terça-feira, 22 de janeiro de 2008

PEDAÇO DO PENÚLTIMO DIA DO ANO EM DETROIT

Último domingo. Decidi sair um pouco porque o maridão, além de mal-humorado, monopolizava o computador. E o tempo estava bom, só um ou dois abaixo de zero. Não pense que gosto de morar num lugar onde a gente se acostuma a achar que zero grau sem neve é tempo bom. Mas o fato de não ter neve ou gelo ajuda. Só havia uns resquícios da última neve, quase nada. Do boneco que o zelador moldou na frente do nosso prédio sobraram apenas os restos mortais, uma nevinha na base. Então lá fui eu, vestida com meus habituais trajes de Abominável Boneco das Neves – gorrinho, luvas, duas calças, casacão imenso comprado por oito dólares no Exército da Salvação, cachecol colorido pro look ficar menos sombrio. O cachecol arco-íris funciona; todo mundo olha pra mim como se eu fosse uma atração turística ou parte de algum desfile de Parada Gay. Mais de uma pessoa no supermercado já falou: “Adoro seu cachecol”. Eu nunca digo que comprei usado por US$1,50. Ah sim, e toda santa vez que o zelador me vê ele comenta como estou bem agasalhada, já que minhas orelhas estão cobertas. Ele diz isso sem gozação, mas outros me fitam como se eu fosse um modelo do exagero ambulante. Eu não me importo nem um pouco. Prefiro passar vergonha do que frio.

Neste meu passeio dominical, aproveitei pra levar garrafas e potes de plástico pra reciclar (acredite, nos pontos de coleta não há lugar pra vidro. E sempre levo pro meu escritório na universidade um monte de papelão e jornal velho. As duas caixas estão transbordando, e não são recolhidas. Sinceramente, acho que ninguém recicla nada por aqui. E não é algo de Detroit. Tive a mesma impressão em Chicago e Washington. O país que mais gera lixo no mundo não parece interessado em reciclá-lo). Levei também um DVD pra colocar numa caixa do correio (não se preocupe, vou escrever uma coluna inteira sobre isso). Peguei a edição mais recente de um tablóide grátis. Saí à cata de esquilinhos perdidos, sem muito sucesso. Voltei pra casa e narrei minha aventura pro maridão, após conseguir arrancá-lo da frente do computador.

- Não tinha uma alma na rua. Nem alma de esquilinho. Não sei por que gastam tanto nos filmes pra esvaziar algumas ruas. Sabe que em “Eu Sou a Lenda” uma só cena de Nova York vazia custou 5 milhões de dólares? Podiam ter filmado tudo aqui, e consertar com efeitos digitais.

- Mas ninguém quer ver Detroit vazia. Querem ver NY vazia.

- Bom, praticamente a única alma que encontrei foi um gato branco. Ele olhou pra mim, eu olhei pra ele. Pensei em jogar um amendoim pra ele. Pensei em tocar nele, mas fiquei com receio que ele me seguisse pra casa. Mesmo assim, antes que eu me decidisse, ele fugiu.

- Como aquela cena em “Eu Sou a Lenda” entre o Will Smith e um morto-vivo.

- Amor, espero que nessa sua comparação eu seja o Will Smith. Ah, sabe o que mais eu vi? A loja nova na esquina que vende bebida colocou um cartaz imenso na calçada: “Open. Liquor”. Dá pra ver o cartaz daqui da janela. Mas tem uma palavra embaixo que só deu pra ler lá perto: “Groceries”.

- E o que é “groceries”?

- De novo?! Não vou traduzir pra você pela terceira vez! Você sempre pergunta isso!

- “Groceries” tem a ver com as atitudes estúpidas da Lolinha?

Aí eu tive que rir durante cinco minutos ininterruptos. Nesse meio-tempo o maridão não deu trégua: “Tem uma segunda definição pra palavra, fora o comportamento lolístico? Por exemplo, quando a Lolinha não tá por perto, o que significa 'groceries'? É como o pessoal da loja trata os fregueses?”. Quando finalmente parei de rir, expliquei que só um completo analfabeto em inglês pode confundir “groceries” com “grosserias” e que “grocery” quer dizer produtos comestíveis à venda, tipo secos e molhados. Continuei minha saga:

- Só na volta vi um esquilinho. Ele estava em duas patas, tentando morder uma luzinha de Natal numa árvore. Eu chamei, e ele não veio, lógico, mas pelo menos virou na minha direção.

- E aí você acertou um amendoim na cabeça dele, pra variar?

- Não, anjo. O primeiro amendoim pousou na frente dele, mas ele não viu. O segundo ele pegou. Ele comeu de costas pra mim. Tão grocery, esse esquilo. E depois eu quase fui atropelada pelo único carro na cidade.

- A única pedestre da cidade atropelada pelo único carro? Minhas saídas não são tão emocionantes como as suas.

Enfim, apesar do atraso, faço minhas as palavras do maridão e desejo a todos um ótimo reveillon, e um 2008 sem groceries.

5 comentários:

Andrea disse...

Ai ai Lola...
Muito bom ler suas historias de Detroit... Ainda mais quando envolvem os esquilinhos que eu tanto adorava. E seu bom humor, unido ao desconhecimento do maridao são hilarios!!! Groceries!!! Esta até eu vou lembrar pra sempre!
Um abraço!

lola aronovich disse...

Que bom que vc gostou, Andrea! Tem quem disse que esse meu texto nao tinha humor... Acho que qualquer texto em que um cara confunde groceries com grosserias deve ser engraçado! (e o pior é que eu nao invento nada).

Andrea disse...

Uahuahuhauhauha!!!
Como assim teve quem disse que não tinha humor!?!?! Aposto que foi homem!!! As confusões linguísticas do seu maridão são as melhores!!! E seus textos tem humor sim! E bastante!!! Meu irmão vive curioso do que eu fico rindo em frente ao computador.
Escreva bastante Lola, escreva! Que a leitora aqui é garantida!

lola aronovich disse...

Acertou, foi homem sim que disse que meu texto sobre groceries tava sem humor e nao era sobre nada... Continue rindo ai em frente ao computador, Andrea!

Andrea disse...

Eu sabia que era homem! Eu sabia!!!
uahauhauhaa