sábado, 17 de março de 2012

GUEST POST: TANTAS ESCOLHAS E EU FUI ESTUDAR!

Este relato que a Vanessa me enviou é ilustrativo dos estereótipos que teimam em nos limitar. E também é bastante comum. Eu me lembrei do famoso caso da Skepchick. Bom, talvez não seja tão famoso, e nunca tratei dele aqui, mas vamulá. Ano passado, uma ótima blogueira ateia americana chamada Rebecca Watson fez um pedido: pediu aos homens de comunidades ateístas que respeitassem mais as mulheres. Ela disse que talvez o fato de haver poucas mulheres nessas comunidades acontecesse porque elas são objetificadas, vistas como menos racionais, paqueradas sem limites, tocadas sem seu consentimento nas conferências e nos bares dessas conferências. E ela narrou um episódio emblemático: numa dessas conferências ateístas, ela participou de um painel justamente sobre esse tema, exigindo respeito. Na mesma noite, às quatro da manhã, um sujeito entrou no elevador do hotel com ela, a elogiou, e a convidou pra tomar um drinque com ela no seu quarto. E ela sentiu-se desconfortável (algo que boa parte dos homens é incapaz de entender) e fez um vídeo pedindo: "Rapazes, não façam isso". Por conta desse incidente, o renomado escritor Richard Dawkins lhe mandou um comentário inacreditável, em que ele se dirige a "Muslima" (uma garota islâmica que ele inventou), ironizando que os problemas dela de mutilação genital e de não poder votar não eram nada perto de ser abordada num elevador. Ou seja, Dawkins, do alto de seu privilégio masculino, pensa que, por mulheres sofrerem numa parte do mundo, as mulheres de outras partes do mundo deveriam ficar quietas e parar de reclamar. A declaração sem noção de Dawkins ganhou grande repercussão, foi muito criticada, e fez Watson ficar ainda mais célebre. E houve também aquele negócio típico: a cada nova "explicação", mais Dawkins se complicava. O cúmulo foi afirmar que o desconforto que uma mulher sozinha abordada por um estranho num elevador às quatro da manhã é igual ao desconforto que ele, Dawkins, sente, quando alguém masca chiclete perto dele!
O relato da Vanessa me lembrou o caso da Watson porque mostra como mulheres são mal recebidas em espaços majoritariamente masculinos. E mostra como certos homens são completamente sem noção. Vamos ao guest post da Vanessa.

Sou mestranda na área de ciência do solo e venho lhe reportar uma situação que ocorreu comigo em um congresso, e que muito me recorda diversos posts seus.
Sou mulher, gosto de esportes, malho e sempre sonhei em ser cientista. Porém, trabalho em uma área bastante masculina. Até aí nada mudou em minha vida: pouco me importo com o sexo de quem trabalha comigo, costumo estar bem mais interessada em empenho e nos resultados da minha pesquisa.
Mas ano passado passei por uma situação no mínimo embaraçadora.
Viajei para a cidade de Uberlândia, onde ocorrera o Congresso Nacional de Ciência do Solo. Neste congresso, estava à frente de dois trabalhos junto com meu orientador. Uma noite estávamos na boate onde ocorria a festa do congresso, eu e meu orientador, e passamos a noite batendo papo e tomando cerveja. Como já era de se esperar, a festa tinha um grande número de homens e muita gente do interior, já que nossa área é muito forte no interior. E eu já havia reparado no grande número de homens me olhando como se eu fosse carne no açougue -- estes pareciam um pouco intrigados com meu comportamento.
Estava eu ali, altas horas da noite, conversando com um homem mais velho, tomando uma cerveja e altamente alheia aos acontecimentos e homens ao meu redor.
começa o momento sem noção. Certa hora meu orientador foi ao banheiro, e eu fiquei tomando minha cerveja esperando, quando fui abordada por um homem que me diz: "Oi, você está aí a noite toda com esse coroa bebendo, quem é ele? Seu namorado?"
Eu respondi: "Que é isso? Ele é meu orientador e estamos tomando uma cerveja, qual o problema?"
E o sujeito: "Ah, tá! Já estava achando que você era dessas prostitutas de luxo que dizem ter no Rio".
Eu fiquei totalmente estupefata com a situação e lhe disse que se essa era a sua forma de abordar uma mulher, que não a fizesse mais. Ele então tentou se desculpar dizendo que eu era uma mulher muito bonita para trabalhar nessa área, e que eu havia passado a noite alheia ao meu redor, enquanto vários homens se mostravam interessados. Continuou falando que era do interior e que sempre ouvia essas histórias que as mulheres do Rio (eu sou carioca) são mais liberais, ou prostitutas.
Um absurdo! Eu, mulher, não posso passar uma noite agradável com um amigo, pois estando eu solteira e havendo grande oferta de homens, tenho que estar focada em arrumar um macho, porque senão é um desperdício pra humanidade. E se eu não estou interessada e sou do Rio (aff) é porque chegaram antes e já estão me pagando, já que sou prostituta!
Isso aconteceu em um evento fechado para um congresso, ou seja, estavam lá congressistas, pesquisadores!
Hoje acho a situação cômica e ridícula. Mas parece que sempre causo estranhamento por trabalhar nesta área, já que bonitinha assim, eu podia estar à caça de um deputado rico ou de um jogador de futebol, ou me tornar uma dessas dançarinas de programa de humor de baixo nível... E eu, diante de todas essas possibilidades maravilhosas, escolhi estudar, trabalhar e me enriquecer intelectualmente!

