quarta-feira, 26 de novembro de 2008

CLÁSSICOS: O DIA EM QUE A TERRA PAROU / E essa Terra parece que não anda

- Olá, terráqueos estúpidos. Eu vim em missão de paz. Mais ou menos.

Até uns meses atrás, eu nunca tinha visto esse clássico da ficção científica que é O Dia em que a Terra Parou. Quando soube que o filme de 1951 seria refilmado (comento a refilmagem aqui, já cri-critiquei o trailer aqui), decidi vê-lo. Isso foi ainda em Detroit. Não sei se dá pra encontrá-lo nas locadoras ou no YouTube. Espero que sim, porque vale a pena.
A trama é sobre Klaatu, um homem do espaço que pousa sua nave em Washington, deixa um robô mudo a postos, e tenta falar com todos os líderes sobre o futuro da Terra, mas não consegue, porque as nossas Nações Unidas não servem pra nada. Pra manter o costume, a primeira coisa que o exército que ronda a nave faz depois que Klaatu diz “Venho em missão de paz” é abrir fogo contra ele (eu sempre lembro do último papa: “tu vens em missão de paz / bem-vindo! / e abençoa a este povo que te ama / a benção / João de Deus”. Será que o Vaticano viu O Dia?). É legal que Klaatu, interpretado por Michael Rennie, não é nenhum carinha simples e paciente, tipo o protagonista de Muito Além do Jardim. Ele é irônico, fica zangado com as besteiras humanas, e se cansa rápido. Seu ar de superioridade é mais que evidente. Ainda mais quando ele resolve as equações matemáticas do maior cientista do mundo em frações de segundos.
Tem toda uma subtrama com Klaatu se escondendo numa casa de civis, onde ele vai conhecer (não no sentido bíblico) uma viúva e seu filho (pelo jeito, no remake, este trio será composto por Keanu Reeves, Jennifer Connelly, e o filhinho do Will Smith). E, como estamos no auge da Guerra Fria, uma senhora comenta, sem saber que o homem do espaço está sentado à mesa: “Eu nem acho que ele vem do espaço. Ele vem de... vocês sabem”. É, sabemos: do planeta vermelho, a União Soviética. O remake certamente vai ter que atualizar esses itens que nos ameaçam. E o título do filme refere-se a uma das partes menos inspiradas da história. Disposto a exibir seu poder, Klaatu suprime a energia na Terra e tudo pára durante meia hora – todos os meios de transporte, eletricidade, tudo menos hospitais e aviões em movimento.
Embora o mais impressionante do universo é que a direção seja do Robert Wise, o mesmo dos musicais Amor Sublime Amor e A Noviça Rebelde, o filme é bem espetacular, e incrível de tenso, mantendo nosso interesse do começo ao fim. Claro, os efeitos especiais perdem pra equipe que refaz filmes em Rebobine, Por Favor, mas o que tá mais datado nem são os robôs e discos voadores. É o fato de uma nave poder aterrisar em Washington, sem que milhares de aviões, tanques, e bombas do exército americano a aniquilem. Ou que um robô perigoso (que derrete armas e pessoas) possa sair da nave e ficar ao ar livre durante dias, paradão, com dois soldadinhos tomando conta. Ou que Klaatu seja deixado sozinho no hospital (eles trancam a porta, é verdade; ele pula pela janela).
Tem uma cena muito engraçada, se bem que o humor é involuntário. Em fuga, Klaatu diz pra viúva que, se algo acontecer com ele, o robô-guardião vai destruir o mundo. Pra impedi-lo, ela tem que memorizar palavras importantíssimas faladas em extraterrestrês: “Klaatu barada nikto”. Pô, fiquei com pena da mulher na hora: não podia ser algo mais simples como “Klaatu gosta de macarrão”, não? Se dependesse de mim pra decorar essas palavras, bom, digamos que eu não entraria num consórcio novo, se fosse você.
No começo, as intenções de Klaatu até parecem boas. Ele vem de um lugar muito mais evoluído, em que as pessoas vivem 130 anos e têm montes de tecnologia e material indestrutível. Mas aí seu tom começa a endurecer. Ele fala como nós somos imaturos e infantis, brincando de guerra, e que ele não tem paciência com a estupidez. Enquanto estávamos nos matando com aviões e revólveres, tudo bem, eles não interferiam. Problema interno nosso. Mas quando começamos a ter armas nucleares e construir foguetes com essas armas, passamos a ameaçar o universo inteiro. Então ou a gente dá um jeito nisso ou senão... adeus Terra. Quando ele vem com um papo de que uma união dos planetas criou uma política espacial com poderes ilimitados pra cuidar deles e garantir a paz, eu já disse: hmmm... Isso de criar uma força destrutiva pra ter paz é algo tão americano! É muito fácil ver os EUA como o alienígena falando pra paisinhos como o Irã: ou vocês param com essa pouca vergonha, ou a gente varre vocês do mapa. O detalhe é que quem manda pode usar qualquer arma que quiser pra acabar com o paisinho.
Pra mim, o monólogo final é dos mais fascistas. Veja se concorda (minha tradução):

