domingo, 31 de janeiro de 2010

EU, OS GATOS E UMA CASA PRA CHAMAR DE MINHA

Oi, gente ótima! Como vocês vem cobrando notícias de Fortaleza, vamos lá. Mas não reparem, que estou usando o computador da Iolanda, que é diferente do meu, e não sei onde ficam os acentos e tal. Então, Iolanda e Antonia, sua mãe, esses são os nomes das minhas santas protetoras por aqui. Estou na casa delas desde que cheguei aqui na terça (uma viagem tumultuada. Dica: não confiem nas reservas das empresas aéreas. Se o programa delas colocar vocês numa escala sem no mínimo uma hora de diferença, não aceitem. Porque na hora H elas vão notar o erro – quando já é tarde demais – e mandarão vocês num outro voo, que vai levar muito mais horas. Falo por experiência própria). Iolanda e Antonia sentem-se mal, achando-se péssimas hospedeiras, já que estou numa casa com 45 gatos. Mas quem se sente mal sou eu, que desalojei Iolanda de seu quarto e estou acabando com toda a garrafa de 20 litros de água da família. É muita folga, eu sei. Estou no paraíso. Esses gatos todos são lindos demais. Não dormem todos os 45 comigo, só uns seis ou nove que ficam no quarto. E o quarto é enorme; apenas uns três ou quatro gatos por noite dividem a cama comigo. Como sou completamente fissurada por gatos (e cães – elas têm dois, mas esses são fiéis e não dormem com qualquer um), não é sacrifício nenhum ficar com eles. Se aqui tivesse um ventilador e um trequinho elétrico pra afastar mosquitos (que me amam mais do que os gatos), eu não sairia mais daqui. Sem falar que pessoas como Iolanda – que recolhem animais abandonados, gastam todo seu salário neles, vivem pra eles – são minhas heroínas. Já venho planejando falar mais de ativismo em defesa dos animais faz tempo no blog, mas agora vou pegar firme mesmo. Aguardem.
Outros anjos da guarda aqui vem sendo a Manu e o Caio, que, além de me buscarem no aeroporto quando cheguei, ontem me levaram a mil e uma lojas para que eu comprasse uma geladeira e material de limpeza. E mediram portões pra mim e mais um monte de coisas. Só posso dizer que minha mãe vai ter que fazer vários almoços de agradecimento quando chegar (ela e o maridão chegam na quarta de madrugada).
Mais um anjo, esse com interesses comerciais, mas mesmo assim, muito leal e correto, e que me ajudou bastante, tem sido o Roberto, o corretor de imóveis com quem venho mantendo contato (por email) desde setembro. Não vou me prolongar aqui, porque daria um livro. Vi várias casas nesses últimos dias. A mais interessante pra alugar parecia ser uma que fica próxima ao Shopping Benfica (perto da UFC), mas quando chegamos lá descobrimos que ela não tinha os 90 m2 prometidos. Acho que não tinha nem 60 (valor do aluguel: 600). Decidi que nossa tralha não caberia naquele espacinho.
Quando Roberto me levou a uma das maiores imobiliárias de Fortaleza, a Mega, uma especializada em aluguel, notei como eu havia sido ingênua. Pensei que seria só chegar e alugar um imóvel, ueba. Nada disso. Seguinte: eu não posso alugar um imóvel. Simples assim. Não importa ter dinheiro suficiente no banco pra comprar uma casa, contratar seguro bancário, se oferecer pra pagar seis aluguéis adiantados. Se não tenho comprovante de renda, a imobiliária nem vai cogitar alugar algo pra mim. E é lógico que não tenho comprovação de renda, né? Afinal, estou mais ou menos sem renda desde junho, e ainda não fui contratada pela UFC! Só poderia alugar um imóvel se alguém o alugasse pra mim no seu nome. Triste! Além do mais, a multa contratual para quem deixa um imóvel após seis meses é altíssima (e minha ideia sempre foi comprar uma casa até no máximo seis meses depois de vender a nossa em Joinville). A Mega fez uma simulação de quanto seria a multa pra um aluguel de 700 reais. Os contratos são todos de 30 meses. Seria algo como R$ 2,800, dá pra acreditar? Mas não importa, porque eu não poderia alugar um imóvel nem que quisesse. Talvez alugar diretamente do proprietário seja diferente. A questão é que proprietários de imóveis maiores, localizados em bairros mais nobres, passam o trabalho pra imobiliárias. Outra saída seria alugar por temporada. Mas o que tem pra alugar por temporada é casa na praia, não perto da UFC, e mansões que custam mais de 100 reais a diária. Sem falar que não encontrei absolutamente nenhuma oferta de aluguel por temporada nos classificados dos dois jornais que comprei.
