sábado, 10 de maio de 2008

A GUERRA SANTA EM TORNO DO ABORTO

Vendo o ótimo documentário Lake of Fire, tive certeza de uma velha suposição minha: que alguém ser pró-vida (contra o aborto) ou pró-escolha (a favor da legalização do aborto) depende demais de como vê a posição da mulher na sociedade. Pra direita-cristã, mulher nasceu pra procriar e pra ser mandada pelo homem. Deus é Pai, sabe? Jamais Mãe. É uma visão absolutamente patriarcal. Claro que esses patriarcas não querem que a mulher tenha autonomia sobre seu corpo – não querem que ela tenha autonomia, ponto. Sobre qualquer coisa. O documentário exibe uma manifestação pró-vida em frente à Casa Branca em que um rapaz conta que seu irmão engravidou a namorada. A família do rapaz fez de tudo pra que a moça não desistisse da gravidez, ofereceu dinheiro, quis adotar o bebê, tudo. Mas a moça, influenciada por suas amigas malignas da faculdade igualmente maligna, fez o aborto. E o pai do bebê, pobrezinho, não pôde fazer nada.

Uma cena dessas já diz tudo. A diferença primordial entre os pró-vida e os pró-escolha é que os primeiros dão ênfase ao bebê, e os segundos, à mãe. A direita cristã ama a mulher que se encaixa nos seus dogmas (boa esposa e procriadora), mas detesta a mulher que faz aborto. Se a direita conseguisse que o aborto retornasse ao seu status ilegal em toda a América, pode apostar que o passo seguinte seria defender a pena de morte pra qualquer mulher que fizesse um aborto. Já um dos símbolos do pessoal pró-escolha é um cabide riscado ao meio, porque antes que o aborto fosse legalizado, milhões de americanas morriam em decorrência de abortos clandestinos. Elas enfiavam um cabide em seus úteros, não necessariamente pra abortar, mas pra provocar sangramento. Os hospitais eram então forçados a praticar o aborto, porque havia risco à vida da mulher. O que elas não sabiam é que morreriam de hemorragia antes de chegar a um hospital. Milhões de mulheres seguem morrendo todos os anos nos estados dos EUA em que o aborto não é legalizado, no Brasil, e em tantos países onde a religião determina o dia a dia dos cidadãos. Não legalizar o aborto não significa que as mulheres vão parar de fazer aborto. Só significa que muitas vão morrer ao tentarem abortar. Ah, e o bebê morre também.

Na realidade, a direita cristã só é pró-vida em relação ao feto. Ela encoraja e treina militantes para matar médicos e enfermeiras que praticam abortos legais e explodir bombas em clínicas de aborto (e em bares gays também). Isso é bastante comum nos EUA. A gente pensa que só existem terroristas islâmicos, mas se esquece dos terroristas cristãos. Essas organizações de direita, que têm infinitamente mais dinheiro (vindo do dízimo dos fiéis) que quaquer organização pró-escolha, costumam comprar as casas ao redor das clínicas de aborto e das residências dos médicos para poder importuná-los em tempo integral. Pra uma mulher conseguir chegar à porta de uma clínica que faz aborto, ela vai precisar passar por um batalhão de gente (paga, que vive disso!) gritando palavras de ordem contra ela e esfregando fotos gráficas de aborto na sua cara. Com sorte, se a mulher conseguir entrar, talvez naquele dia não exploda uma bomba na clínica. Por isso que é tão ridícula a cena em que Juno vai à clínica de aborto e encontra apenas uma manifestante (uma menina da sua turma), que lhe diz que fetos têm unhas. Em que mundo os realizadores de Juno vivem?

