sexta-feira, 20 de junho de 2003

CRÍTICA: DEMOLIDOR / Herói de bengala

Nada como uma coincidência irônica pra animar nosso dia! “Demolidor – O Homem sem Medo” estreou aqui em plena epidemia de conjuntivite, e o maridão compareceu ao cinema de óculos escuros, em homenagem ao super-herói da Marvel e ao vírus recém-adquirido. Só faltou a bengalinha. Mas antes de falar muito mal do filme, preciso tratar mais do personagem. Não é todo mundo que é fã de histórias em quadrinhos. Imagino que haja mais gente no planeta que viu o trailer e, como minha mãe, comentou, incrédula: “O Demolidor é cego?!”.

Pessoalmente, sempre gostei do sujeito. Tive uma infância sadia, então não é que eu aguardava o sol raiar e a banca abrir pra comprar a revistinha, comportamento que pode causar traumas terríveis na vida adulta, como a vontade de ir fantasiado a convenções de super-heróis. Não sou dessas, mas quando um exemplar da trama do Stan Lee caía nas minhas mãos, eu lia. Adorava o tratamento noir que Frank Miller deu ao personagem; adorava o fato do homem ser cego, ou talvez o que eu gostasse mesmo era que tiveram a audácia de fazer um advogado herói. Portanto, fui ver o filme com boas intenções. Claro que, com um nome como “Demolidor”, eu não esperava balé clássico, mas precisavam fazer a aventura tão cheia de pancadaria assim? O filme é um tédio só.

O maior problema é o roteiro capenga, que mistura seqüências de ação sem graça com cenas românticas que param a história. É como um programa na TV com pausas pros comerciais. Nos momentos de amor de “Demolidor”, quase dava pra ler um aviso dizendo: “Interrompemos a exibição para inserir cenas que interessam ao público feminino”. Tem até o clichê de uma lareira queimando enquanto os pombinhos mandam ver. Tudo seguindo à risca a lei do mercado, que é: os meninos virão ver o filme de qualquer jeito, mas como atrair as garotas? Quem sabe copiar o beijo na chuva de “Homem-Aranha” e convocar o “colírio” Ben Affleck pro papel principal ajuda?

Ben, O Aflito, tem três módulos de interpretação em “Demolidor”, o que constitui um avanço considerável se comparado às suas outras performances: de óculos escuros, sem óculos, e com uma máscara ridícula cobrindo-lhe o rosto. Aliás, se eu fosse maldosa mesmo, diria que o conceito de um grandão trajando couro colante perseguir homens à noite já é bastante suspeito. Mas Ben conhece Elektra, feita por Jennifer Garner (a modelo que tenta enganar o Leo em “Prenda-me se Puder”). Após cinco minutos, os dois decidem sair no tapa, levando o relacionamento a um estágio precoce que a maior parte dos casais demora três anos pra alcançar. A peleja dos apaixonados num playground é, sem dúvida, a melhor cena do filme. O legal é que os dois brigam durante meia hora, mas Elektra só se impressiona com as habilidades extra-sensoriais de Ben quando ele repara no meio-fio antes de atravessar a rua.

Ah, tem mais de um vilão na trama, mas o único digno de nota é o Mercenário, interpretado por Colin Farrell, sabe, aquele um que queria pegar o Tom em “Minority Report”. Colin é divertido e destoa dos outros atores por falar com sotaque irlandês e entender que não está fazendo Shakespeare, e sim história em quadrinhos, pô. Ou seja, ele não cai na asneira de se levar a sério e rouba todas as cenas. É até constrangedor ver o Ben ao lado de um bom ator. Se bem que o vilão de Colin mata com clipes de papel, amendoim e caquinhos de vidro. De alguma forma, ele não me inspirou medo.

“Demolidor” deixa o chão tão preparado pra seqüência que eu só pude pensar – ué, por que eles já não começaram por ela? De resto, imita “Homem-Aranha” o tempo inteiro. Agora, se alguém quiser saber se esta bomba repetirá o megasucesso de seu colega aracnídeo, basta conferir umas coisinhas. Tinha fila pra ver “Demolidor”? Na sessão que eu fui, não. Tinha coro de adolescentes gritando “Viado! Viado!”? Também não. Se uma aventura não consegue cativar seu público-alvo é porque não vai cativar ninguém. Ou isso ou todos os espectadores ficaram em casa por causa da maldita conjuntivite.