A situação estava começando a ficar desesperadora, quando Roberto teve uma idéia: falar com o Junior, o dono de uma casa que eu havia visto no dia anterior. Já falei desta casa aqui. Ela fica no Benfica, a 700 m da UFC, tem uma suíte e dois quartos, e uma sala enorme, que poderia ser transformada numa outra suíte no pavimento inferior. E uma varanda grande em cima que poderia virar uma cozinha. Sempre foi uma das minhas casas favoritas, a única, inclusive, que comecei a fazer projetos de reforma. Mas olhando ao vivo, ela pareceu um pouco menor que nas fotos, porque não tem laterais. E também, de forma alguma que eu iria comprar uma casa tão rápido, sem antes ver todas as outras e, principalmente, sem saber se tenho emprego na UFC ou não.
Eu e Junior negociamos o valor. Ele queria 190 mil, eu disse que 170 era meu limite. Fechamos por 175. Quer dizer, eu não comprei a casa ainda, não exatamente. Assinei um contrato de intenção de compra, e dei 10 mil reais de sinal. A gente se muda já e tem um mês (até dia primeiro de março) pra decidir. Se gostar da casa, paga o restante, 165 mil. Se não gostar, ou se encontrar alguma melhor, sai – e eles ficam com 15%, ou R$ 1,500, de multa (ou seja, me devolvem 8,500). Pareceu-me a melhor solução (pra não dizer a única). E também, gostei do Junior. Sei que sou uma Polyanna, mas prefiro achar que todo mundo é ético e honesto como eu. E que tudo vai dar certo.
No quesito localização, a casa é imbatível. No quesito conservação, idem. E a reforma que ela precisa pra se adaptar as minhas necessidades parece ser mais rápida, indolor e barata do que eu teria que fazer em outras. Mas a casa não é muito grande, e o quintal é minúsculo. Daria pra fazer lá um pequeno jardim, e só. O fato de não ter laterais traz vantagens e desvantagens. As desvantagens são que a circulação de ar sofre, e que não haveria entrada independente pra minha mãe. As vantagens? Que é uma casa segura, tanto no que se refere ao gatinho Calvin não poder sair, quanto a ladrões não poderem entrar. Só dá pra entrar pela frente. A porta da cozinha, que dá pro quintal, pode ficar aberta. Mas vamos ver o que maridão, mãe e gatos acham, e visitar mais casas. O que não dá é ficar pensando em Joinville. Aqui em Fortaleza é outra realidade: os terrenos são pequenos, difícil encontrar quintal, quanto mais jardim, e é tudo hiper fechado e protegido. Precisamos nos adaptar.
Amanhã religam a luz e a água. Tenho que colocar tela no portão da garagem e na varanda de cima, pro Calvin não pensar em fugir. Ainda não sei quando vem a mudança. O maridão falou com a transportadora na quinta, e o caminhão estava na Bahia. Espero que até terça ou quarta eles cheguem. Parece que agora a casa está limpa (não estava quando a vi, e casa vazia fica imunda).
E sexta passei na reitoria da UFC, e o RH me disse pra voltar na segunda, porque talvez eles tenham boas notícias pra me dar. Tomara.
É assim que tá a situação por enquanto. Meio caótica e indefinida, mas se ajeitando. E pelo menos tenho a companhia de 45 gatos. Deve ser um número equivalente ao de virgens que prometem aos homens-bomba antes de se explodirem em nome de uma causa maior.
P.S.: O post vai sem fotos, porque não sei como incluir fotos em computador que não seja o meu.
P.S.2: Leio os comentários todos os dias, só não tenho tempo pra responder. Torço para que os trolls não invadam o bloguinho!