A direita cristã está sendo muitíssimo bem sucedida. Há cada vez menos clínicas praticando abortos nos EUA. E não há mais médicos jovens que aprendam a fazer abortos em suas especializações. Logo logo, se continuar nesse ritmo, o aborto vai parar de ser praticado em hospitais nos EUA, ainda que siga sendo legalizado. As mulheres terão de recorrer aos cabides novamente. O pior é que a direita não é a favor de educação sexual nas escolas, de campanhas contraceptivas ou de distribuição de camisinhas. Pelo contrário! Tudo que ela prega é a castidade. Sexo só depois do casamento, como se isso convencesse algum adolescente. Os dados citados num discurso no documentário é que 4 em cada 10 americanas brancas engravidam antes dos 20 anos. Entre as negras, o número sobe para 6,7 em cada 10. E esses são dados dos anos 90 (porque o documentário, apesar de ter sido lançado recentemente, foi filmado há quinze anos). Depois de dois mandatos do Bush dando dinheiro apenas para campanhas de abstinência sexual, esses números devem ter subido ainda mais. E pensar que adolescentes não vão transar é tão ingênuo quanto pensar que não vão abortar.

Pra finalizar, uma provocação de ordem moral: se a direita cristã soubesse que um bebê nasceria homossexual ou viria a se tornar uma feminista rábida como eu (que eles chamam de “feminazi”), ainda assim seria contra o aborto?

15 comentários:

Anônimo disse...

olálola...Ow! Você me deu uma idéia mais clara de como a água corre na terra da liberdade. A direita cristã parece ter se alimentado muito nos últimos tempos do obscurantismo bush, não? Eu entendo as pessoas tomarem posições, mas o que pode impedir uma mulher de abortar... uma lei? Eu não gostaria que minha irmã abortasse por ter sido descuidada com o namorado, por achar que esse não é o momento certa para ter um filho...e ainda, se aproveitar disso para abortar novamente caso se repetisse. Assim ela seria uma cabra e eu agiria mesmo contra. Mas a apoiaria no caso de ter um bebe com problemas, ou se tivesse ficado grávida por ter sido estrupada por um coração negro. Esse é o problema, não consigo ser definitivamente a favor ou contra, como muitas pessoas. Os extremistas são fanaticos religiosos, guiados por homens ainda mais fanaticos. Algumas questões delicadas como essas vejo mais como questões pessoais, mesmo que eu ache errado que a vizinha de 21 anos já tenha feito 3 abortos porque se descuidou com três namorados diferentes, eu não tenho nada com isso, isso é lá com ela, com o seu corpo e com a sua consciência... e com Deus também, se ela for religiosa.

Anônimo disse...

Cheguei aqui pela Nalu, e não consigo parar de ler, amei o seu blog!

Sobre o aborto, fico impressionada como os homens se sentem ofendidos quando não têm a última palavra sobre o corpo da mulher, especialmente quando o assunto é aborto. Eles pensam que a mulher é propriedade deles mesmo, e que a autorização para abortar tem de partir deles, e não estar exclusivamente ligada à vontade delas. Aliás, ai delas de pensarem e tomarem decisões sozinhas, né? Depois ainda falam que feminismo é coisa do passado :-(

Renata disse...

O que eu acho mais absurdo é justamente isso de o governo de Bush financiar as campanhas a favor da abstinência como se fossem iniciativas de saúde pública! Onde está a responsabilidade desses políticos? Não querem dar aulas de educação sexual, não informam as pessoas, não distribuem preservativos ou anticoncepcionais, e ainda promovem a abstinência! São cegos? Estudos mostram que os programas de abstinências só atrasam em alguns meses o início da atividade sexual dos adolescentes, e quando inciam sua vida sexual há [não sei o número ao certo, acho que três] vezes mais chances de o fazerem sem proteção.
Podem falar mal do que quiserem sobre o Brasil, mas pelo menos aqui não tem tanta hipocrisia em relação à saúde pública. Temos campanhas do governo sobre proteção de todos os grupos, além de distribuição gratuita de preservativos. Eles focam em grupos específicos como os gays, [sem preconceitos], mulheres casadas, idosos. E aumentam bastante a distribuição no carnaval, porque todo mundo, hétero ou gay, trepa mais nesses dias. É saúde pública! Não pode ter lugar pra falso moralismo se isso coloca a vida das pessoas em risco! No Carnaval deste ano teve um bispo de Natal [?] que quis tentar impedir a distribuição de camisinhas na região dele, a resposta do Secretário de Saúde do Estado foi que ele não tinha nada que se meter em assuntos de saúde pública. E pronto, acabou-se a discussão!

