quinta-feira, 10 de abril de 2008

MEMÓRIA E CULPA NUM ÓTIMO DOCUMENTÁRIO

Capturing the Friedmans (2003) é um extraordinário documentário, uma aula de como contar uma história, sobre memória, culpa, e perdão. É, no fundo, a história de uma família judia de classe média alta, os Friedman, que vê sua vida ruir quando o pai, um professor de computação e piano, é acusado de estuprar seus alunos. Ao invés de narrar todos os fatos de uma só vez e fazer com que a gente condene e odeie esse pai, o documentário decide pôr tudo em xeque. Primeiro que o que mais vemos são cenas de vídeo filmadas pela própria família, ao longo dos anos, mostrando o que aparenta ser um ótimo relacionamento entre um pai e seus três filhos homens. Mas o que aconteceu foi o seguinte: em 1987, uma década antes da internet, a polícia estava investigando pornografia infantil. Friedman recebeu uma revista pornô holandesa (o que já seria crime), mas, como não mandou nada de volta ao remetente, a polícia decidiu agir. Ela enviou um cartão fingindo ser da Holanda, dizendo: “E aí? Não vai me mandar nada?”. Friedman mordeu a isca e mandou uma outra revista, junto com um cartão escrito “Aproveite”. Assim, a polícia obteve um mandado de busca para revistar sua casa, e lá encontrou uma pilha de publicações com pornografia infantil. Decidiu trazer uma outra equipe para o caso, pra analisar se Friedman teria cometido algum abuso sexual contra os muitos meninos que eram seus alunos. Logo o negócio se transformou num escândalo, e o nome do filho do meio, Jesse, que tinha apenas 18 anos na época, foi citado. Uma jornalista investigativa veio cobrir o caso, e não acreditou nas acusações. Para ela, não era possível que tantos meninos houvessem sido estuprados durante tantos anos, sem nenhum indício físico. Como que um garoto, após ser sodomizado por dois adultos, podia ser buscado pelos seus pais sem manifestar nenhum distúrbio até que a polícia aparecesse? O documentário mostra alguns depoimentos de ex-alunos que juram que nada aconteceu, e que não crêem nas acusações contra os Friedman. Mostra também uma entrevista com um investigador (não desse caso), que aponta que é preciso tomar muito cuidado ao entrevistar crianças, porque elas querem agradar. Elas sabem o que os adultos querem ouvir e vão concordar. Por isso, segundo esse detetive, é importante conduzir uma entrevista com uma criança nas linhas de “E o que aconteceu em seguida?”, ao invés de “E então ele te tocou?”. Mas as entrevistas no caso Friedman foram todas do segundo tipo e, com as respostas, formou-se uma forte união entre a comunidade, que passou a dizer que todos os alunos haviam sofrido abuso (os que não admitiam estariam reprimindo a verdade para si próprios).
Mas não é nenhuma Escola Base. Friedman era mesmo um pedófilo. Mais adiante, numa carta para a jornalista, ele admitiu que, quando tinha 13 anos, fez sexo com seu irmão de 8 (o irmão nega e diz não ter nenhuma lembrança disso). Friedman também revelou ter estuprado dois meninos –- não seus alunos, e não em sua casa, mas na casa de praia. Mais tarde, quando o advogado de defesa de Jesse vai conversar com Friedman na cadeia, Friedman pede para mudar de sala porque havia um menininho de cinco anos visitando um detento, e isso estava deixando-o excitado (o advogado acrescenta ter ficado chocado com a declaração e precisado de quinze minutos para se recompor). Bom, Friedman foi condenado a 20 anos de prisão. E não importa se ele não estuprou 40, "só" 2 meninos -– obviamente mereceu a pena. Mas o que Jesse tinha a ver com isso?
Ao ver que tudo estava perdido, o advogado de defesa de Jesse tentou pintar Friedman como monstro e seu filho do meio como vítima. Ele também teria sido estuprado (Jesse nega e alega que foi apenas uma estratégia de defesa). Não funcionou, e o adolescente foi condenado a 18 anos. Na prisão, Friedman se suicidou, por causa da culpa em relação ao seu filho, mas também para deixar a ele uma apólice de seguro que tinha, no valor de 250 mil dólares (que foi gasto pagando os advogados). Jesse saiu da prisão treze anos depois, mais ou menos quando o doc foi filmado. É fascinante ver como trabalha a consciência de cada um. O filho mais novo não quis participar do filme. O mais velho não quer acreditar nem que seu pai tenha sido um pedófilo, e culpa a mãe por tudo. A mãe, que se divorciou do pai e casou-se de novo, segue sua vida. E Jesse tenta reconstruir a sua.
Veja o trailer e o filme. Nessas horas de grande comoção no Brasil pela morte de Isabella, vale a pena refletir na nossa rapidez em apontar culpados.