OS QUEIJOS ÁRABES QUE NUNCA FIZ

Gente, essas são as últimas receitas do nosso curso de fabricação de queijos caseiros, que fizemos no século passado. Pelo nome, suponho que todos esses três queijos devem ser árabes. Eu nunca tentei fazê-los, não que eu me lembre, pelo menos. Naquela época, eu tinha acabado de descobrir o que era o condimento sírio zahtar, mas foi em outro curso, num de salgadinhos (acho que o condimento ia nas esfihas de carne, só pode). Bom, se vocês conhecem esses queijos, ou se tentarem fazê-los e ficarem bons, me avisem.

QUEIJO TIPO CHANCLICH

Ingredientes:
2 litros de leite (tipo C, em saquinho)
2 colheres de sopa de vinagre branco (1 colher para cada litro de leite)
Pimenta vermelha, sal, coloral, zahtar (condimento sírio)

Material:
1 vasilha para deixar coagulando
1 fralda de pano (bem permeável)

Preparo:
Despejar o leite na vasilha
Acrescentar duas colheres de sopa de vinagre branco
Deixar coagular por mais ou menos 2 dias fora da geladeira
Por a qualhada sobre a fralda (dentro de uma vasilha grande)
Deixe escorrer o soro, e torça a fralda para acelerar o processo
Deixe a vasilha com o queijo e a fralda na geladeira por um dia após jogar fora o soro.
Retire da geladeira e faça bolos com o queijo, mais o sal e a pimenta, e passe-o no zahtar.
Deixe na geladeira.

