quarta-feira, 5 de março de 2008

OS REPUBLICANOS DAQUI E DAÍ

Agora é oficial: os republicanos já têm seu candidato a presidente: John McCain. Pra quem acha que este velhinho de 70 anos não é tão reaça como outros membros do seu partido, pense de novo. Pra poder ser aceito como candidato de um partido de direita, ele está precisando ir cada vez mais pra direita. Mudou sua posição a respeito de vários pontos. Por ter sido prisioneiro dos vietnamitas durante a Guerra do Vietnã, ele era o único republicano contra a tortura. Mas agora já reviu seus conceitos e está mais leniente, adotou aquele discurso de que segurança nacional deve vir acima de qualquer coisa... Antes, ele se opunha a um projeto de corte de impostos pros ricos ser permanente. Agora é a favor. E está começando a radicalizar seu ataque aos imigrantes ilegais.

Uma organização pró-direitos humanos divulgou um telefonema gravado que McCain anda mandando a seu eleitorado mais retrógrado, tentando convencê-lo que ele é, também, um troglodita de direita. A ligação diz: “Nós precisamos de alguém que não vai vacilar na Casa Branca: que vai acabar com o aborto, parar com o lixo na mídia e com as tentativas de banir Deus de todas as esferas da sociedade” (minha tradução). E, obviamente, McCain condena direitos iguais pros gays, porque pra direita cristã homossexualismo é um pecado capital, embora não afete em nada a vida dos heteros. Como disse meu orientador aqui nos EUA, se a direita cristã detestasse ervilhas, os republicanos iriam condenar esse legume em tudo quanto é debate.

O partido republicano sempre foi de direita. Pra gente, que é de fora, ele pode parecer bastante parecido com o partido democrata, mas não é. Os discursos são diferentes. O que os republicanos pregam é o governo mínimo, o que se chama de “starve the beast” (matar a besta de fome). A besta, no caso, é o governo, e pra matá-la de fome é fácil: é só acabar com todos os impostos e, assim, com todas as funções sociais do governo. Reagan, um ídolo pra eles, liquidou inúmeros programas sociais criados nos anos 30 pelo Roosevelt pra salvar as pessoas da Grande Depressão. O discurso é o mesmo dos nossos partidos mais à direita no Brasil, como o PSDB e o DEM (ex-PFL, ex-Arena): isso tudo que o Getúlio fez de salário mínimo, décimo-terceiro, previdência social etc foi bonito na época, mas num mundo globalizado como o de hoje já não faz o menor sentido. Os empresários gastam demais contratando um funcionário, coitados! Sistema universal de saúde pra quê, meu Deus? Nossas empresas de seguro-saúde são tão caridosas e eficientes! Quem quiser tratamento médico que o compre, ora. Sai bem mais em conta!

Voltando ao partido republicano americano, a plataforma varia de estado pra estado, mas as diretrizes são idênticas. Por exemplo, aqui em Michigan os republicanos querem impedir que contribuições sindicais possam ser descontadas da folha de pagamento. Na prática, isso equivale ao fim dos sindicatos, e a aniquilação de sindicatos equivale a dar poder total às grandes corporações, sem fiscalização. Quanto ao aborto, a posição é clara: “O Partido Republicano de Michigan acredita que a vida começa na concepção e que o Estado deve sempre defender a vida humana inocente, da concepção a sua morte natural”. Traduzindo, eles são radicalmente contra o aborto e a eutanásia. A “vida inocente” que eles defendem obviamente não é a da mãe. Não, porque mulher é traiçoeira, é só a gente se distrair um instantinho que lá estão elas, matando seus fetos – opa, “seus” não! Nossos! Isso da gente gostar de governo mínimo não quer dizer abrir mão de impor valores básicos. Afinal, a gente não quer que o governo interfira na economia, mas precisa proteger os pobres fetos indefesos das garras das mães. Se depender da gente, mulher não aborta nunca – nem em caso de estupro, nem em caso de risco de vida pra ela. A vida inocente em primeiro lugar! E mulher, como a gente sabe, não tem nada de inocente. Só sobe um pouquinho de status ao ser mãe (de preferência, de varões).

