quarta-feira, 19 de outubro de 2011

COMO DECIDIR SE UM FILME É OU NÃO FEMINISTA?

No começo do ano falei do Bechdel Test, um teste que não é bem um teste criado por uma cartunista americana lésbica para determinar se um filme vale a pena ser visto por ela. Para que ela se disponha a sair de casa e ir ao cinema, um filme deve cumprir três regrinhas básicas: 1) ter no mínimo duas personagens femininas, 2) que falem uma com a outra, 3) sobre algo que não seja um homem. Só isso, mais nada! Pense em quantos filmes não têm pelo menos dois personagens masculinos (com nomes) que falem um com o outro sobre algum outro assunto que não seja mulher. Mas, no caso de personagens femininas, tem um monte que não passa no Bechdel Test, incluindo aí grandes filmes, como Caçadores da Arca Perdida, Trainspotting, Curtindo a Vida Adoidado, Pulp Fiction, O Poderoso Chefão, etc.

O Bechdel Test nos faz pensar em como é absurdo que a forma de arte e entretenimento que atrai mais gente na atualidade seja tão excludente com as mulheres, e como a indústria que é Hollywood praticamente só tem homens na direção, produção e roteiro de uma obra, o que deve influenciar a falta de representatividade feminina. Mas o teste é muito limitado. Ele não determina se um filme é bom (ok, critério totalmente subjetivo), ou se a representação das mulheres é positiva, ou se o filme é feminista. Por exemplo, em quase toda comédia romântica a protagonista tem uma melhor amiga (às vezes substituída por um BFF gay), e elas conversam sobre coisas que não sejam um homem, como... ahn, roupas, maquiagem e forma física. Comédias românticas passam no Bechdel Test, mas passam pra quê?

Que tal se a gente apontasse o que faz um filme ser feminista? Tipo: de repente o filme traz uma ou mais mulheres lutando contra um sistema patriarcal que as oprime. Detalhe: elas não precisam necessariamente vencer, só lutar. Thelma e Louise não tem final feliz. Tem o que pra muita gente é o único final possível. A Troca, com Angelina Jolie, mostra uma mãe desafiando várias instituições (polícia, imprensa, governo) para recuperar seu filho desaparecido. O até agora pouco visto Revolução em Dagenham (tá esperando o quê pra vê-lo?) expõe uma batalha bem sucedida: sindicalistas britânicas que, no final dos anos 60, conseguem que empresas automobilíticas paguem o mesmo salário para trabalhadoras e trabalhadores.

Quando o filme for mostrar esse sistema de opressão, precisa fazê-lo de forma crítica. Sexploitation films como I Spit on Your Grave (A Vingança de Jennifer) não são feministas. Só ter uma personagem que se vinga de seus algozes não é suficiente. Não há nada de feminista em mostrar uma longa e horrível cena de estupro que dura nove minutos (como em Irreversível) e que só existe para impulsionar o personagem do namorado, não da vítima. Não há reflexão.

Outro componente importante para determinar se um filme é feminista é o que se chama de female bonding, camaradagem feminina. Há mulheres no filme (neste caso precisa ter mais de uma) que se unem e se apoiam? Isso é essencial não só porque filmes com homens estão repletos de male bonding, mas também porque um dos mitos que a sociedade machista espalha é que mulheres não podem ser amigas, que mulheres são competitivas, prontas pra esfaquear outra pelas costas. Thelma e Louise é um exemplo perfeito de camaradagem feminina, e Revolução em Dagenham também. Claro, não vale se unir pra papear sobre o que o mundo espera de nós (vaidade, fihos, culinária), senão toda comédia romântica seria feminista, o que certamente não é. Tem que ser sobre algum assunto mais substancial. Se bem que a história pode partir de mulheres que se juntam para falar de temas triviais e, a partir deles, formam uma camaradagem mais cosciente e transformadora. Estou pensando em Colcha de Retalhos e Tomates Verdes Fritos.