QUEIJO LEBEN

Igual ao anterior até tirar a massa da geladeira.
Juntar o sal à massa.
Preparar um vidro de conserva com óleo de milho ou girassol, mais uma colher de sopa de azeite OU 5 azeitonas.
Fazer bolinhas com a massa, colocando-as dentro do vidro.
Guardar e comer como aperitivo.

QUEIJO TIPO BOURSIN

Preparo igual ao anterior até tirar a massa da geladeira
Modele a massa na mão ou em forminhas.
Passe a massa em um condimento (pimenta do reino, salsa desidratada, alecrim etc), cobrindo todo o queijo.
Embrulhe em papel celofane transparente, e deixe na geladeira.
Observação: A durabilidade desse queijo é de aproximadamente uma semana.

sábado, 30 de janeiro de 2010

TRÊS DÚVIDAS SINCERAS SOBRE A DIREITA

1) Existe direita no Brasil que não seja anti-PT?
2) A direita brasileira tem alguma proposta ou todo o seu conteúdo se baseia em ser anti-PT?
3) Se os ideais que a direita defende são assim tão nobres, por que o pessoal de direita tem vergonha de admitir que é de direita?

Juro: eu só queria entender.

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

DANÇA COM AVATAR

Dança e Avatar, dois filmes que rasgam a bandeira americana.

