os amigos, imagine chamar atenção de mulher na situação, mas apesar disto sou hetéro e sinto atração mesmo por mulheres, mesmo assim isso não impedia de lá eu ter vontades, não tive outro jeito senão ter que transar com meu colega de quarto, sempre fiquei com vergonha de as pessoas pensasse que eu era gay por isso nunca contei, até pq hj tanto ele qt eu temos mulheres mas que bom que eu li esse texto

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