Ok, me passei...
Um abraço,
Renata.
www.oraculodelesbos.blogspot.com

lola aronovich disse...

Oi, Cavaca, fico feliz de ter ajudado a dar uma idéia mais clara da situação nos EUA. O que me espanta é o poder da direita cristã. Pela lei, o aborto é legal na maior parte dos estados, mas a direita não quer saber. Então em breve, realmente, teremos uma situação única: embora o aborto continue legalizado, não vai poder ser feito por falta de médicos especializados e por causa das ameaças terroristas. Quero dizer, claro que continuará sendo feito, como sempre, mas de uma forma clandestina, que põe em risco a vida da mulher. Não é tanto questão de ser a favor ou contra o aborto, mas de ser a favor ou contra a liberdade de uma mulher. Todo mundo acha aborto uma coisa horrível (inclusive mulheres que fizeram aborto. Essa sua vizinha não deve estar muito orgulhosa do que fez). Não é isso que tá em discussão. Num mundo ideal, todo mundo tomaria medidas pra transar sem engravidar, ninguém engravidaria sem querer, não haveria estupros, então não haveria nenhuma necessidade de aborto (bom, ainda haveria casos de gravidez de risco em que o aborto é necessário pra salvar a vida da mãe). Mas não vivemos num mundo ideal. E muitas mulheres fazem aborto. Nos países em que ele não é legalizado, como o Brasil, muitas mulheres morrem em decorrência desses abortos. Acho que muitos dos homens que são contra a legalização do aborto pensam: "Bem-feito! Tem que morrer mesmo!". Esse pessoal que é contra a legalização do aborto geralmente é a favor da pena de morte...
E por mais que eu ache sua vizinha uma completa idiota por engravidar sem querer e abortar 3 vezes, ela não engravidou sozinha, né? Três namorados diferentes, e NENHUM disse: "Peralá! Vamos usar camisinha pra evitar AIDs e uma possível gravidez!".
Eu lembro quando era adolescente. Nenhum carinha queria usar camisinha. Nenhum sequer sabia como usar camisinha! Eu fincava o pé e dizia: sem camisinha não rola. E isso antes do Rock Hudson morrer de Aids, em 85. Camisinha naquela época era só pra evitar gravidez mesmo. Mas se eu tivesse ido na onda dos meus parceiros sexuais, teria engravidado na adolescência. E talvez tivesse feito aborto.

lola aronovich disse...

Cynthia, que bom que vc chegou ao blog e tá gostando. Apareça sempre!
É isso mesmo. A questão da legalização do aborto anda junto com a questão da autonomia feminina. Como vivemos numa sociedade patriarcal, os homens que fazem as leis não querem que a mulher se sinta dona do seu próprio corpo. Esse é um dos motivos que praticamente toda feminista é a favor da legalização do aborto. O que não quer dizer, óbvio, que se o aborto fosse legalizado no Brasil as mulheres seriam OBRIGADAS a abortar (o pessoal confunde muito isso). Quer dizer que PODERIAM abortar num lugar limpo e seguro, sem correr o risco de morrer. Ninguém realmente quer abortar. É um último recurso mesmo.

lola aronovich disse...