Irei embora logo, e me perdoem por falar tão diretamente. O universo fica menor a cada dia, e a ameaça de agressão de um grupo, em qualquer lugar, não pode mais ser tolerada. Precisa haver segurança para todos, ou ninguém está seguro. Isso não significa abrir mão de alguma liberdade, exceto da liberdade de agir irresponsavelmente. Seus ancestrais sabiam disso quando fizeram leis para governar e contrataram policiais para fazer cumprir essas leis. Nós, nos outros planetas, adotamos esse princípio há tempo. Temos uma organização para a proteção mútua de todos os planetas e para a completa eliminação da agressão. O poder dessa autoridade é, obviamente, a força policial que o suporta. Para nossos policiais, criamos uma raça de robôs. Sua função é patrulhar os planetas em naves como esta e preservar a paz. Em termos de agressão, demos a eles poder absoluto sobre nós. Este poder não pode ser revogado. Ao primeiro sinal de violência, eles agem automaticamente contra o agressor. A penalidade para provocar sua ação é terrível demais para arriscar. O resultado é que vivemos em paz, sem armas ou exércitos, seguros que estamos livres de agressão e guerra. Livres para ir atrás de operações mais lucrativas. Nós não achamos que alcançamos a perfeição, mas temos um sistema, e ele funciona. Vim aqui apresentar esses fatos para vocês. Não é nosso problema como vocês governam este planeta, mas se vocês ameaçarem estender sua violência, sua Terra será reduzida a cinzas. Sua escolha é simples: juntem-se a nós e vivam em paz, ou sigam no seu caminho e serão eliminados. Aguardaremos a sua resposta. A decisão é sua.

Uia! Polícia com poderes ilimitados, patrulhamento, intolerância e ameaças. Sim, sounds familiar. Mas o que entrega tudo mesmo, na minha modesta opinião, é ele falar que sua união de planetas está “livre para ir atrás de operações mais lucrativas”. Eu não inventei isso na tradução! No original é realmente “profitable enterprises”. Pensando bem, talvez o remake de 2008 não tenha que atualizar a trama tanto assim...
Este é o poderoso aparato militar que vigia o robô e a nave.

16 comentários:

Suzana Elvas disse...

Eu adoro esse filme - passou há dias no TCM, um canal ma-ra-vi-lho-so de velharias deliciosas.

Aliás, na esteira desse há zilhões de filmes da mesma época em que, a despeito das atuações carregadíssimas e dos efeitos especiais que ruborizam qualquer guri com um computador, ainda se mantêm atuais nos seus diálogos e situações. Pra gente ver como o ser humano, no fim das coisas, não muda nadinha com o passar das décadas.

Anônimo disse...

Eu AMO o original!!!
Sim, sim, Suzana, no TCM de vez em sempre passam clássicos e eu adoro ficar acomanhando quando a minha filha não está no Discovery Kids e marido assistindo F1 ou corridas... ;)

Eu fiquei curiosa com o remake, mais pelo Keanu do que porque qualquer outro motivo...

Beijins

Tina Lopes disse...

Hmmm. Me deu vontade de rever o Mochileiro das Galáxias. Só pra contrariar.

Giovanni Gouveia disse...

