domingo, 27 de fevereiro de 2000

CRÍTICA: O TALENTOSO RIPLEY / Homem que é homem não teme Ripley

Antes de mais nada, "O Talentoso Ripley", em cartaz no Estado, não é um filme gay. O personagem-título é homossexual, apaixona-se por um homem e depois arranja um namorado, mas só isso não basta para reduzir este drama à classificação "aquele filme gay". Que, aliás, é uma classificação que pega pesado e afasta público. A distribuidora, em seus cartazes, faz de tudo para incluir a única foto de Ripley carinhoso com uma mulher. Pelos risinhos nervosos que ouvi do público masculino durante a projeção, cada vez que um homem apenas olhava pra outro homem, qualquer referência homossexual deve ser um assunto espinhoso.

Neste ponto, o diretor e roteirista Anthony Minghella foi bem ousado. Não que haja cenas que ofendam nossos machões de plantão, mas ser gay é uma característica nada desprezível do protagonista. Se você leu o romance de Patricia Highsmith, no qual este "Ripley" se baseia, ou se viu o ótimo "O Sol Por Testemunha" (de 1960, com Alain Delon), esqueça. "Ripley" não tem muito a ver com o livro e é totalmente diferente de "Sol". Não se pode nem dizer que é uma refilmagem. "Sol" era um policial com doses de suspense, "Ripley" é um drama. Delon era um vilão; Ripley é um infeliz.
Ripley é um pobretão americano na década de 50, contratado por um milionário para trazer seu filho playboy de volta aos EUA. O filho, interpretado por Jude Law, nome forte para o Oscar de melhor coadjuvante, leva a boa vida na Itália, junto a uma namorada oficial (Gwyneth Paltrow). O talento de Ripley está em imitar pessoas, forjar assinaturas e se adaptar ao gosto de seus ouvintes. Ele quer ser amado e aceito a qualquer preço.
Ripley se apaixona pelo playboy e, ao ser desprezado por ele, o mata. A seguir, adota sua personalidade, seu cartão de crédito, seu nome, sua assinatura, seu passaporte... Em "O Sol por Testemunha", o crime é premeditado, e o algoz é frio e calculista. Em "Ripley", este primeiro assassinato ocorre sem querer, e o protagonista sofre com seus fantasmas. Ao sentir culpa,
o Ripley de Minghella é muito mais humano.
Porém, como não há suspense neste "Ripley" (nem humor, o que é um defeito grave), a questão se concentra
no lado "coitado que quer subir na vida". Só que, nesse ponto, clássicos como "Almas em Leilão" e "Um Lugar ao Sol" são mais eficazes. Nessas duas obras, o espectador se identifica com o vilão e sente pena dele. Não é o que ocorre em "Ripley". E não é porque os dois primeiros personagens são hetero e Ripley é homo. É que Ripley é um pouco apalermado demais para torcermos por ele. Ele não é nem revoltado por ser excluído do topo da pirâmide. Ele mais admira que inveja suas vítimas.
Matt Damon (de "Gênio Indomável" e "Resgate do Soldado Ryan", ah, e "Dogma") tem a melhor interpretação de sua carreira como Ripley. Provavelmente merecia uma outra indicação ao Oscar (a primeira foi por "Gênio") mas, em um ano em que Jim Carrey foi deix
ado de fora após ganhar o Globo de Ouro pela segunda vez consecutiva, imagino que Damon não possa reclamar.
Digna de destaque
mesmo é Gwyneth Paltrow. Enquanto a câmera se enamora de Jude Law, ela despreza Gwyneth. A melhor atriz do Oscar passado consegue provar que, num papel inexpressivo, ela é 100% inexpressiva.
Quanto ao inglês Minghella, "O Talentoso Ripley" é, sem dúvida, o ponto alto de sua vida como diretor, pelo menos até agora. No início da década, ele fez as comédias românticas (m
eio insossas) "Um Romance do Outro Mundo" e "Um Amor de Verdade". Depois, estourou com "O Paciente Inglês", que levou nada menos que nove estatuetas douradas. Sim, eu disse nove Oscars. Não sei se conheço nove pessoas que tenham gostado tanto assim de "O Paciente Inglês".
Já no caso de "O Talentoso Ripley", esperava-se que o drama concorresse a categorias principais, como melhor filme, diretor e ator. As cinco indicações mais técnicas foram decepcionantes. Mas vá sem medo e sem preconceito assistir ao filme. Afinal, duvido que alguém considere um homem homossexual só por gostar de "Ripley".