222 comentários:

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Nih disse...

Lisonjeada* (com j)

Bem, agora eu tenho um clone, aparentemente os travestis santos gostam de ser mulheres.

Sai de Nárnia, seu lindo!

EneidaMelo disse...

Anônimo das 21:20,

Sim, muitas mulheres ficam traumatizadas com as agressões que sofrem e com as que as outras mulheres sofrem, e se apavoram quando um homem se aproxima num LOCAL EM QUE SE SINTAM VULNERÁVEIS.

Anônimo disse...

Kami-sama! Dasukete, onegaaaaaai!

É o ataque dos monstros bionóides, chame o Jiban, Mordred.

Uhauahuha...

Esses meninotes querem reviver a infância, só pode.

Anônimo disse...

Primeiro, não sou evolucionista, e muito menos "mascu".

Maria das 21:12, como já disse não sou evolucionista, muito pelo contrário. Não comparto aquela idéia de que o homem primitivo vivia na miséria e que a civilização nos trouxe a riqueza.

O matriarcado primitivo foi constatado por estudos antropológicos nas sociedades aborígenes, como os do Lévi-Strauss.

Anônimo disse...

não, tens razão. nós é que somos misândricas manchando a imagem do feminismo.

"Afinal, como já disse, não sou homofóbico, ao contrário de vocês que estão mais para misândricas do que para feministas."

por que será que todo bandido diz que é inocente?

Maria disse...

Cora,
todo mundo acha que sabe tudo sobre os mortos, porque eles não podem voltar para protestar. Que dizer então sobre sociedades/culturas mortas!
Minha área de trabalho não se refere diretamente a culturas extintas há milênios, já que eu curto mais do que simples masturbação intelectual (mal aí, galera, mas ficar divagando sobre os ritos de conquista na etnia que viveu na área de Neander sem nenhum embasamento em nada do que eles deixaram não dá para ser chamado de nada além de masturbação intelectual).
Mas eu acho antropologia fascinante sim. Dê uma pesquisada sim e recomendo especialmente a antropologia política, que é mais contemporânea e concatena o estudo de movimentos sociais como o feminismo, por exemplo. ;)

Maria disse...

Sabe, Anônimo não-evolucionista, eu até acreditaria em você, se você não usasse termos como "primitivo" e acreditasse em paralelismo evolutivo, alegando que o estudo de Lévi-Strauss em sociedades aborígenes (???? ele estudou povos do alto Xingu) comprovou a existência de uma prática em povos que viveram há mais de mil anos. Você leu Raça e História?

Maria disse...

E, btw, as relações de parentesco entre os aborígenes (que vivem na Austrália, só para registrar), costumam ser classificadas como clãs matrilineares, não matriarcais. Matriarcalismo só foi encontrado na América Central e na Manchúria, pelo que me consta. E em sociedades que existiram enquanto eram pesquisadas.

Sério, leia Franz Boas. Qualquer texto dele acho que já tá bom.

Maria disse...

breve correção ao meu penúltimo comentário: *e não acreditasse em paralelismo...

Anônimo disse...

Maria, lí Raça e História aqui:

http://pt.scribd.com/doc/31225878/Levy-Strauss-Raca-e-Historia

Não há nenhuma citação que negue que nos primórdios da humanidade, a sociedade tenha sido matriarcal, e nem diz que esta teoria é machista (pelo contrário, o Engels não era machista, pelo contrário, e se você ler o seu livro "A Origem da Família, da Propriedade privada e do Estado", ela faz uma análise das sociedades aborígenes e embasado nos estudos do Morgan ele conclui que nos primórdios da humanidade, a sociedade era matrilinear).