POr um lado essa pol´litica de pax romana dos Republicanos "from USA", por outro a cara de Marte Ataca que os gringos ficaram muito irados, dizendo ser uma "brincadeira de mau gosto"...
Não assisti, mas gosto desses sci fi made in 50's


P.S> Eu ja´tinha assinado o manifesto, e sim, vi muitas assinaturas de mulheres lá...

Giovanni Gouveia disse...

Ah, o remake deveria ter a música de Raulzito na trilha sonora rsrsrsrsrs

Babs disse...

Wow, que filme atual heim? Será poder de vidência do escritor Harry Bates???
E você tem toda razão, a mensagem é bem facista. Facista de um jeito que só os Estados Unidos conseguem ser...
Gostaria de entender a epidemia de remakes. Será que tá faltando criatividade em hollywood?
Bj

aline disse...

Não vi ainda, esse filme. Mas já adorei sua crítica, Lola. E acho que vou concordar que o filme tem tendências facistas e está encharcado do missionismo dos eua, quando assitir.

Anônimo disse...

Lolô, eu nem sabia o que era TCM, é o canal dos clássicos.! Me diga, por quê é que a gente não tem hein?La Mamacita

Anônimo disse...

Lola, vc está em SC, não é? Como está a situação aí na cidade em q você mora? Estou muito triste com todos os problemas que as chuvas já trouxeram para as ppopulaçao. Até escrevi sobre como ajudar em meu blog:
http://ajudaeu.blogsome.com/2008/11/26/situacao-em-santa-catarina/

Desculpe fazer este comentário off topic.

Masegui disse...

Lolinha,

Ainda bem que está tudo ok com vocês. Triste essa tragédia...

Espero que você tenha dado almoço pro companheiro maridão.

Gostei do original e estou doido pra ver o remake... adoro ficção.

lola aronovich disse...

Ai, gente, preciso trabalhar, assim minha tese não anda! Mas vou tentar responder rapidinho:

Su, que legal, é muito gostoso às vezes ver essas velharias! É verdade, tantas vezes a gente muda pra continuar exatamente igual.


Chris, marido e filha ficam ocupando a sua TV, é? Bichinhos de estimação não monopolizam TV! Ah, eu quero ver o remake. Eles vão ter que mudar muita coisa.

lola aronovich disse...

Tina, Mochileiro das Galáxias?! Contrariou legal!


Gio, eu não gostei de Marte Ataca. Não achei graça. E depois do décimo marceano explodindo, cansei mesmo. Essas ficções científicas do anos 50 são legais. Estão muito ligadas à guerra fria e às vezes ao machartismo, mas, ainda assim...
Raulzito na trilha? Já pensou? Eles nunca ouviram falar no Raulzito!

lola aronovich disse...

Babs, remakes sempre foram feitos em Hollywood. Tem filmes dos anos 40 que já eram remakes de filmes dos anos 20 e 30... O Hitchcock não refilmou O Homem que Sabia Demais pouco depois da primeira versão que ele mesmo havia feito? Mas que falta criatividade, ah, isso falta...


Aline, se puder, tente assistir ao Dia em que a Terra Parou antes de ver o remake. Pra depois poder comparar.

lola aronovich disse...

Mãe, por que a gente não tem TCM? Porque não temos TV a cabo? Por quê? Porque somos pobres! Ok, porque é muito caro e a gente vê muito pouca TV?


Samantha, obrigada pela preocupação. Pois é, hoje li o post no Pensar Enlouquece sobre as enchentes de SC e me senti péssima por morar aqui e não falar nisso. Obrigada pela soliariedade no seu blog!

lola aronovich disse...

Mario Sergio, pois é, a gente tá bem. Mas é realmente preocupante, porque essas tragédias tendem a piorar. Esta já foi pior que a de 1983. Uma amiga disse que nunca havia entrado numa universidade onde ela trabalha. Agora entrou...
Claro que o maridão recebeu almoço. Aqui ele é tratado a pão é água. Quero dizer, a pão de ló!

Adriana Riess Karnal disse...

É a primeira vez que venho ao teu blog, muito bacana.Espero que superem logo essa tragédia de SC.
http://languageglasses.blospot.com