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2000

CRÍTICA: BELEZA AMERICANA / Merece o favorititismo no Oscar

O Oscar bate à porta dos catarinenses

Que comecem as apostas. Depois de O Sexto Sentido e O Talentoso Ripley, outros fortes concorrentes ao Oscar desembarcam no Estado. Os favoritos Beleza Americana e O Informante entram hoje em circuito, e Regras da Vida tem pré-estréia neste final de semana. Esses três, junto com O Sexto Sentido, concorrem à estatueta de melhor filme do ano. O quinto candidato, À Espera de um Milagre, entra em cartaz na semana que vem.

Beleza Americana começa com uma adolescente pedindo para que seu pai seja assassinado, pois ele só lhe traz vergonha. Corta para a narração em off do pai (Kevin Spacey), que vai nos relatar os últimos dias dos seus 42 anos. Kevin, em um papel sob medida que lhe rendeu a indicação para o oscar de melhor ator, vive num típico subúrbio americano de classe média alta, onde a única família feliz parece ser a de um casal homossexual. Como Kevin mesmo diz, o ponto alto de seu dia é a sua masturbação matinal no chuveiro. Ele não tem um bom relacionamento com a esposa, com quem não transa há tempos, nem com a filha, que mal lhe dirige a palavra. Em evidente crise de meia idade, Kevin conhece duas figuras que vão tirá-lo do marasmo. Uma é a amiguinha de sua filha, por quem ele baba, e a outra é o novo vizinho adolescente, que lhe fornecerá maconha.
Kevin decide fingir que tem dezoito anos novamente, quando ainda era alegre e tinha a vida toda pela frente. Assim, larga o emprego numa agência de propaganda e passa a trabalhar meio período num lugar onde ele tenha a menor responsabilidade possível, isto é, preparando hambúrgueres numa lanchonete. Adquire o carro que dirigia na juventude; faz musculação para entrar em forma e poder seduzir a femme-fatale adolescente.
Enquanto isso, sua filha se envolve com o vizinho que, na falta de uma vida própria, adora filmar a dos outros. A patroa (Annette Bening, também concorrente ao Oscar, à beira de um ataque de nervos), uma corretora de imóveis dependente de fitas de auto-ajuda, passa a ter um caso com um colega e, para descarregar a tensão, aprende a atirar. As vidas de calado desespero de Chekh
ov estão prestes a berrar.
Há montes de rosas nesta obra-prima. A flor que aparece no cartaz chama-se "beleza americana", uma rosa linda, s
em espinhos... e sem perfume. Uma ótima metáfora não apenas para o filme, mas também para a nossa sociedade de consumo. Há uma outra passagem ilustrativa. O vizinho mostra a imagem mais bela que já filmou: um saquinho de plástico sendo levado pelo vento. Pois é, não é uma cachoeira ou um arco-íris. Para o rapaz, símbolo de liberdade é uma sacola de supermercado voando.

Beleza Americana é o grande filme de 1999 e conta com oito indicações para o Oscar. É o favorito, apesar de ser raríssimo a Academia premiar uma comédia. Funciona perfeitamente bem, com um ritmo invejável que não deixa a peteca cair um momento sequer, graças a um elenco magistral, e a um roteiro e direção que asseguram situações muito divertidas. É um filme altamente criativo que consegue fazer rir e pensar, e nos cativar para uma beleza que não é só americana, mas universal.
Se bem que todos os elementos caros aos americanos estão lá: as animadoras de torcida (
é hilário quando a filha carrancuda de Kevin faz suas coreografias), as meninas populares da escola, que costumam ser teasers (sua função é meramente ilustrativa: atrair e mais nada), fuzileiros navais fanáticos por disciplina, o fascínio por armas, o desejo de vencer a qualquer preço. Porém, o que torna o filme universal é uma fala-chave de Kevin. Ao largar o emprego, ele diz: "sou um cara comum sem nada a perder". Sua existência já é uma tragédia; pior é impossível.
Talvez uma frase dessas comova mais os americanos, que transformaram a palavrinha "loser" ("fracassado") no maior insulto da língua inglesa. Se você quiser realmente ofender um ianque, não tem erro: chame-o de "loser". Na sociedade mais bem-sucedida do planeta, cuja tecnologia e poder prometem mundos e fundos, qualquer um que não se encaixe no sistema - que não levar a sua parte - só pode ser um perdedor.
Honest
amente: existem diferenças gritantes entre o way of life americano e o da classe média de outros países? Acho que não. As ambições são as mesmas, os objetos de consumo e os ídolos de barro são parecidos. Tudo que a classe média alta brasileira quer é ser americana. Ela até já se sente primeiro mundo, e não gosta que a mídia internacional aponte a miséria que ela própria faz tanto esforço para não ver.
Beleza Am
ericana nos conclama a dar valor a cada momento precioso desta vidinha besta que levamos. Nós também não temos o que perder. Neste jogo de aparências, estamos fadados ao fracasso. Então, que tal nos divertirmos um pouco para, pelo menos, morrer com um sorriso no rosto?