Maria disse...

Eu não respondi seu último comentário ontem porque fui dormir, mas respondamos agora. E é bem rápido de fazê-lo:
Morgan era um antropólogo de gabinete, que estudou os iroqueses através de relatos de missionários e viajantes que estiveram em contato com eles, jamais conhecendo um índio ou indo a Delaware. É o fundador do evolucionismo cultural (tcharaam! Justamente a linha antropológica especulativa que eu tinha mencionado ontem e que você negava seguir, lembra?) e um dos maiores especuladores de todos os tempos. Lembro de meus professores mencionando que ele inventou um monte de dados e contextos. Além, é claro, de apelar para paralelismo histórico.
Para a galera que não conhece antropologia e está lendo isso aqui, paralelismo histórico é assim: eu estudo um grupo Y em que se faz facas de osso de búfalo e que tem como animal sagrado este mamífero; encontro vestígios em outro continente do planeta de um povo X que fazia facas que lembrava mais ou menos a faca de osso de búfalo e que viveu há milênios, não deixando nenhum relato escrito do que, para eles, era Sagrado e o que era Profano. Deste modo, eu, a grande pesquisadora, determino que o povo Y que é meu contemporâneo, não tem História nenhuma, não tem ancestrais no período que viveu o povo X e determino que o povo Y tem a História estanque, não mudou nada de milênios para cá, por isso, seus hábitos podem ser igualados aos de um povo da "pré-História". Alguém além de mim percebeu os problemas em se fazer isso?
Engels partiu do infeliz erro histórico de acreditar nas coisas malucas que dizia Morgan. E tanto ele quanto Marx têm uma análise por vezes bastante evolucionista da História, como se essa fosse sempre cumulativa e estivesse guiando a algum ponto (veja bem, eu costumo me intitular comunista, porque é o projeto de sociedade que mais me encanta, mas Marx e Engels detestariam ser tratados como deuses e não ser superados e adaptados a novas realidades; esse tipo de autoridade permanente conferida a eles contraria a própria dialética marxista).
Quanto à sua argumentação de que Raça e História não contesta a tese do matriarcado primitivo, devo dizer que eu não citei o texto por contestar especificamente essa tese, mas por criticar duramente o tal paralelismo histórico.
Para te agradar, eu cito uns trechinhos: "Impõe-se uma primeira constatação: a diversidade das culturas humanas é, de fato no presente, de fato e também de direito no passado, muito maior e mais rica do que tudo aquilo que delas pudermos chegar a conhecer." (p.331), "(...) a diversidade das culturas humanas não deve ser concebida de uma maneira estática." (p.332), "Portanto, o procedimento consiste em tomar a parte pelo todo, a concluir, pelo fato de que certos aspectos de duas civilizações (uma atual, outra desaparecida) oferecem semelhanças à existência de analogia de todos os aspectos. Ora, não apenas este modo de raciocinar é logicamente insustentável, mas em bom número de casos é desmentido pelos fatos." (p.338) e "Na verdade, não existem povos infantes; todos são adultos, mesmo os que não mantiveram um diário de sua infância e adolescência." (p.340)

Maria disse...

O ponto central de toda a minha crítica ao evolucionismo de sua afirmação original reside em que argumentar que a matriarcalidade primitiva significaria uma ausência de regras de corte ou mesmo uma anarquia no convívio (QUEM DERA que houvessem sociedades anárquicas, embora até hoje só tenhamos registro de sociedades tão cheias de regras e tabus quanto as nossas) dentro de um contexto em que estamos reclamando do comportamento agressivo e impositivo de homens machistas, desvia o cerne da questão para:
a) As mulheres, que não transam e, portanto, tolhem todo o impulso sexual do mundo (afinal, não temos mais o seu "ninguém é de ninguém" blablabla)
b) Um determinismo cultural, que periga transformar péssimos hábitos que temos hoje em dia em uma espécie de herança atávica dos "tempos do bundalelê"
c) Além de desconsiderar todas as crenças e construções sociais de povos aborígenes.

Daní Montper disse...

Se algum cara me pergunta se sou prostituta eu responderia "sim, mas você não tem perfil para ser meu cliente, tchau"

Diria isso porque, né? Imagina a raivinha dele por ser recusado por uma prostituta? `-´
E se ele dissesse que era brincadeira, diria que de mim não era - ele não está no perfil de caras com quem sairia.
Isso tudo no maior blasé.