É, Rê, todas as estatísticas comprovam que programas de abstinência sexual não funcionam. Imagina aqui nos EUA, onde tanta gente é religiosa e, por achar que sexo só deve existir dentro do sagrado matrimônio, acha também que os filhos vão se casar virgens... Esse pessoal não vê necessidade de ensinar educação sexual. Acha que, se escolas têm aulas de educação sexual, estão encorajando um teen a transar. Esse é um argumento tão tosco! O/a adolescente tá com os hormônios a mil, recebe montes de estímulos sexuais da mídia, tá louco pra experimentar, tem curiosidade... mas, claro, será a visão de um professor(a) colocando camisinha numa banana que fará esse teen correr pra transar!
Concordo plenamente que no Brasil a saúde pública é tratada melhor, nesse aspecto. Há distribuição de camisinhas (inclusive femininas), há campanhas, e há educação sexual nas escolas. E acho que o brasileiro médio não é tão travado sexualmente quanto o americano médio. Mas alguma coisa dá errado no Brasil também. O pessoal sabe como se engravida, né? Acho que a maior parte dos adolescentes sabe. Mas acha que não vai acontecer com eles. Que gravidez precoce (e Aids) só acontece com os outros. Sinceramente, não sei o que dá pra fazer pra mudar essa situação. Só sei que sigo vendo montes de adolescentes grávidas.
Muito interessante isso que vc conta do secretário da saúde vs o bispo. Todas as religiões têm todo o direito de passar aos fiéis os dogmas de cada igreja. Ótimo, tá todo mundo cansado de saber que o Vaticano condena sexo (só permitido pra fins de procriação, no casamento) e condena métodos anticoncepcionais. Mas o que esses dogmas têm a ver com o Estado? Nada. O Estado precisa governar pra quem não é católico, pra quem é ateu, budista, evangélico, e inclusive pra quem é católico mas não leva a sério os dogmas da Igreja. Pô, é simples: o Estado não se mete com as religiões, e as religiões não se metem com o Estado. Que parte as pessoas não entendem?

Kaká disse...

As histórias de aborto que eu fico sabendo são todas assim: menina de família católica engravida e os pais decidem pelo aborto porque a sociedade não pode saber que sua filhinha engravidou fora do casamento. E claro que são todos contra o aborto.
Curioso que ontem mesmo me contaram uma história dessas e o castigo da mãe para filha (depois de engravidar e abortar) foi que ela só ia poder fazer sexo depois de casada. Essa hipocrisia é que eu acho o fim. Sou capaz de apostar que o numero de pessoas contra a legalização do aborto que fazem aborto é maior do que as pro-choice.
Eu sou super a favor da educação sexual, distribuição de camisinhas, anticoncepcionais nos postos médicos e da legalização do aborto.
E concordo: Estado e Religião, uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa.

Renata disse...

O problema do Brasil é o jeitinho... como em tudo o mais, as pessoas se acham imunes à doenças sexualmente transmissíveis e gravidez não planejada... mas pelo menos sabem o que estão fazendo. Acho muito difícil alguém no Brasil não saber como se prevenir.. se escolhe não o fazer é por irresponsabilidade, ou preguiça, ou sei lá o quê, mas pelo menos a informação está disponível...
For the record, também sou contra aborto pessoalmente, mas sou totalmente a favor da legalização.
Um abraço,
Renata.

lola aronovich disse...

Kaká, muito interessante isso que vc coloca, de achar que as pessoas que fazem aborto muitas vezes são contra a legalização. A gente sabe como funciona o negócio: moças de classe média que precisam abortar não vão morrer fazendo isso. Pagando, elas conseguem um bom médico. Agora, moças pobres precisam recorrer à vizinha. Mas muitas dessas moças de classe média e sua família continuam achando que aborto é horrível (e é mesmo!), e aí entra o preconceito de classe: o Estado precisa proibir que a gentalha faça aborto. Pobre já tem um monte de filho mesmo, etc. E elas ficam chocadas quando ouvem falar como são feitos os abortos clandestinos (com colher, arame, e qualquer coisa que faça o útero sangrar). Ao invés de se conscientizarem que, se o aborto fosse legalizado, as moças pobres poderiam abortar sem correr risco de vida - como elas, de classe média, fizeram - elas continuam achando que estão acima da lei, que merecem um tratamento especial. É triste, mas faz todo o sentido.

lola aronovich disse...

Eu não tenho tanta certeza, Rê. Pode ser o jeitinho, pode ser acreditar que não vai acontecer com eles, mas a gente pensa que o pessoal tem muito mais educação sexual do que realmente tem. Ainda há muitos pais que não falam disso com os filhos (acho que a maioria), e a verdade é que, só porque há educação sexual nas escolas, não quer dizer que ela funciona. Muita gente deve aprender tanto nas aulas de educação sexual quanto aprende nas de inglês... e a gente sabe bem que ninguém sai falando inglês depois de 8 anos de inglês na escola. Ontem mesmo, por exemplo, veio mais um google search pro blog, referente à sexualidade. A pergunta era: "em que dia da semana a mulher pode transar sem camisinha sem engravidar?". Quer dizer...Daí pro casalzinho assumir que quarta é um bom dia (como o cinema com ingresso pela metade) é um passinho.