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2000

QUANTO MAIS SELVAGEM MELHOR

Livro e programa especial trazem de volta o genial e genioso Billy Wilder 16/2/00

Com a morte de Kubrick, o posto de maior diretor vivo parece pertencer a um velhinho de seus noventa e poucos anos que não filma há quase duas décadas, e que agora voltou a entrar em evidência por causa da publicação de um livro de entrevistas onde ele, pra variar, continua sem papas na língua. É Billy Wilder, salve salve. A partir de hoje, por uma semana, o canal Telecine 5 exibe os melhores filmes dele.
Nos tempos em que tinha forças para escrever e dirigir, Wilder foi um grande criador. Era originalíssimo, mordaz, às vezes macabro, sempre irônico. E tem um nome que lhe cai como uma luva: "wilder" significa algo como "mais selvagem". Poucos fizeram tanto jus a um sobrenome.
Wilder foi um dos muitos judeus alemães que, com a ascensão do nazismo, foram se refugiar em Hollywood. Ele chegou lá em 1934, aos 28 anos, sem saber falar inglês, e logo se tornou um roteirista por contrato. Quando descobriu que escritores não tinham poder de decisão, decidiu ser diretor. Adaptou-se tão bem ao way of life americano que aprendeu todas as gírias, colecionou estatísticas sobre jogos de beisebol e passou a usar boné.
Infelizmente, só algumas de suas obras-primas estão disponíveis em vídeo no Brasil. Você pode encontrar A Montanha dos Sete Abutres (crítica feroz ao sensacionalismo da imprensa), Quanto Mais Quente Melhor, deliciosa comédia com Marilyn, e Se Meu Apartamento Falasse, que deu a Wilder seu segundo Oscar. Pra ver Farrapo Humano, filme definitivo sobre o alcoolismo, pelo qual Wilder foi brindado com sua primeira estatueta, você que tem TV a cabo deve rezar pela boa vontade dos programadores e ficar de olho. O mesmo vale para Pacto de Sangue, um clássico noir sobre um corretor que se envolve com uma mulher fatal e, juntos, tentam fraudar o seguro, e Crepúsculo dos Deuses.
Veja como era uma época de traduções estranhas, aquela. Assim, o que deveria ser O Fim-de-Semana Perdido virou Farrapo Humano (1945), Dupla Indenização virou Pacto de Sangue (44), Tudo sobre Eva (que não é de Wilder) virou A Malvada (50), e por aí vai. E, principalmente, Avenida do Pôr-do-Sol (Sunset Boulevard) virou Crepúsculo dos Deuses, que também é poético, mas não tão sutil quanto o original.
Este ano [2000], Crepúsculo está completando meio século de vida. É, provavelmente, o filme mais pessoal de Wilder. Pra começar, é narrado por um morto: um cadáver bóia numa piscina enquanto sua voz em off avisa que vai nos contar como acabou assim. Este corpo é de um roteirista que, fugindo de credores que querem confiscar seu carro, pára na mansão decadente de uma ex-estrela do cinema mudo. Ela, que vive com seu chofer/mordomo, que já fora seu marido e diretor, passa a sustentar o jovem em troca de favores sexuais e de um roteiro que signifique seu retorno à fama. No fim, claro, ela o mata, mais louca do que nunca.
Wilder havia trabalhado como um escort em salões de dança de Berlim, então o tema de Crepúsculo não lhe era novo. Além disso, o filme é uma bela metáfora de uma Hollywood que estava mudando na metade do século, e que ainda iria mudar muito mais.