7 comentários:

Anônimo disse...

Lola, meu amor!
Você cita a Isabella somente na última linha, mas desde o início, a gente sabe que ela vai aparecer, uma hora ou outra.
.
Acho que o filme deve ser mesmo tão bom quanto esse seu texto.
Já vi várias vezes na locadora.
Várias vezes escorregou da minha mão.
Na próxima, não escapa.

lola aronovich disse...

Ricardinho, meu lindo: o pior eh que esse texto ta "na caixa", diagramado e tudo, faz quase um mes! Sempre tenho alguns posts na manga, pra quando nao tiver tempo ou inspiracao pra produzir alguma coisa. Tenho um sobre o John Waters, outro sobre um exploitation movie, Ms. 45... E varios outros. Tento colocar apenas dois posts por dia porque, mais do que isso, ninguem vai ler mesmo. Alguns precisam ser publicados imediatamente, ou senao ficam datados. Outros sao mais "atemporais". So inclui o caso da Isabella porque eh a comocao do momento. Mas um mes atras isso nao existia!

Anônimo disse...

Então...
Pra gente ver como o tema do subjulgamento é algo corrente.

fatimapombophotos disse...

lola vou seguir sua indicaçao.
agora por que enfatiza que o tal fridmann eh judeu?poderia ser qualquer outra criatura que alias sabemos que existe no mundo inteiro.eu conheci no Rio de Janeiro um casal de fotografos pedofilos,em 1972, cuja mulher era professora de um colegio estadual do ensino medio que aliciava os alunos mais jovens. ate hoje a minha consciencia doi de nao ter consciencia na epoca(eu tinha 18 anos) de te-los denunciados.o homem era hungaro e antisemita.

fatimapombophotos disse...

ah! outra coisa.
o filho foi condenado a 18 anos por prestar declaraçao falsa?

lola aronovich disse...

Hmm, é uma boa colocação a sua, Fatima. Talvez não seja necessário dizer que ele era judeu. Mas vc não acha que, se ele fosse de alguma outra religião, isso não seria igualmente enfatizado? Imagina se o sujeito fosse muçulmano! E se ele fosse ateu? Não vejo como algo preconceituoso mencionar a religião de uma pessoa. Ela também é mencionada quando a pessoa faz alguma coisa certa, não? Tipo, a gente sabe que Freud e Einstein eram judeus... No caso desse filme, é só mais uma definição pros Friedman, assim como dizer que eles eram de classe média alta. Isso não significa que uma atrocidade dessas só aconteça entre essa classe social. Sobre denunciar, se eu conhecesse algum pedófilo que estivesse AGINDO, ao invés de só fantasiando (porque esse é um direito de cada um), eu denunciaria. Mas com muito cuidado. Eu teria que ter certeza pra fazer uma acusação tão devastadora.
O filho foi condenado porque o júri achou que ele era culpado também. Quando a polícia fez a investigação, o nome dele apareceu, porque muitas vezes durante as aulas particulares ele estava presente.

Anônimo disse...

lola vou seguir sua indicaçao.
agora por que enfatiza que o tal fridmann eh judeu?poderia ser qualquer outra criatura que alias sabemos que existe no mundo inteiro.eu conheci no Rio de Janeiro um casal de fotografos pedofilos,em 1972, cuja Movie2kmulher era professora de um colegio estadual do ensino medio que aliciava os alunos mais jovens. ate hoje a minha consciencia doi de nao ter consciencia na epoca(eu tinha 18 anos) de te-los denunciados.o homem era hungaro e antisemita.