Igor Garcia disse...

Lolinha,

Eu relatei umaa história sobre isso, que ainda falta a continuação, tendo minha opinião sobre esse assunto! Concordo com vc sobre a responsabilidade da saude pública, independente da religião! Imagino como seja na Itália! Aqui no Brasil, existe 80% de eficácia e 20% de incompetencia. Por exemplo, no Carnaval desse ano, se não me engano em Recife, dentre outros estados, o Governo distribuiu, além das camisinhas, pilulas do dia seguinte no Carnaval! A quantidade de DSTs transmitidas até 3 semanas depois do Carnaval, quintuplicou! Isso para mim é atestado de burrice. E para variar, um Padre duma cidadeca do interior, contrariando o Governo, resolveu brincar e distribuir Cintos de Castidade! Não dá pra ser 8 ou 80, mas eu acredito que exsita outro ponto de vista: que médico acatará uma prática de aborto, independente de ser legalizado ou não? Não existe no Brasil, lei ou jurisprudencia para a prática do Aborto nem quando há risco de vida ou vitima de estupro, isso vai, acredite, da CONSCIÊNCIA de cada Juiz! Conheço um professor que é Juiz Federal da Vara da Infancia e Juventude, em que ele é FERVOROSAMENTE contra o aborto, sob a UNICA circunstancia aceitável da prática quando há risco de vida DA CRIANÇA.

Não dá para levar o Aborto na ponta da faca, mas deveria numerar cada tipo de caso e enquadrá-lo duma forma inteligente, daquela que é vítima, responsável, inconsequente e/ou criminosa, impreterivelmente sem a Igreja no meio.

Bjs n'alma!

lola aronovich disse...

Oi, Igor, não entendi: de quem é a incompetência por haver quintuplicado o número de DSTs no carnaval, do governo ou da população? Acho complicado culpar o governo, se ele distribuiu camisinhas. O governo pode e deve instituir aulas de educação sexual nas escolas, distribuir camisinhas, alertar sobre os perigos das DSTs e da Aids, tentar impedir a gravidez precoce (que é um problema econômico, entre outras coisas), mas não tem como colocar camisinha nos cidadãos. O que vc sugere, banir a pílula do dia seguinte? Isso tb não faria um monte de gente usar camisinha... Tem muita, muita gente irresponsável, vamos admitir. E acho que a igreja faz bem em tentar cumprir seu papel, que é aconselhar os fiéis a não transarem fora do casamento. O que não quer dizer que os fiéis vão obedecer... Tanto o governo como as religiões sugerem medidas (e uma instituição não deveria interferir na outra nunca), mas a responsabilidade final é de cada pessoa.
Agora, como assim, é difícil encontrar médico pra realizar um aborto, "independente de ser legalizado ou não"?! Ahn, Igorzinho, claramente praticar uma coisa ilegal, sujeita à prisão, reduz bastante o número de médicos que aceitem realizar abortos, não acha? Se o aborto fosse legalizado, isso não iria querer dizer que todos os médicos seriam obrigados a realizá-lo (ou que mulheres seriam obrigadas a fazer aborto). Iria de acordo com a consciência de cada um. Mas, com a legalização, o governo precisaria ter alguns médicos, em alguns lugares, onde um aborto seguro pudesse ser realizado. O negócio todo da legalização do aborto (ou de qualquer coisa, imagino) é justamente a liberdade. Não fica nas mãos de um juiz decidir o que uma mulher pode ou não pode fazer com seu próprio corpo. Fica nas mãos da mulher. Ela poderia decidir se quisesse prosseguir com a gravidez ou interrompê-la. Mesmo com o aborto legalizado, a pressão da sociedade seria sempre pra que a mulher não abortasse, eu acho.
E não entendi seu último parágrafo mesmo! Vc quer classificar a necessidade do aborto e separar as mulheres em vítimas e responsáveis?! "Responsabilidade" é algo muito difícil de ser medido. Uma mulher é responsável por engravidar, assim como o homem, a família e o governo, que não lhe deram educação sexual suficiente, a religião, que lhe ensinou que sexo é pecado... Mas quem tem que arcar com as consequências de uma gravidez indesejada é a mulher, mais do que todos os outros. O corpo é dela. Ela deveria decidir.