Gloria Swanson, uma estrela do cinema mudo na vida real que, em 1950, aos 51 anos, não atuava há uma década, não foi a primeira escolha de Wilder para o papel. Aliás, Wilder ligou pra ela pedindo-lhe pra que ela fizesse um teste. Ela, altamente ofendida, já que nunca tivera que participar de uma audição antes, gritou: "Teste pra quê? Você quer ver se eu estou viva?". Depois, quando foi convencida de que esta seria a parte pela qual seria lembrada, engoliu o orgulho e fez o teste. Bingo. Certamente, se você já ouviu falar nela, terá sido por Crepúsculo dos Deuses.
Para o papel do mordomo, Wilder chamou um diretor e ator que havia se tornado lenda pela sua excentricidade: Erich von Stroheim. Wilder adora narrar seu primeiro encontro com Stoheim. Quando o conheceu, foi logo manifestando sua admiração, elogiando, "você sempre esteve dez anos à frente do seu tempo", ao que Stroheim rapidamente corrigiu, "Vinte, sr. Wilder, vinte". Stroheim encarnou o personagem e saiu-se tão bem que foi indicado para o Oscar de melhor coadjuvante. Só que ele não gostou: declarou ser importante demais para concorrer naquela categoria e ameaçou processar o estúdio pela infâmia.
Para a parte principal, a do roteirista, Wilder originalmente convidou Montgomery Clift, que recusou porque já estava representando o papel na vida real. Sua amante platônica (Clift era homossexual), trinta anos mais velha, jurou que iria se suicidar se Clift aceitasse. Gene Kelly também não quis, ou não pôde. O papel ficou mesmo com William Holden (de Férias de Amor e Rede de Intrigas, Oscar por Inferno no. 17, também de Wilder), que o interpretou com perfeição.
Nas exibições-teste (sim, já havia isso naquele tempo), Crepúsculo dos Deuses foi massacrado. A responsabilidade pelo fracasso cabia à cena inicial. Wilder errou na mão e exagerou, iniciando o filme em um necrotério de Los Angeles, onde o roteirista morto conversa animadamente com outros cadáveres. Só depois ele optou pelo cadáver na piscina. Mas este clássico precisou ser aclamado em Londres antes de conquistar os Estados Unidos.
E mesmo assim não conquistou todo mundo, como era de se esperar. Louis B. Mayer (foto), chefão da MGM, saiu da sessão de estréia bradando para Wilder, "Seu miserável, você desgraçou a indústria que te fez. Você deveria ser expulso de Hollywood!". Na ocasião, a resposta de Wilder se resumiu a um palavrão. No entanto, sete anos depois Mayer morreu, atraindo uma multidão para seu funeral. Aí Wilder não perdeu a oportunidade: "isso comprova tudo: dê às pessoas o que elas querem ver, e elas comparecerão".
Crepúsculo recebeu onze indicações ao Oscar e só ganhou três, num ano em que A Malvada levou tudo. A Malvada é outro grande filme que voltou a ficar na moda, desta vez por causa de Almodóvar e seu Tudo Sobre Minha Mãe. Pois é, na falta de obras de arte atuais, a gente tem de se concentrar nas de cinqüenta anos atrás.
Um dos diálogos mais famosos de Crepúsculo dos Deuses é bastante emblemático, apropriado até pros dias de hoje. O roteirista diz à ex-estrela, "Você já foi grande", ao que ela dispara, "Eu sou grande. Os filmes é que ficaram pequenos". E como ficaram.

