domingo, 23 de maio de 1999

CLÁSSICOS: HARRY E SALLY / Feitos para deixar saudades

Um homem e uma mulher podem ser amigos de verdade, sem que o desejo sexual interfira? Existe um relógio biológico em nosso corpo e, se ele existe, quando começa a indicar a hora de ter filhos? E Ingrid Bergman acertou na sua escolha de não ficar com Humphrey Bogart no final de Casablanca?

Esses são alguns dos temas de Harry e Sally - Feitos um para o Outro, comédia americana de dez anos atrás, que você ainda pode achar nas locadoras. O filme fez grande sucesso na época, e é uma diversão garantida e inteligente nesses tempos de poucas diversões garantidas e inteligentes, ao menos no campo cinematográfico.

Conta a história de dois jovens que gastam 18 horas juntos em um carro até chegarem a Nova York, onde passarão o resto de suas vidas. É ódio à primeira vista. Cinco anos mais tarde, Harry e Sally se encontram novamente em um avião, ambos comprometidos romanticamente com outros parceiros. E, aos trinta e poucos anos, eles finalmente viram amigos, até que a relação evolua para o - vamos encher a boca - amor.

Narrado deste jeito, pode parecer algo banal e feito às dúzias, mas não é bem assim. Primeiro, porque quem interpreta o carismático casal é Billy Crystal (lembra dele como apresentador do Oscar?) e Meg Ryan, a loirinha de Cidade dos Anjos. Os dois estão aqui, sem dúvida, nos melhores papéis de suas carreiras.

O filme tem um roteiro brilhante de Nora Ephron (que lava roupa suja em público em A Difícil Arte de Amar, como ex-esposa do jornalista que revelou Watergate), que trata de várias curiosidades da guerra dos sexos. Como explica Harry, um homem quer ficar 30 segundos na cama depois de transar, enquanto a mulher deseja ser abraçada a noite inteira. É esta falta de timing, a diferença entre 30 segundos e a noite toda, que compromete um relacionamento.

Harry e Sally também fala do privilégio dos homens, que, ao contrário das mulheres, podem reproduzir-se em qualquer idade. Sally lembra que Chaplin teve um filho aos 73 anos, ao que Harry replica: "É, mas ele estava muito velho para carregá-lo no colo". Ou quando o ex-namorado de Sally tenta a desculpa, para não assumir nada mais sério e para justificar a falta de filhos, de poder transar no chão da cozinha a qualquer momento, só para que Sally recorde que eles nunca, afinal, transaram no chão da cozinha.

O filme é delicioso em todas as suas cenas, mas uma delas tornou-se clássica. Ocorre quando Harry e Sally discutem o fingimento de orgasmos femininos no meio de uma lanchonete lotada. Harry afirma que, com ele, as mulheres nunca fingiram, ou ele saberia. Sally, para confirmar o seu argumento, simula um ruidoso orgasmo ali mesmo. Vem daí a linha mais engraçada da comédia, quando uma senhora (mãe do diretor na vida real) pede ao garçom "o mesmo que ela está comendo".

Esta é, por sinal, a melhor realização de Rob Reiner, diretor de bons filmes como Conta Comigo e Louca Obsessão, mas que, nesta década perdida, errou o rumo e criou coisas como Uma Questão de Honra (não tão ruim, certo) e Meu Querido Presidente (sem comentários). E a fotografia de Harry e Sally fica por conta de Barry Sonnenfeld, que mais tarde se tornaria o bem-sucedido diretor de A Família Adams e Homens de Preto.

Outra que também se aventuraria pela trilha da direção a seguir seria a própria Nora Ephron. São delas os açucarados no tema (e azedos na qualidade) Sintonia de Amor e Mensagem para Você, com Tom Hanks e Meg. Ephron está atualmente ganhando rios de dinheiro com histórias românticas e batidas, os chamados "filmes para mulheres".

Os críticos de 1989 adoraram Harry e Sally, só que acharam parecido com as obras de Woody Allen. Há algumas semelhanças, como as roupas que Meg veste - estilosas como as de Diane Keaton em Noivo Neurótico, Noiva Nervosa -, a paixão por Nova York e os diálogos espirituosos, e a trilha sonora fabulosa, recheada de canções antigas de Gershwin e Cole Porter, mas a verdade é que Harry e Sally se segura sozinho, sem precisar de comparações.

Portanto, veja o filme. Nem que seja para acompanhar a carreira de Carrie Fisher, aquela que já tinha sido a princesa de Guerra nas Estrelas, agora que só se fala nisso mesmo. Em Harry e Sally, ela é a melhor amiga da protagonista. Ou assista apenas para constatar como os "filmes para mulheres" eram muito superiores, uma década atrás. Hollywood continua ladeira abaixo.