Comprei o dvd de Dança com Lobos faz um tempão. Era daqueles que vinham com uma revista e deve ter custado R$ 9,90. Mas estava fechado, nunca o abri. Eu só havia visto o filme de 1990 uma vez, quase vinte anos atrás, e nem foi no cinema. Este é um dos filmes que lembro bem de ter visto na casa do maridão, quando ele era apenas meu namoradinho e morava em Osasco. Lembro porque chorei muito, muito (o outro que lembro bem foi O Cozinheiro, o Ladrão, sua Mulher e o Amante. Acho que naquela época eu era mais aventureira com o cinema). Bom, decidi rever Dança por conta das comparações que andam fazendo entre o vencedor de sete Oscars e Avatar (vencedor do Globo de Ouro e favorito ao Oscar 2010). E, sinceramente, acho essas comparações um tanto forçadas.
Dança tem seu próprio ritmo, e é um ritmo, digamos, poético (que alguns preferem chamar de lento e arrastado). Você consegue imaginar Avatar com uma carroça sendo vagarosamente puxada por mulas com um por de sol por trás? Ok, esqueça a carroça. Mas um Na'vi voando num daqueles bichos alados com longas cenas de por de sol, tudo bem devagarinho? Dança tá cheio de cenas assim. Sem nunca ser chato.
Dança começa com John Dunbar, um soldado na Guerra da Secessão em 1865, prestes a perder sua perna gangrenada. É uma cena terrível: enquanto passam os créditos, a gente vê o Kevin Costner colocando a bota sangrenta de volta na sua perna, para poder sair dali (como Jake Sully fica paralítico em Avatar? Eles contam?). Tudo que ele vê são homens desesperados, sem esperança, perdidos, que não têm a menor ideia de por que estão lutando. John pega um cavalo e cavalga pro lado inimigo. Todos atiram nele, ninguém acerta. Ele abre os braços, pronto para o suicídio (eu sempre fico pensando: o que o pobre cavalinho tem a ver com isso? Até parece que ele quer estar lá!). Mas seus aliados atacam os soldados distraídos, e John se salva, salva a perna, e é promovido a tenente. Ele pode escolher o posto que quiser... e escolhe um lugar bem no oeste, na última fronteira. E aí começa um dos grandes faroestes americanos, o melhor dos anos 90 junto com Imperdoáveis.
O personagem de John Dunbar é fascinante por ser um carinha curioso e observador. Ele mantem um diário e, quando vê um índio pela primeira vez, escreve “O homem tinha uma aparência fabulosa”. E é compreensível que ele diga isso do Graham Greene, que rouba todas as cenas. Quando John vê um lobo nas redondezas do seu “posto”, seu primeiro instinto é atirar nele. Mas aí abaixa a arma e, pouco a pouco, vai criando amizade com o lobinho. John não é um herói. Até a primeira metade do filme, ele cai por qualquer motivo, não sabe pelo que está aguardando, não tem a menor ideia do que espera da vida. Só sabe que gostou daquele lugar. E que quer tentar fazer contato com os Sioux.
A primeira cena em que eu chorei muito é uma que até pode ser cômica, mas eu não quis nem saber. John começa a receber a visita de índios. A comunicação é péssima, pois ele não fala uma palavra de Sioux e os índios, nem uma palavra de inglês. O primeiro vocábulo que ambos aprendem é búfalo, tatanka (eu adoro o som da palavra e passei a chamar o maridão de tatankudo). É emblemático que a primeira palavra seja logo pra descrever algo em extinção. Os índios aparecem mais vezes, ele lhes dá açúcar e café, eles trazem uma pele de búfalo. E, desde o começo, ficam uns cinco índios pra trás, montados em seus cavalos, observando a conversa frustrada de longe. E John sempre faz um sinal de “Olá” pra eles. Até que, numa das visitas mais adiante, ele faz seu sinal de “Olá”, e um índio faz o sinal de volta. Os outros índios olham pra ele com cara de “what the duck?”, sabe? Mas eu achei comovente.
Se não fosse uma mulher branca que teve sua família massacrada por índios quando era criança e cresceu com eles, a comunicação entre John e os índios nunca avançaria. Mas ela serve de intérprete e de professora. Ela é viúva. Depois de algum tempo se apaixona por John (e o Kevin tá bonitão em Dança. Por que o pessoal o odeia tanto? É por causa da Madonna? Lembro de Na Cama com Madonna, em que ela cruza com o Kevin e, assim que lhe dá as costas, faz um gesto que está vomitando. Nunca entendi essa agressão gratuita. Mas até parece que Madonna é um modelo de comportamento naquele documentário).
Um monte de coisa acontece, e o clímax da choradeira é sem dúvida quando soldados malvados matam o lobinho do John. Acho impossível alguém não chorar nesse momento. É como se fosse o assassinato da mãe do Bambi pra nossa geração. Só sei que o maridão intuiu que a cena tava chegando e foi embora, porque sabia que não iria resistir (e não pensem que eu gosto de ficar com a visão turva pelas próximas cinco horas). Eu fico pensando como os facínoras que gostam de caçar reagem à essa cena.
Mas, tirando a mensagem altamente ecológica de Dança, e o fato de um homem branco querer tornar-se um nativo, não vejo tantas conexões com Avatar. John Dunbar não é herói. Ele até ajuda a defender os Sioux de uma outra tribo que os atacam, e fala pra eles sobre uma trilha de búfalos, mas são os índios que precisam salvá-lo dos homens brancos. Ele definitivamente não salva ninguém: treze anos depois do final da história, sem terra e sem búfalos, os índios se renderam aos brancos. Já não tinham como sobreviver. E a transformação de John em índio é lenta e gradual. Leva quase o filme inteiro, e não é que ele aprende a caçar ou a usar arco e flexa. Ele não vira um guerreiro, vira um índio pacífico, que abandona o inglês e seus costumes de homem branco. É diferente de Avatar, em que Jake só consegue entrar naquele mundo com seu avatar de homem azul de 3 metros de altura. E é uma fêmea que o salva (em Dança é o contrário, ele é que salva uma mulher).
A mulher que faz par romântico com o protagonista em Dança não lhe ensina nada além da língua. Bom, esse é um item de primeira necessidade no filme, mas compare com tudo que a guerreira Na'vi ensina pro Jake em Avatar: não só a língua, mas, bem, tudo. Dança não tem absolutamente nada de feminista. Mostra o mundo bem patriarcal dos Sioux, em que só homens participam dos conselhos pra determinar o destino da tribo, e onde “mulheres e crianças” aparecem sempre na mesma frase.
Tanto Avatar quanto Dança são belos filmes, sem dúvida. Ambos são filmes de esquerda feitos por liberais americanos, e ambos contem uma grande dose de white guilt (a culpa do homem branco por cometer as barbaridades que comete). Mas enquanto um é uma fantasia futurista em que os nativos vencem, o outro é um faroeste épico em que os nativos nunca tiveram chance. Com ou sem um homem branco pra ajudá-los.

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

GUEST POST: A HOMOFOBIA COMO BANDEIRA EVANGÉLICA

Evangélico protesta contra a lei da criminalização da homofobia.

A Valéria, professora de História, feminista, e especialista em mangás, fez uma contribuição valiosa ao meu post sobre homofobia nas igrejas evangélicas. Seu comentário foi tão esclarecedor que pedi autorização para transformá-lo em guest post. Ela deu uma mexida no texto, e aqui está.