Citações do excelente livro A Cidade das Redes: Hollywood nos Anos 40 (Companhia das Letras, 1989), de Otto Friedrich.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2000

CRÍTICA: A LENDA DO CAVALEIRO SEM CABEÇA chega em filme acéfalo

Trama sobre cavaleiro sem cabeça não faz jus ao talento de Tim Burton, diretor com grandes trabalhos no currículo

A Lenda do Cavaleiro sem Cabeça, em cartaz no Estado, não é um filme qualquer. Não é cria de um desses diretores por encomenda, mas de um autor ultrapessoal: Tim Burton. Então, por que este terror gótico tem aquele gostinho de "já vi isso antes..."? Talvez sejamos nós que realmente já vimos de tudo, então tudo hoje em dia pareça dejá-vu. A Lenda é um amontoado de clichês, mas este também é o caso de outros filmes que tenho visto: Risco Duplo, Joana D'Arc.... No fundo, a última obra original que assisti recentemente foi Tudo Sobre Minha Mãe, do sempre criativo Almodóvar.Voltando à Lenda do Cavaleiro sem Cabeça, devo esclarecer que eu gosto do Tim Burton, então sou suspeita pra falar. Tim, se me permitem esta intimidade, fez Beetlejuice - Os Fantasmas se Divertem (que quando passa na TV dublam como "besouro-suco", pasmem), o comovente Edward Mãos-de-Tesoura, e os dois primeiros Batman. O Batman inicial tem os gritinhos irritantes da Kim Basinger e uma fotografia mais escura que a capa do homem-morcego, e o segundo tem pouco mais que a abertura brilhante de um bebê boiando no esgoto, mas, convenhamos, ambos são mais marcantes que os outros que vieram depois pelas mãos do Schumacher (não o da Fórmula 1). Tim realizou ainda O Estranho Mundo de Jack, uma ótima animação que mostra o que aconteceria se o Dia das Bruxas fosse comemorado no Natal (pra quem acha que um menino abrindo seu presente de Natal e tirando de dentro do pacote uma cabeça ensanguentada seja um filme infantil), e Ed Wood, que, na minha modesta opinião, entra na galeria dos melhores filmes da década de 90. Infelizmente, pouca gente viu Ed Wood, a cinebiografia mais carinhosa já feita e que, ironicamente, trata do pior diretor de todos os tempos. Depois, Tim escorregou feio com Marte Ataca!, uma bobagem sem tamanho.
Digamos que
você estivesse hibernando nos últimos 12 anos e não viu nenhum desses filmes. Não faz mal, pois basta assistir à Lenda pra ter um resumo de toda a obra de Tim Burton (tirando Ed Wood, que é único). Ele fala de um detetive atrapalhado que, em 1799, é enviado a uma cidadezinha (a Sleepy Hollow do título original) para investigar um serial killer sem cabeça que tem a inconveniente mania de decepar suas vítimas. O que você pode esperar ver é uma profusão de cabeças sendo cortadas com uma espada, por vários ângulos. Algumas espirram sangue, outras rodam nos eixos antes de caírem, umas contém olhos arregalados, e há até o corte da cabecinha de um morcego (deve ser pra gente comparar). Logo, se você se interessa por algo mais que o caráter quase didático de cabeças rolando, A Lenda não é sua praia.Um diretor começa a ficar chato quando reproduz imagens de suas outras obras. Mais ou menos como fez Gus Van Sant na sua refilmagem de Psicose, quando incluiu, no meio de um assassinato, fotogramas de uma vaca pastando. Algo que não tem nada a ver com nada, mas serviu pra nos lembrar de seu pior filme, Até as Vaqueiras Ficam Tristes. Bom, é pena que Tim Burton se auto-homenageie à exaustão em A Lenda. Tem a moça girando com os braços abertos, em cena que remete direto à Mãos-de-Tesoura, tem a escuridão de outras paisagens, tem os casarões mal-assombrados de todos os filmes de Tim Burton. Parece até a mesma tomada.Atores amigos de Tim também estão lá, como Johnny Depp (caricato demais, e o personagem não ajuda), Martin Landau numa ponta não-creditada - ele é o primeiro a perder a cabeça -, e Christopher Walken como o cavaleiro das trevas.

"Sleepy Hollow" em inglês significa algo como "Vale Dormente". Separando as palavras, temos sleepy ("que dá sono") e "hollow", que quer dizer oco. Sejamos justos: A Lenda não causa dormência, mas é um filminho pra lá de oco, vazio mesmo, bem diferente do que se espera de um diretor-cabeça como Tim.Tim Burton para Johnny Depp: "Ainda voltaremos a fazer um grande filme".