Comparados aos republicanos, os democratas são quase comunistas.

5 comentários:

Juliana disse...

Essa questão do aborto é muito polêmica e controvesa. Eu, particularmente, sou contra, mas não radicalmente. Acredito que nesses casos que você falou, por exemplo, há uma forte justificativa. Claro que é melhor ter uma condição decente do que as mulheres terem que ir às clínicas clandestinas, mas sou super contra esse papo de "o corpo é meu, eu faço o que quiser com ele". Acho que é aí que a coisa foge do controle e vira realmente controversa. Até porque é muito fácil ser contra sem se colocar na situação do outro.

Acredito em mais duas coisas: (1) Independente do discurso do candidato, a prática é outra. A política é um meio corrompido, onde um único indivíduo com suas próprias opiniões não tem voz e é obrigado a mudar o discurso ou a ação para se eleger, ou mesmo depois de eleito.

(2)John McCain vai ser o próximo presidente americano. Duvido que a Hillary ou Obama consigam se eleger. Eu gostaria, mas num país conservador, preconceituoso, racista, e ainda por cima onde a maioria da população é alienada e/ou nem se registra pra votar, dificilmente vão eleger uma mulher ou um negro.

lola aronovich disse...

Acho que vou escrever sobre minha posição em relação ao aborto. Mas, em linhas gerais, é a seguinte: pessoalmente, sou contra. Eu não faria na maioria dos casos. Mas sou a favor da legalização do aborto.
Ai, que horror, Ju! Vc acha que o McCain ganha? Deus não te ouça! Eu sou mais otimista e acho que vai ganhar um democrata, o Obama, provavelmente. 3 mandatos republicanos seguidos?! Mas que vai ser dificílimo, não há dúvida.

Suzana Elvas disse...

Muita gente confunde "ser a favor do aborto" com "ser a favor da lei que permite o aborto". Eu sou contra o aborto, mas acredito que livre-arbítrio não é coisa do diabo.

Lola, você já leu "Ética", do Peter Singer? É um livro estupendo. E nele se depreende uma idéia que vejo em outros autores americanos: como os EUA hoje vivem em constante medo - de atentados, de violação da vida, de obesidade, de descontrole armamementista. de crise econômica, de conflitos com o país no exterior... Um medo não generalizado, mas pessoal.

Medo do seu vizinho de sobrenome estranho, que pode ser um terrorista; medo do cara que toma sorvete num parquinho, porque pode ser um pedófilo; medo do funcionário com cara de mexicano, porque ele pode roubar seu emprego; medo da carta esquisita, que pode ter antrax; medo do geek esquisitão, porque ele pode levar meia dúzia de AK-45 e fuzilar seus filhos na escola. Medo do gay e da promiscuidade que ele "representa" - mesmo que tenha uma relação estável de 15 anos; promiscuidade essa que se esconde também nas clínicas de aborto. Medo de ter que mandar seu filho vá morrer do outro lado do oceano por uma causa que ninguém mais sabe bem qual é.

Medo, medo, medo. "Somos o último baluarte de liberdade do mundo". Quem é livre aí, cara-pálida?

lola aronovich disse...

Eh verdade, Su. Ninguem eh muito livre aqui nao. Nao, nao li o Singer. Sera que eh o mesmo que o Michael Moore cita em Tiros em Columbine? Sobre americano ter tanto medo de tanta coisa que fica mais facil de ser dominado?
Quanto mais eu penso na situacao das mulheres (aqui e no resto do mundo), mais vejo que nao somos livres mesmo...

Isa disse...

Pois é, para ter uma chance de ganhar, as pessoas mudam drasticamente suas opiniões...
Pena que quase ninguém se importa com isso, porque o povo está mesmo interessado é num líder que esteja de acordo com seus próprios interesses.
Quantas caras, afinal, tem um político ou um hipócrita?

Sua visão crítica da política e da situação num contexto geral é incrível!
Parabéns!


Beijos!!