O post “Igrejas dependem da homofobia pra sobreviver?" é meio antigo, e não o comentei de imediato. Sabe como é, eu até poderia ficar tentando discutir a questão da generalização, de colocações preconceituosas contra os evangélicos, etc. e tal, com aquele papo de “veja bem, Lola, eu sou protestante/evangélica e não sou assim” ou que “homofobia é um mal que assola todos os grupos”, só que nada disso vem ao caso, pois o texto tocou no ponto fundamental: os diversos grupos evangélicos assumiram para si a bandeira do combate aos gays e ponto final. E é engraçado como toda a diversidade e as divergências doutrinárias desaparecem quando se trata de expressar a homofobia e cercear o exercício da cidadania plena por parte dos homossexuais.
Enfim, voltei do Rio no sábado. Sempre passo as férias longas com a família, já que sou uma exilada em Brasília, e algo que comprovei empiricamente é a crescente (e insuportável) homofobia entre os evangélicos, e a coisa é proporcional à concentração dos mesmos. Os grupos conservadores religiosos declararam guerra a dois segmentos, os gays e as mulheres. Faz parte de sua agenda política, junto com a negação do aquecimento global, só para citar outro elemento. E aqui no Brasil, ao contrário do que parece ser nos EUA, o ponto de partida destes discursos independe da opção política, de ser de esquerda, centro, direita, do nível educacional e financeiro, ou da cor de pele. A homofobia aglutina e mobiliza as massas.
Aqui no Brasil, protestantes, evangélicos e católicos optaram por uma eficaz “divisão social do trabalho”. Enquanto a Igreja Católica se concentra prioritariamente em entravar as discussões sobre direito de aborto e em minar os direitos das mulheres, as Igrejas Evangélicas disseminam todas as formas possíveis de homofobia e tentam entravar a aprovação do PL122. Há exceções? Claro, mas são EXCEÇÕES, logo, elas não fazem a regra. Há exceções crentes? Há, mas eles e elas (me incluo aí) muitas vezes não têm opção, só podem escolher entre uma igreja mais ou menos homofóbica. Para quem acha que congregar não é importante, ótimo, mas eu não pertenço a este grupo e não acredito em Cristianismo vivido de forma solitária, até porque o serviço ao próximo deveria fazer parte das nossas prioridades. Enfim, é nessas horas que não estar mais morando no Rio me parece muito saudável.
E acreditem, eu achava que aqui em Brasília, onde moro, a coisa estava irritante, que receber e-mails terroristas do tipo “Querem acabar com a família” ou “Boicotem o BBB10 por causa dos gays na casa” já era ruim, mas no Rio está muito, muito, muito pior. Silas Malafaia (joguem o nome dele no Youtube) é a grande voz e se ancora em sua popularidade para unir as várias denominações em uma espécie de cruzada anti-gay. 9 entre 10 piadas são homofóbicas, os gays são ridicularizados e desqualificados moralmente por serem homossexuais.
A coisa é muito violenta mesmo, pois antes do “Jesus te ama!” você já discriminou, ridicularizou, torturou psicologicamente, acusou de conduta criminosa. Por exemplo, associar pedofilia à prática homossexual começou com a Cúpula Católica, mas os evangélicos e protestantes já se apropriaram do discurso. E basta pegar estatísticas para ver que boa parte dos pedófilos são homens, heterossexuais, muitas vezes casados. Às vezes eu sentia vergonha de meus parentes e amigos/as. E olha que eles/as nem estão entre os piores, aliás, bem longe disso, só que repetem em menor ou maior grau as ideias que vêm se tornando hegemônicas dentro do grupo.
E antes que alguém pergunte: sim, no Congresso as bancadas católicas e evangélicas vão se unir e votar juntas. Afinal, como disse um ex-aluno meu, futuro pastor (eu dou aula de História do Cristianismo para futuros pastores), “Roubar todo mundo rouba, mas ser gay é um pecado muito mais sério”. Aqui em Brasília, vocês sabem, há pastores que oram agradecendo a propina. Trata-se do “uma mão lava a outra”, com a conivência, em alguns casos, do Estado que recua para não perder votos em questões de interesse “maior”. Obviamente, rodam primeiro os direitos das mulheres (lésbicas também são mulheres, mas homossexuais – perigosos ou de verdade – são somente os homens, na opinião de muitas pessoas), mas os dos gays vem logo em seguida.
Só para terminar, acredito que essa fixação pela homossexualidade tem raízes profundas no dispositivo da sexualidade que Michel Foucault apresentou e discutiu tão bem no primeiro volume do seu História da Sexualidade. O sexo tornou-se o centro de nossas vidas, motivador de nossas ações, por ele se mata e se morre; enfim, controlar a sexualidade alheia é uma das formas mais poderosas de exercitar o poder. E não lembro em qual post a Lola comentou isso (acho que foi quando falou das acusações de que homens gays assediam heteros): os homossexuais são vistos como seres sexuais. Antes de vê-los como pessoas, o tarado de plantão imagina o que fazem entre quatro paredes. Triste, mas o bordão repetido por uma propaganda famosa (“Sexo é vida!”) ganhou peso de realidade. Nada melhor do que controlar a vida alheia.
Só para terminar, um caso e um ponto. Minha ênfase na homossexualidade masculina é porque o discurso homofóbico prioriza os homens. É humilhante, perigoso e ofensivo em uma sociedade patriarcal ver homens que, pelo menos na opinião machista, optam por “serem mulheres”. A invisibilidade lésbica também advém do fato de lésbicas serem mulheres (preciso explicar?) e da Bíblia, por mais que tentem torcer, não citar ou condenar diretamente práticas homossexuais femininas. Nos textos bíblicos, sexo só é sexo se tiver falo. Se não tiver pênis, não é sexo, logo (e eu já li isso no livro de um rabino) lésbicas não existem. São só mulheres confusas.
O caso é o seguinte. Nas férias passadas, dezembro/2008-janeiro/2009, eu estava abrindo um vídeo de um amigo no Youtube. Ele é gay, cristão, casado e, na época, pai de uma filha (hoje são três menininhas). Era um vídeo de Natal, mostrando uma família americana normal, com toda aquela doçura característica desses vídeos. Meu irmão, o dono do computador, e o mais incomodado da casa com os homossexuais na família (como a histeria é recente, são os jovens e adultos jovens os mais veementes na condenação), parou para ver, achou o vídeo lindo, perfeito, até que percebeu que eram dois pais. Aí pronto! Não havia nada mais para ser apreciado.
Pergunto-me por quanto tempo nos daremos o direito de sermos juízes da sexualidade alheia, cerceadores da cidadania, difamadores; por quanto tempo concentraremos as nossas forças em impedir que outras pessoas sejam felizes. Eu percebo – e lamento – a perda de foco do discurso cristão. Crimes, como roubar, por exemplo, são colocados como coisas menores, dando espaço à uma caça às bruxas que mobiliza, aliena e, sim, provoca a catarse. Eu lembro dos rostos de alguns alunos e já tive até pesadelos. Não estou mentindo. E haveria outros exemplos – o terremoto no Haiti mostrou isso – mas a bandeira principal, aqui no Brasil, é a da homofobia. O amor ao próximo e o acolhimento, esses parecem cada vez mais esquecidos quando se pensa nos gays.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