Ajuda a ser feminista se o filme tiver uma personagem feminina forte que tenha função ativa na trama. Ou seja, a personagem não está lá apenas para despertar a ira do protagonista homem (no caso de Irreversível), ou apenas para ser protegida pelo homem (no caso de praticamente todos os fimes de superherói, em que as mocinhas só fazem gritar), ou só para despertar o desejo sexual do homem, ou para demonstrar que o protagonista, apesar de andar cercado de homens, é muito macho e gosta é de mulher (todos os filmes de ação parecem precisar expor essa “prova de macheza”).

Pra mim, muitos filmes do Tarantino são feministas. Cães de Aluguel não (não tem nenhuma mulher), Pulp Fiction não (a personagem da Uma Thurman é fascinante, mas ela é a mulher do chefão, e pronto; a Maria Medeiros como namorada do boxeador Bruce Willis é submissa e tolinha; a taxista podia ser homem que não faria diferença; a mulher do traficante é divertida, mas não faz nada). No entanto, Jackie Brown é decididamente feminista, sobre uma mulher forte (e ainda por cima negra, bem pouco comum) sobrevivendo como pode num mundo de homens. Kill Bill traz a Uma kicking ass e derrotando sozinha 80 guerreiros. Suas adversárias mais difíceis são todas mulheres. Ela quer se vingar de Bill, seu ex-chefe e ex-amante, que por machismo não deixa que ela siga uma nova vida, longe do crime. Até o fato de Uma estar disposta a largar sua profissão pra virar mãe em tempo integral já é feminista. Sobre À Prova de Morte, não gosto da primeira parte no bar, mas a segunda, com todas aquelas dublês mulheres, é incrível. Bastardos Inglórios tem duas mulheres centrais num filme de guerra, o que não é usual. A atriz infiltrada não faz muita coisa, mas ela tem mais controle da situação que os homens a seu redor. E o plano de se infiltrar na sessão nazista é dela. Já Shoshanna é praticamente a protagonista de Bastardos. É a sobrevivente, a que quer vingança, e a que sucede em incendiar um cinema cheio de nazistas. Tem como dizer que Shoshanna não seja uma personagem feminista? A discussão complica se a gente se perguntar se ter uma personagem feminista faz o filme ser feminista. No caso de Bastardos, faz.

214 comentários:

«Mais antigas   ‹Antigas   201 – 214 de 214
Anônimo disse...

'O trabalho que ela faz nessa área é bem auto explicativo'
N to falando do trabalho, to falando dessa critica em particular

'Ela criticou o que a mídia considera como filme "para homem" e "para mulher", '

vamos ver o q ela disse:
'hollyood, vc precisa superar essa noção simplista de que garotas sexy fazendo coisas de homem '

Isso aí n é esculhambar estereotipo nada, essa crítica aí é bem clara que tem coisas de menino e de menina, e o problema é que a personagem principal ta fazendo coisas de menino.
Se fosse critica ao estereotipo mesmo ela nem falava disso,porque tipo, mulher na guerra, mulher brigando, qual o problema? nem se incomodaria.
Ou só se incomodasse com a roupa da mulher lá, o que n foi o caso, mas que tb ia ser outra contradição, pq até mesmo como por umas aqui já falaram, então a mulher n pode ser livre pra gostar dese vestir de puta se quiser?

Anônimo disse...

Aliais, tanto que a marcha das sluts, tão defendida por vcs, é justamente isso.

Liana hc disse...

rsrs crow.. a trollagem está no seu sangue, não sei como é que você se aguenta

se você não se incomodar e voltar lá, vai ver que a frase ficou entre aspas na transcrição tal como ela gesticulou no vídeo e ela disse em tom de deboche. tá óbvio que aquela não é a visão dela sobre o assunto, ela pontuou a visão corrente da mídia e do meio cultural. precisa desenhar?

Anônimo disse...

Não foi só aí q ela disse, dois segundos depois:
'blablabla...pegar mulher gostosa e enfiar no molde de heroi de filme de ação n faz uma personagem feminina forte'

se kill bill n é filme d ação n sei mais o que é

Liana hc disse...

'pegar mulher gostosa e enfiar no molde de heroi de filme de ação n faz uma personagem feminina forte'

ou seja, ela está mais uma vez debochando do estereótipo: "gostosa", "filmes de ação", "molde", "herói". tudo isso é uma receita de bolo num enredo machista. e para ilustrar ainda mais o fato de que ela se referia aos estereótipos, ela coloca foto do tal típico molde do herói de ação masculino (o sujeito de "duro de matar", rambo, indiana jones).