Sempre que se fala em assédio às mulheres, vêm um monte de marmanjo querendo se justificar ou dizer que estamos tolhendo direitos deles... mas me diga, cara-pálida, onde que assinei dizendo que qualquer homem tem direito de me assediar na rua, cantar ou sei-lá-o-que? Onde que as mulheres lhes deram esse direito no qual dizem que as feministas querem lhes tirar?

Anônimo disse...

Desculpe Lola pelo comentario sem nada! Só o ponto

Mas é que tem algo errado com seu blog, depois de 200 comentarios vc tem que comentar algo se não, vc não vê os comentários restantes!!

Anônimo disse...

Para a sua informação, o fundador do evolucionismo cultural não foi o Morgan, se não engano foi James Cook...E Morgan teve sim contato com os povos indígenas.
Morgan não disse que que “o povo Y não tem História nenhuma, não tem ancestrais no período que viveu o povo X e determino que o povo Y tem a História estanque, não mudou nada de milênios para cá, por isso, seus hábitos podem ser igualados aos de um povo da "pré-História"”. Interpretação sua. Você deveria ler o Morgan, pois ele não nega a história dos iroqueses, sua guerra contra os dakotas, a origem da confederação e outras coisas da História dos iroqueses.
Nem Morgan, nem Engels nunca disseram "a matriarcalidade primitiva significaria uma ausência de regras de corte ou mesmo uma anarquia no convívio", muito pelo contrário contrário, diziam que haviam regras (a proibição de endogamia era uma delas). Quem acreditava nesta tese foram os europeus missionários que viam nesta sociedade uma era de promiscuidade total, incesto... Na verdade, esta é uma teoria hobbeana, segundo à qual, em um sociedade sem Estado, não haveria regras. Um grande absurdo.

Anônimo disse...

Só uma correção do meu comentário de 12:43, nao foram os dakotas que guerrearam com os iroqueses, foram os Algonquian, com o apoio dos franceses.

EneidaMelo disse...

Interpretação de texto tá passando longe aqui.

Anônimo disse...

nao vou me meter pq a maria ali, que entende do assunto, está dando um banho no troll.

mas na boa: quem se importa como viviam as sociedades primitivas? alguém aí caça mamute? não há escassez de comida ou quaisquer recursos e ir trabalhar fora significa quase sempre passar o dia no ar condicionado, na frente do computador. acho uma perda de tempo discutir sobre uma organização social que não se aplica à nossa realidade. fora que eu detesto as teorias que pressupõem que todo mundo deve ser casado e exercer papeis dentro desse casamento. quer dizer, as pessoas sozinhas que se lixem. eu hein...

Gre disse...

Em uma situação parecida, fui chamada pejorativamente de "sapatão"...não contestei embora seja hetero, porque explicar ao dito cujo que minha liberdade não faria dele opção seria muuuuuuuito mais difícil e perderia minha noite kkkk

Anônimo disse...

Engraçado que a antropóloga Maria, não diz nadinha pra quem falou bobagem sobre a sociedade neandertal. Também não falou nadinha pra quem está falando bobagem sobre a pré-história. Não rotulou de "evolucionistas", nem nada.

Respondendo ao 19 de março de 2012 17:38, realmente não há escassez de comida, e é por isso que é um absurdo ver na nossa sociedade, muita gente sofrendo com a fome.
Não há escassez de quaisquer recursos? Nessa você viajou. E o petróleo, não é um recurso natural escasso? O que você acha que os americanos querem no Oriente Médio (Iraque, Irã, Líbia...)? Libertar as mulheres da "opressão muçulmana"?

"fora que eu detesto as teorias que pressupõem que todo mundo deve ser casado e exercer papeis dentro desse casamento." - Este comentário não é dirigido a mim, pois eu não sou adepto desta teoria.

darkgabi disse...

fiquei mt triste ao ler sobre as afirmacoes do dawkins... é uma pena, eu admiro ele bastante como biólogo, como ateu e como difusor de ideias de ambos os campos... é, ning é perfeito. me lembrou akele seu psot sobre um homem negro e feminista.. há negros machistas, negros homofóbicos, gays machistas, gay racistas. e homens inteligentes e à frente do seu tempo em um campo, e altamente retrógado e bobo em outros. oh well....

Anônimo disse...

pois é, gabi, quanto mais eu me deparo com isso, mais 'feminazi' eu fico. pq nao é possível que as pessoas sejam tão sensíveis a tantas causas e continuem desdenhando quando se fala na desigualdade de tratamento com as mulheres.

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