Anônimo disse...

Ok...Não parece que a maioria das pessoas tomam uma posição a respeito desse tema sem buscar o conhecimento necessário... em especial as pessoas que são contra?. Um amigo disse que é a favor, quando o feto ainda é uma semente pequenina...palavras dele...porque permitir um bebe ser despedaçado com 24 semanas é um crime. Tem-se a impressão de que a mulher que aborta é sempre uma criminosa! Sinceramente, é verdade que a maioria dos homens não são responsabilizados por nada que se relacione com isso...a responsabilidade é sempre e inteiramente da mulher. (excepto se a gravidez for por estupro, pois assim está bem definido quem é a vitima e o bandido). Tenho certeza que muitas delas abortam porque também não tem suporte. A maioria dos homens lida com isso abrindo a carteira para resolver o problema o mais rápido possível. Não tenho também muita informação sobre aborto, mas aprendi um bocado especialmente na última semana. O assunto se ramifica enormemente. Apesar de muitas coisas que ainda preciso aprender sobre esse tema, começo a entender que a maioria das mulheres que recorrem ao aborto estão vulneráveis. Sou homem e assumo que não posso entender o que significa tomar essa decisão. E quando vejo as noticias de muitos bebes recém nascidos abandonados em banheiros de rodoviária, largados em canaviais ou em montes de lixo... pergunto qual de facto é o crime maior?

lola aronovich disse...

Cavaca, vc é português? Se entregou pelo "de facto"!
(Portugueses são muito bem-vindos no meu blog, só queria saber).
Fico feliz que vc esteja refletindo a respeito do aborto e compreenda que não é bom que os homens, com suas leis, decidam o que pode e não pode no corpo de cada mulher. Aborto é uma decisão muito difícil e um assunto sempre polêmico, como vemos aqui. Acho que a maior parte de nós concorda que aborto é algo horrível, uma violência no corpo de uma mulher que acaba encerrando uma vida. Só que o aborto sempre foi e sempre será realizado, gostemos ou não. A diferença é se ele continua ilegalizado, assim promovendo a morte de mulher e feto, ou se ele é legalizado, poupando a vida da mulher. Aborto jamais deve ser usado como método anticoncepcional, mas acho que quem usa tal argumento pra não legalizar o aborto só pode ser homem. Porque a última coisa que uma mulher quer é abortar. Ela só quer ter o DIREITO de abortar se realmente precisar. Não há dúvida que falta suporte pra mulher. Uma alternativa ao aborto é ter o bêbe e entragá-lo para adoção (como vemos em Juno). Isso tem acontecido bastante nos EUA (quem adota o bebê muitas vezes são casais homossexuais). Mas para isso é preciso um grande suporte. E não se pode forçar uma mulher a fazer isso, porque é duro carregar um bebê no ventre durante nove meses (ela, se for adolescente, pode perder o ano na escola, por exemplo, ou perder o emprego). Se a culpa que uma mulher sente ao abortar já é enorme, imagina a culpa em dar seu bebê recém-nascido a desconhecidos. O ideal, mesmo, seria que a mulher não engravidasse sem querrer, e pronto, tudo estaria resolvido. Mas não é assim que a coisa funciona...
Quanto a bebês abandonados, isso é terrível, e só um grande desespero pode explicar isso. Nesses casos entra também um outro agravante: a depressão pós-parto, um tabu de que ninguém fala. Fica claro que a mulher está vulnerável e só. Pela lei uma mulher que faz isso é uma criminosa, mas acho que nenhuma mãe em condições normais faria isso. Só num estado de muita depressão e desespero. Uma pessoa assim não deve ser tratada como uma criminosa qualquer.

lola aronovich disse...

A Cynthia, uma advogada, escreveu dois ótimos textos sobre o aborto:
http://cynthiasemiramis.org/?p=54
e
http://cynthiasemiramis.org/?p=26
Vale a pena ler!