CRÍTICA: AMOR SEM ESCALAS / É impossível ser feliz sem o George

Nem todas caem no charme do George, né, Anna?

Amor sem Escalas é um filme agridoce, que não é nem hilário nem dramático, nem totalmente cínico ou sentimental. E nisso de não querer se enquadrar ele é bem diferente. Gostei muito. Não creio que gostaria tanto se o papel principal estivesse nas mãos de outro ator que não o George Clooney. Já falei que o George é o nosso Cary Grant atual, né? Ninguém mais tem esse charme. Ele consegue transformar um personagem fácil de ser repulsivo num carinha aprazível. Sério, imaginem outro astro no papel de um panaca sem amigos que vive de despedir pessoas, e me digam se daria pra gostar. Do George a gente gosta.
Amor começa com a vista aérea de várias cidades, e uma música cantando “This is your land”, “essa é a sua terra”, querendo dizer a América. O que é estranho pra gente, que não é americana, ok, vá lá, estadounidense (isso é feio, parece palavrão!), e nem é muito benvinda por lá. Mas não dá pra notar de cara que a música é irônica pros próprios americanos. Amor lida com pessoas sendo expulsas do pedaço de terra que ocupam ― seus cubículos num escritório. Nenhum filme poderia ser mais apropriado pro momento econômico que os EUA passam.
Amor intercala o amadurecimento de seu protagonista com depoimentos de gente que perdeu o emprego. Várias dessas pessoas não estão atuando. É gente de verdade. E não sei o que é mais devastador: alguém com filhos pra criar ficar sem o seu ganha-pão em época de depressão, ou alguém trabalhar demitindo funcionários porque seus chefes são covardes demais pra isso.
É esquisito que um sujeito com esse trabalho seja também um palestrante motivacional. Um dos méritos do filme é que, nas palestras do George, o diretor Jason Reitman (de Obrigado por Fumar e Juno, e filho do diretor Ivan, de Caça-Fantasmas) não faz o que todos os filmes fazem, que é todo mundo aplaudir o sujeito de pé, rir das piadas dele, estar totalmente apaixonado pelo que ele fala (pense num professor num filme e veja se não é assim ― toda aula que o cara dá é a melhor aula de nossas vidas). Aqui não. O pessoal não dá a mínima pro George. Ele é apenas mais um palestrante que os empregados são forçados a assistir.
As palestras de George ensinam como “carregar” o menor peso possível na vida. Sua receita é não se apegar a lugares, coisas, ou pessoas, e não ter relacionamentos duradouros. Ele ensina que não somos cisnes, mas tubarões, e que fotos são pra quem não consegue ter memórias. George viaja uns 320 dias por ano, e adora viajar. Quando um comandante lhe pergunta de onde ele vem, ele só pode responder “daqui mesmo”. O que boa parte de nós odeia (aeroportos, quartos impessoais de hotel, ficar longe da família nos feriados) é justamente o que mais agrada a George. E só porque ele não quer relacionamentos sérios não quer dizer que ele seja um eremita ou anti-sociável. E, vamos admitir, um cara como o George não vai ter problemas em arranjar sexo. Ele só não quer se envolver. Seu único compromisso na vida é colecionar milhas de voo. Não pra usá-las, apenas pra atingir uma meta. Pô, ele nem lê! Não consigo nem imaginar como deve ser voar, passar horas num aeroporto e num quarto de hotel, sem ler.
George aprende bastante com duas mulheres. Uma é uma jovem ambiciosa que desenvolveu um novo sistema pra despedir pessoas ― por video conferência. Ela passa a viajar com ele pra aprender os ossos do ofício. A outra é uma executiva com quem George tem um caso, e que é meio como ele, versão de saias. A primeira é interpretada por Anna Kendrick. Sabem quem é? A que faz a amiga de Bella na escola na série Crepúsculo! Anna está sensacional. A segunda é feita por Vera Farmiga, atriz que tem a carreira que muita gente pede a deus. Ela já foi amante do Leonardo Di Caprio, do Matt Damon (no mesmo filme, Infiltrados), e agora do George. Também arrasa. Ambas foram indicadas a melhor atriz coadjuvante no Globo de Ouro e devem repetir a dose no Oscar. E, se forem indicadas, vão perder, porque é difícil decidir qual está melhor.
Uma das cenas mais bem escritas é quando as duas conversam, e George fica só ouvindo, meio espantado. Outra é uma em que George e Anna demitem o J.K. Simmons (o pai de Juno, diretor do jornal em Homem Aranha, e um dos chefes em Queime Depois de Ler), que abdicou de seu sonho de ser chef pra tomar o caminho corporativo. É gratificante ver personagens com nuances, interpretados por atores de primeira.
Não dá pra negar, no entanto, que o terceiro ato de Amor seja moralista e conservador. George passa a ter dúvidas sobre seu estilo de vida. Ele se cansa de ser sempre o outro, o estepe. E até ele faz uma defesa do casamento. Hmm... Pra mim, o segredo é tempo. Levar a vida que ele leva por alguns meses, ou até anos, parece bem legal. Pra vida inteira, de jeito nenhum. Sim, eu acredito que é impossível ser feliz sozinh@. Ok, claro que também depende com quem você está. A máxima “antes só que mal acompanhado” é igualmente verdadeira. Mas olha só como até esse lugar comum já carrega a ideia que estar só não é bom. E gente, não é. Pode ser por uma fase, não pra sempre. Sei lá, eu pessoalmente não consigo pensar num só lugar que gostaria de ir sem o maridão. Eu vivo melhor com ele. Talvez na Suécia ele tivesse menos utilidade, é verdade. Mas o que George fala é real: quais foram os momentos mais felizes da sua vida até aqui? Geralmente são os que envolvem outras pessoas.
E se o filme fosse ultra conservador mesmo, a executiva (que, vocês vão descobrir no final do filme, faz algo bem condenável ― não vou falar aqui) seria punida pelas suas escolhas. Ela escapa ilesa, ainda bem.
Amor também me fez refletir sobre minha relação com o trabalho. Eu não teria a reação de desespero, medo e raiva de nenhum dos demitidos. Simplesmente porque nunca tive um emprego que me envolvesse emocionalmente. O máximo de tempo que fiquei numa empresa foi numa escola de inglês, primeiro como professora, e logo como coordenadora acadêmica. Eu gostava muito de lá, mas se eu tivesse sido despedida, iria embora numa boa (saí pra fazer mestrado). Ajuda, lógico, não ter filhos pra sustentar. Essa é a vantagem de ser financeiramente independente: se um trabalho está te incomodando, você não tem que aturar. Levanta e vai embora. Mas, de fato, não sou o tipo de pessoa que seria demitida por um profissional em demitir pessoas. Isso é pra cargos mais altos, desses que eu jamais tive a ambição de ocupar.
Voltando a Amor, eu talvez tirasse toda a subtrama do casamento da irmã do George, que ameaça resvalar pro sentimentalismo. Bom, eu deixaria o negócio das fotos, à la anão de Amélie que é fotografado em vários pontos do mundo. Mas mesmo essa parte é importante por um detalhe: depois de todo o esforço que George tem pra fotografar a colagem do casal em diversos locais, ele entrega as fotos à irmã, que manda colocá-las num mural cheio ― sem nem olhar pra elas! Pelo jeito, George não é o único a não se envolver.
Pra finalizar, só queria dizer: George, você vai sempre ter alguém te esperando em Fortaleza!