Kill Bill. o problema não é ser filme de ação, isso não tem nada a ver. é o reforço, ou não, de estereótipos sexistas largamente explorados na maioria dos filmes. o que diferencia aqui é justamente o enredo, muito melhor construído, que apesar de se valer de lutas e coreografias, conta o ponto de vista feminino da coisa toda. a personagem feminina tem suas questões abordadas de uma maneira que não se vê em filmes tipicamente "masculinos" (se liga nas aspas crow), repensa seu papel e vai em busca do que é melhor para ela. aquela coisa medonha, Sucker Punch, é ridiculamente sexualizado, não faltaria muito para virar uma produção pornô, e o "enredo" é pífio, só utilizaram a palavra "feminismo" para enganar os mais desatentos. Kill Bill tem sensualidade, sem cair na completa vulgaridade e na estimulação visual pornô para punheteiro.

tem alguns filmes chineses e japoneses mais ou menos nessa linha de luta e que também não achei necessariamente feministas, mas que construíram razoavelmente bem as personagens femininas. elas ganharam nuances mais variadas do que de costume. isso se aplica a Kill Bill, mas passa milhas de distância de Sucker Punch.

Sara disse...

Poxa vida tinha esquecido da XENA, rrssssss, mais feminista que ela não tem, se ela existisse ia ser o terror dos mascus.
Alem do mais ela preenche todos os requisitos que a Lola alistou.

yulia disse...

pode cre, também nunca vi nada mais feminista que a xena.

Fernanda Maria disse...

Lola nem sei se vc vai conseguir ler esse comentário, já que são muitos. Mas espero que veja, porque acho esse assunto muito pertinente. Ha é meio off topic, já que não tem realçao direta com esse post. Mas também é sobre um filme. O tal que falo é Confiar (Trust) lançado nesse ano e dirigido por David Schwimmer ( O Ross de Friends). O filme conta a história de uma garota de 13 anos que conhece um cara na internet. No começo ela acha que ele é um adolesnte como ela, mas quando o encontra descobre que na verdade ele é um adulto. O cara de 40 anos. Logo no começo esse caro a estupra. Mas o fato de ela ir consientimente ao hotel onde ele está e vestir uma lengerie agrava o caso. Mesmo ela tendo dito "não" algumas pessoas acham que não se trata de um estupro. Ela mesma tem dificuldade pra aceitar isso. O estranho é que vi muitos comentários insultando a personagem da menina por sua ingênuidade. Mesmo ela tendo acabado de entrar na adolescencia. Enquanto poucas pessoas criticam o cara de 40 anos e seduziu ela. Enfim, o filme é polêmico.

alice disse...

alguém aí conhece o femina? festival de cinema feminista... parece interessante https://www.facebook.com/permalink.php?story_fbid=235703979819511&id=123802987642215

Liana hc disse...

Fernanda Amylice, esse tipo de comportamento que critica a menina, enquanto praticamente não se fala do marmanjo que a estuprou é também uma tática para punir a liberdade feminina. É mesmo quando falam de mulheres que são estupradas, por ex, à noite quando saem da faculdade ou no trabalho dela. É como dizer "Se você quer sair de casa, estudar, trabalhar, namorar, você pode, mas é isso que vai acontecer com você". É uma maneira de aterrorizar e manter mulheres sob pressão e de quebra, se sentindo culpadas pela agressão que sofreram.

O estupro ainda vai virar anedota para "educar" outras meninas. Quantas mulheres adultas têm mais medo de serem estupradas do que de serem assaltadas ou mesmo assassinadas? Homem só se preocupa com isso quando vai preso.

E isso funciona. Quase toda mulher (homem também) que passa por agressões sexuais sente que foi responsável por isto. Os "benefícios" são muitos: homens recebem "passe livre" para estuprarem qualquer uma que saia da linha, ela não denuncia, a sociedade ou se cala ou apóia pelo menos em parte o agressor, poucos são os casos punidos, quem carrega o estigma quase sempre é a própria vítima, a cultura e a mídia ratificam estes valores o tempo todo e por aí vai.

Isso é particularmente verdade com meninas pré-adolescentes, fase em que a sexualidade delas está desabrochando, são imaturas, altamente influenciáveis e é portanto fase perfeita para esses abusos. Não é a toa que as sociedades machistas têm fixação com pedofilia e mulheres bem jovens. São alvos fáceis. Com muito custo isto tem começado a mudar.

Aoi Ito disse...

Eu acho, Crowley, que o que ela quis dizer foi que essas personagens são basicamente personagens masculinos, com sexo trocado e roupas sexy. Há diferenças na criação social do homem e da mulher, então dificilmente uma mulher na vida real seria um homem com o sexo trocado mais estereótipos femininos. Essas personagens ignoram a realidade feminina e a própria construção de personagem básica para fazer uma personagem 3D.

Há uma diferença entre criticar personagens fictícias e mulheres reais na questão de roupa. A mídia é controlada por homens e claro que eles vão querer eyecandy pra eles, né? Por isso 90% dos homens na mídia são bem-vestidos (No quesito que cobre o corpo quase todo, dependendo do clima do lugar) e 90% das mulheres têm ao menos alguma coisa atraente pra homens (pouca roupa, peitões, corpão, etc), o que cria um exército de personagens femininas copypaste. E também, vamos combinar. Ao contrário do que as feministas de tumblr dizem, criticar uma personagem com pouca roupa não é envergonhar as "vadias". O Lord Anderson deve saber do que digo - Quando a Amy Pond de Doctor Who vai pra uma aventura de minissaia e botão de salto, eu tenho todo o direito de criticar a personagem por usar roupas nonsense para a situação, por mais que ela "queira", seja "escolha dela", etc. É mais fácil lutar e correr de calças e tênis, fato, mas todo mundo ignora, bota minissaia e bota e se a gente reclama disso vem crítica de ambos os lados, ambas curiosamente parecidas, porque estamos oprimindo a ~escolha~ da pobre personagem de se vestir para o público masculino em uma roupa irreal de forma completamente sexualizada.

Aliás, fica aí minha crítica. "Escolha" virou o ato supremo, o passe livre pra tudo, até para agir de acordo com moldes patriarcais e quem critica é anti-escolha e anti-feminista. Ué, se a Starfire quer trepar com todo mundo, não é a escolha dela? É outra encarnação da personagem, então pode! Se a Amy Pond quer usar botão e minissaia pra correr, mesmo depois de ter visto que as aventuras que ela vai com o Doctor envolvem correria e muita atividade física, bem, é a ESCOLHA dela, e se você criticar a escolha de roupa você está criticando vadias e isso é ruim e anti-feminista. Se a Tifa de FF7 quer usar uma minissaia pra bater e chutar, é a ESCOLHA dela, e aparentemente não tem nada de machista em botar personagens femininas em roupinhas reveladoras e personagens masculinos em roupas modestas, porque é a ESCOLHA de todo mundo. Se as magas de World of Warcraft usam biquinis de metal e os magos usam sempre robes e túnicas dignos, é a ESCOLHA delas, putz...

Parou, né? Na minha época uma personagem sexualizada era criticada por ser feita para a visão masculina; agora o que eu vejo nos Tumblrs da vida é que ela é glorificada porque a hipersexualização dela é na verdade uma prova que ela é independente, forte, poderosa, e que isso é na verdade a ESCOLHA dela. Nada de errado com ESCOLHAS, só que quando todas as personagens sexualizadas forem assim por causa de ESCOLHA nada vai mudar e vamos continuar no mesmo marasmo de sempre.

Cerize disse...

Ontem assisti o filme mais feminista que já assisti na vida: "The Whistleblower". É sobre a história real de uma policial que decide denunciar o envolvimento da ONU em casos de tráfico de mulheres na Bósnia. É feminista do começo ao fim, eu não poderia recomendar mais.

RIcardo disse...

O Tarantino fez muita coisa melhor que Bastardos Inglórios.

Edson disse...

O Filme Meninamá.com (Hard Candy)é bastante feminista tbm. Tenho certeza de quem é feminista e não assistiu vai gostar bastante do filme. Eu adoro e considero a atuação da Ellen Page perfeita!

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