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

NOVIDADES SOBRE MINHA NOVA VIDA

Oi, gente boa! Hoje cedo viajo pra Fortaleza em definitivo! (quer dizer, no horário que vocês estão lendo isso, eu já estou nos ares). Sinto muito não ter podido me despedir pessoalmente d@s amig@s e leitor@s de Joinville e Floripa, mas esses dias têm sido ridículos, muita, muita coisa pra fazer. Simplesmente não deu tempo. E também, não gosto de despedidas. Essa que é a vantagem de se ter um blog: enquanto eu escrever, não preciso me despedir de ninguém. Sempre estarei aqui... enquanto estiver aqui.
Primeiro, excelentes notícias: vendemos nossa casa em Joinville! Iupiiiii! Claro que teve que ser bem no meu último dia aqui, mas felizmente deu tudo certo. E o melhor é que o comprador foi o irmão de um amigo nosso, então sabemos que a casa que nos acolheu tão bem estará em boas mãos. Vai ser ótimo ir pra Fortaleza sem mais essa preocupação de como ficará uma casa vazia. Além do mais, terei dinheiro pra comprar uma casa à vista por lá. Venho mantendo contato com um excelente corretor de imóveis, e já tenho uma listinha de casas pra ver. Primeiro alugarei uma, por poucos meses, espero. Já expliquei as razões pelas quais comprar é melhor pra gente que alugar (a principal é que precisamos reformar uma casa para dividi-la em duas, uma pra mim e pro maridão, outra pra minha mãe). Meu plano é comprar uma casa, reformá-la, e mudar pra lá até o final do primeiro semestre. Não sei se conseguirei um contrato de aluguel por quatro meses, mas vou procurar.
Hoje passarei o dia todo em aeroportos. O voo vai de Joinville a SP a Brasília e só daí a Fortaleza. Chegando lá, vou ficar uns dias (até alugar a casa) na casa da Iolanda, uma leitora querida que conheci quando estive em Fortaleza em agosto, na ocasião do concurso. A Iolanda tem 45 gatos, e espero que pelo menos uns 10% deles me deem carinho e atenção. Inclusive porque ando carente de gatos, já que meu gatinho Calvin tá meio bravo comigo. Aliás, não só comigo, mas com o mundo. Ele não gostou dos dois dias que o pessoal da mudança remexeu tudo aqui em casa. Fugiu, e só voltou na noite seguinte. Já a Blanche não ligou muito. Ela dormiu no meio da cozinha enquanto os dois grandalhões levavam móveis de um lado pro outro e embalavam coisas. Acho que eles tiveram que se desviar dela pra não esbarrar.
Outra boa notícia é que a mudança chegará em Fortaleza antes do previsto. A transportadora, que é de Belo Horizonte, havia dado um prazo até dia 20/2 (um mês) pra entregar a mobília. Mas os dois carinhas muito gentis que dirigem e carregam o caminhão avisaram que a partir do dia primeiro eles já estarão em Fortaleza. Então tudo que preciso fazer é alugar uma casa até então. Dessa forma, quando maridão, mãe e gatos chegarem (semana que vem), tudo já estará mais ou menos arrumado. Menos stress pro Calvin.
Sobre o carro (nosso Uno Mille 2007), anunciamos, não deu muito certo, apareceram poucos interessados. Um sujeito ofereceu um preço mais baixo, mas achamos por bem mandar o carro pra Fortaleza via cegonheira. Teremos um preju de mais ou menos mil reais nessa brincadeira (a cegonheira custa R$ 1.450), mas imagino que vai valer o conforto de termos um carro muito bom lá em pouco tempo. Na internet encontramos poucos anúncios de carros cearenses, e minha maior preocupação é com a quilometragem. Nosso carro está com 33 mil km. Eu considero que um Uno Mille possa rodar entre 50 e 60 mil km sem causar dor de cabeça com manutenção. Assim, podemos usar nosso carro por mais dois anos antes de trocá-lo.
Como vocês podem ver, só boas notícias. Com uma exceção: estamos nos mudando pra Fortaleza pra fazer o quê mesmo? Ainda não saiu vaga alguma na UFC! Lembram que eles queriam contratar a gente no final de outubro? Estamos no final de janeiro, as aulas começam dia 18 de fevereiro, e nenhuma previsão por enquanto. Eu tenho fé que a vaga sairá, mas bem que gostaria de viajar com isso definido. Enfim, zuzo bem. Se a contratação não acontecer e eu ficar tão desempregada lá quanto estou aqui, colocarei o maridão, minha mãe e meus gatos pra me sustentarem. De um jeito ou de outro, eu estarei bem.